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segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

UMA HISTORIETA DE ANO NOVO: CONEXÃO BH-RIO

 

Já tinham passado os fogos quando o baseado começou a rodar. Josué jamais havia experimentado, pois de família evangélica e umbilicalmente ligado à religião. Tinha pego o carro da mãe,  que ficara trabalhando na ceia de ano novo da igreja, para ir com os amigos ver a queima de fogos na Pampulha. Em duas tragadas, o efeito foi fulminante e ele começou a se sentir muito diferente, dominado por uma mistura esquisita de euforia e calma. Logo alguém lançou a ideia:

"Vocês já viram o nascer do sol em Copacabana? E se a gente fosse agora?"

Entusiasmados com a proposta, fizeram cálculos e mais cálculos cuja rapidez é possível apenas aos chapados. "A viagem dura em média sete a oito horas", arrematou um dos presentes. "Faço em seis!", disse Josué enquanto dava mais um trago. "Pra ida tem gasolina, pra volta não. Alguém tem dinheiro?". Somaram e a contabilidade geral dava um total de 80 Janjos. Não é preciso explicar muito que os amigos estavam naquela condição fatídica de falidos do fim do mês, com cartão estourado e apenas em ponto morto para o salário do próximo mês. O passeio para ver o réveillon só fora possível porque a mãe encheu o tanque no dia anterior. 

"Dá sim! Dá sim! Dá sim! Dá sim!", arrematou Josué, repetindo a frase dez vezes como se quisesse convencer ao resto de bom senso que ainda teimava em se manifestar em sua mente ébria. 

Embarcaram e Josué colocou o destino no maps: "Copacabana". Já entrando no anel rodoviário, levou uma multa por excesso de velocidade. "Zé, olha o flash, você levou multa!". "Tá tranquilo, vai pro nome da minha mãe!". "Zé, cuidado!, quero chegar vivo!". "Tranquilo, tranquilo, vamos de boa, Jesus no controle!". Era um olho na estrada e outro no marcador de combustível, pois o nível caía drasticamente a cada centena de quilometro rodado. Não podiam, não deviam e não pararam, pois era uma viagem de um tiro só. 

Após quatro horas já estavam descendo a Serra de Petrópolis, mas nenhum deles sabia que era Petropólis ou que era uma serra, pois, se você vive em Minas, subir e descer serras é tão cotidiano quanto respirar. Deram-se conta mesmo da proximidade do Rio quando se depararam com uma placa imensa anunciando. "Velho, tamo chegando!", celebraram muito e Josué chegou a puxar uma marchinha de carnaval, a única que a censura evangélica lhe permitia conhecer. 

"A pipa do vovô não sobe mais..."

Adentraram a cidade e foram vencendo as linhas coloridas e os elevados com seus milhões de pistas e alças, guiados pela voz onipresente do Maps. Josué cria e confiava no Google tão profundamente quanto cria e confiava em Jesus, até mais porque era possível ouvir o aplicativo de navegação de forma clara e inquestionável, já quanto a deus sempre lhe surgiam dúvidas e angústias que ele abafava assistindo a um filme pornô

Logo avistaram o mar com suas ondas quebrando na praia. O sol ia se levantando no horizonte e o cheiro da maresia invadia o carro levando junto uma sensação total de felicidade e contentamento. Um dos colegas sacou o celular e iniciou uma live no Instagram. Não tinham avisado ninguém da viagem, portanto a surpresa foi ampla e irrestrita na rede social. "Olha Copacabana aí, pessoal! Viemos ver o sol nascer no mar! Feliz 2024!"

"Vocês estão no Rio?! Tá loco, a mãe do Josué teve um troço aqui porque ele sumiu e não tá com celular! Tava quase chamando a polícia!", disparou um dos espectadores que fora acionado pouco tempo antes pela mãe, membra da mesma igreja que Josué e sua progenitora. 

Josué riu e deu um berro pro celular: "Não temos nada para temer, Jesus está no controle!"

Estacionaram na Atlântica e correram para a praia. Mas estavam exaustos e, após alguns minutos molhando os pés no mar, deitaram na areia e ali cochilaram algumas horas. Acordaram famintos e com o sol torrando. Pegaram o resto do dinheiro, que não tinha ido pros pedágios, e negociando muito conseguiram comprar espetinhos de camarão de um ambulante. Sensibilizado com os mineiros famélicos, ele ainda os deu de brinde dois pacotes de biscoito Globo

Entraram no carro e iniciaram a viagem de volta. Não era sequer meio-dia quando começaram a subir a Serra de Petrópolis. No pedágio, passaram direto pela cancela automática. "A multa vai pra minha mãe", reforçou Josué. O problema até ali abafado, mas sempre latente, por fim deu as caras: a gasolina estava acabando e eles não tinham nenhum dinheiro. Josué bolou o plano, iriam parar em um posto, pedir para encher o tanque, dar a desculpa que o valor estava errado e darem no pé. 

"Com um tanque viemos, com outro tanque iremos embora!"

Planejado e feito. Pararam, pediram para encher o tanque. Na hora do pagamento, o pobre frentista teve de ouvir terríveis impropérios de que teria feito tudo errado, que não sabia trabalhar, que Jesus tava de testemunha, etc., para logo em seguida ver o Fiesta 2016 sair a toda do posto. Nada de novo! Já passara por coisas piores, pelo menos esses eram tementes a deus e não estavam armados. 

No próximo pedágio, resolveram não tentar furar de novo a cancela automática. "Não força a sorte, Zé". Iam tentar outro golpe, mas, para a surpresa deles, a atendente informou que era possível emitir um boleto para ser pago posteriormente. "Minha mãe vai pagar".

Josué começava a sentir o cansaço de dirigir tanto tempo, mas era o único com carteira no carro e teve de seguir no sacrifício. Extenuados, os colegas já estavam dormindo desde Juiz de Fora e só foram acordar quando Josué encostou já na entrada de Belo Horizonte. "Gente, o carro não quer andar!". Ligaram para a mãe de Josué e após ele ouvir bons sermões sobre falta de responsabilidade e a falta de deus dos amigos, ela indicou o número do seguro para ele entrar em contato e pedir um guincho. 

Desligando o telefone, ela só pode comentar com as irmãs da igreja: "e olha que em tantos anos, eu nunca nem cheguei a dirigir esse carro..."

(por David Emanuel Coelho) 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

A INEFICIÊNCIA DO TRANSPORTE PÚBLICO NO BRASIL

 


Q
uase dez anos após as manifestações de Junho de 2013, eclodidas pela questão do transporte público, o problema no Brasil segue na mesma, ou até pior. 

Passagens caras, descumprimento de horários, veículos lotados, muito stress para um serviço caro e ineficiente. Não à toa, as pessoas preferem enfrentar longos congestionamentos dentro de seus carros particulares, pagando combustíveis ao preço da hora da morte. 

Em Belo Horizonte, por exemplo, não raro são os horários descumpridos, além do péssimo estado de conservação dos veículos. Aos fins de semana, as linhas costumam rodar com intervalos de até 1 hora, o que praticamente inviabiliza a locomoção por coletivos. 

Diminuir os impactos do aquecimento global também passa pelo fortalecimento do transporte público, pois cada automóvel particular jogado às ruas é algumas toneladas de gás carbônico indo para a atmosfera, sem contar outros poluentes associados às peças e ao ciclo do veículo. Viagens cotidianas ou até mesmo curtas que poderiam ser feitas sem o uso da locomoção individual, acabam lançando desnecessária poluição na atmosfera. 

Do governo lulopetista desconhece-se qualquer programa para a mobilidade urbana. A maior parte dos metrôs ao redor do país estão inconclusos e sem perspectiva de ampliação. A própria capital mineira possuí apenas uma linha de trem urbano cuja ampliação está congelada há 20 anos. 

Nas mãos de empresários carniceiros e sem nenhum tipo de pensamento estratégico, o transporte público vai apodrecendo deixando apenas usurário insatisfeitos, cidades engarrafadas e a vitória do individualismo predatório. (por David Emanuel Coelho



sábado, 29 de maio de 2021

FORA, BOZO! E LEVE OS MILICOS COM VOCÊ!

P
raticamente um ano depois das primeiras grandes manifestações contrárias ao governo Bolsonaro, o Brasil saí de novo às ruas, e em maior peso. No momento em que a mortandade atinge mais de meio milhão de pessoas no país, muitos considerariam absurdo promover grandes aglomerações nas cidades. 

É o caso, por exemplo, do respeitável professor Miguel Nicolelis, que vê as manifestações como sendo focos para espalhar o vírus. Quem sou eu para discordar dos conhecimentos biológicos do professor, mas acredito que ele, e alguns outros, não consideram a natureza eminentemente política do Covid. 

Basta ver: países onde os governantes tiveram mais preocupação em impor medidas restritivas, deram apoio econômico à população e buscaram cedo vacinas, são países nos quais a pandemia foi melhor controlada. 

Situação muito diferente é a do Brasil, onde Bolsonaro explicita e planejadamente buscou a maximização das contaminações e das mortes. Sobre isto já falamos o suficiente. 

O ponto aqui é considerar que Bolsonaro não pretende de modo algum desacelerar o nível de mortandade. 

Pelo contrário, suas ações são no sentido de fazê-la acelerar cada vez mais, seja no retardo da vacinação, seja no auxílio financeiro insuficiente, seja na guerra contra o uso de máscaras ou seja mesmo pelo combate às medidas de isolamento. 

Neste aspecto, a pergunta passa a ser: ficar em casa para não se contaminar, mas assistir o governo desandar o açougue ou ir para a rua lutar contra isso e tentar pôr fim à loucura? 

Não concordo com a metáfora de considerar a pandemia uma guerra. O vírus não está em guerra contra nós, pois ele age por impulsos biológicos, de preservação e continuidade da existência genética de sua espécie. Considerar a ação do vírus como sendo guerra é o mesmo que achar nossa ação contra animais e plantas também uma guerra. 

No entanto, a metáfora da guerra pode nos ser útil aqui. Muitas vezes na guerra é preciso ter severas baixas em nome da vitória. O contrário é assistir ao inimigo avançar território adentro e devastar o povo. 

Mais preciso ainda é considerar a guerra de extermínio, empreendida pelos nazistas. Estavam errados os judeus de Varsóvia ao se insurgirem contra os nazistas ao custo de centenas de vidas? Acaso tivessem eles ficado em silêncio não poderiam muitos ali ter sobrevivido? Mas teria sido o decurso da guerra o mesmo caso houvessem optado por esta linha de ação? 

Há risco em ir à rua agora? Sem dúvida! Mas, muito pior é não fazer nada.
 
Foi pensando assim que acordei de manhã, coloquei minha máscara, apanhei meu álcool em gel e me dirigi à Praça da Liberdade, antiga sede do poder estadual de Minas Gerais.

Posso garantir que as medidas possíveis para se evitar contaminação foram tomadas. Praticamente não vi ninguém sem máscara, sendo o uso da PFF2, a mais eficiente na proteção contra o vírus, onipresente. 

A organização do ato também distribuiu estas máscaras, de forma gratuita, para o povo. 

Afastamento não foi tão possível. A presença de idosos era mínima, predominando jovens e pessoal de meia idade. Muita gente saudava o ato nas janelas dos prédios e motoristas buzinavam em apoio. 

Em uma contagem amadora, calculei entre 20 a 30 mil os participantes do ato, que desceu da Praça da Liberdade, passando pelo Mercado Central, Praça Sete e, finalmente, terminando na Praça da Estação. É um verdadeiro tour do centro de Belo Horizonte, passando pelos pontos e avenidas mais importantes e simbólicos.

Foi um ato pacífico e multifacetado, embora, confesso, haja tido pouca adesão do povo comum, não associado a partidos ou movimentos. Com certeza, foi o maior ato em Belo Horizonte desde o impeachment de Dilma em 2016.

Inúmeras outras capitais e cidades do interior também tiveram seus atos. Igualmente grandes, de acordo com o tamanho relativo da população local. 

Veremos como se desdobrarão os acontecimentos daqui para a frente. Fato é que Bolsonaro perdeu as ruas e agora só pode sair nelas com suas manifestações fakes de motociclistas. 

Quanto à esquerda institucional, sobretudo a lulista, poderá continuar contra os atos, mesmo lucrando com eles, ou entrar de vez na luta pela queda do bolsonarismo e o fim da loucura.
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(por David Emanuel Coelho)
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