Praticamente um ano depois das primeiras grandes manifestações contrárias ao governo Bolsonaro, o Brasil saí de novo às ruas, e em maior peso. No momento em que a mortandade atinge mais de meio milhão de pessoas no país, muitos considerariam absurdo promover grandes aglomerações nas cidades. É o caso, por exemplo, do respeitável professor Miguel Nicolelis, que vê as manifestações como sendo focos para espalhar o vírus. Quem sou eu para discordar dos conhecimentos biológicos do professor, mas acredito que ele, e alguns outros, não consideram a natureza eminentemente política do Covid.
Basta ver: países onde os governantes tiveram mais preocupação em impor medidas restritivas, deram apoio econômico à população e buscaram cedo vacinas, são países nos quais a pandemia foi melhor controlada.
Situação muito diferente é a do Brasil, onde Bolsonaro explicita e planejadamente buscou a maximização das contaminações e das mortes. Sobre isto já falamos o suficiente.
O ponto aqui é considerar que Bolsonaro não pretende de modo algum desacelerar o nível de mortandade.
Pelo contrário, suas ações são no sentido de fazê-la acelerar cada vez mais, seja no retardo da vacinação, seja no auxílio financeiro insuficiente, seja na guerra contra o uso de máscaras ou seja mesmo pelo combate às medidas de isolamento.
Neste aspecto, a pergunta passa a ser: ficar em casa para não se contaminar, mas assistir o governo desandar o açougue ou ir para a rua lutar contra isso e tentar pôr fim à loucura?
Não concordo com a metáfora de considerar a pandemia uma guerra. O vírus não está em guerra contra nós, pois ele age por impulsos biológicos, de preservação e continuidade da existência genética de sua espécie. Considerar a ação do vírus como sendo guerra é o mesmo que achar nossa ação contra animais e plantas também uma guerra.
No entanto, a metáfora da guerra pode nos ser útil aqui. Muitas vezes na guerra é preciso ter severas baixas em nome da vitória. O contrário é assistir ao inimigo avançar território adentro e devastar o povo.
Mais preciso ainda é considerar a guerra de extermínio, empreendida pelos nazistas. Estavam errados os judeus de Varsóvia ao se insurgirem contra os nazistas ao custo de centenas de vidas? Acaso tivessem eles ficado em silêncio não poderiam muitos ali ter sobrevivido? Mas teria sido o decurso da guerra o mesmo caso houvessem optado por esta linha de ação?
Há risco em ir à rua agora? Sem dúvida! Mas, muito pior é não fazer nada.
Foi pensando assim que acordei de manhã, coloquei minha máscara, apanhei meu álcool em gel e me dirigi à Praça da Liberdade, antiga sede do poder estadual de Minas Gerais.
Posso garantir que as medidas possíveis para se evitar contaminação foram tomadas. Praticamente não vi ninguém sem máscara, sendo o uso da PFF2, a mais eficiente na proteção contra o vírus, onipresente.
A organização do ato também distribuiu estas máscaras, de forma gratuita, para o povo.
Afastamento não foi tão possível. A presença de idosos era mínima, predominando jovens e pessoal de meia idade. Muita gente saudava o ato nas janelas dos prédios e motoristas buzinavam em apoio.
Em uma contagem amadora, calculei entre 20 a 30 mil os participantes do ato, que desceu da Praça da Liberdade, passando pelo Mercado Central, Praça Sete e, finalmente, terminando na Praça da Estação. É um verdadeiro tour do centro de Belo Horizonte, passando pelos pontos e avenidas mais importantes e simbólicos.
Foi um ato pacífico e multifacetado, embora, confesso, haja tido pouca adesão do povo comum, não associado a partidos ou movimentos. Com certeza, foi o maior ato em Belo Horizonte desde o impeachment de Dilma em 2016.
Inúmeras outras capitais e cidades do interior também tiveram seus atos. Igualmente grandes, de acordo com o tamanho relativo da população local.
Veremos como se desdobrarão os acontecimentos daqui para a frente. Fato é que Bolsonaro perdeu as ruas e agora só pode sair nelas com suas manifestações fakes de motociclistas.
Quanto à esquerda institucional, sobretudo a lulista, poderá continuar contra os atos, mesmo lucrando com eles, ou entrar de vez na luta pela queda do bolsonarismo e o fim da loucura.
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(por David Emanuel Coelho)
Um comentário:
"A natureza eminentemente política do covid".
Pronto!
A editoria começou a alinhar-se com a tese mais realista, na minha opinião.
Com o arcabouço teórico fornecido por Dalton e David, a conclusão lógica a qual se chega é: o capital optou pelo genocídio e a pandemia é só um aspecto dessa decisão.
A tecnologia tornou o homem obsoleto, enquanto objeto da exploração capitalista.
Suas formas sujas e barulhentas de vida social estão em declínio.
O controle monetário burguês está sendo solapado pelas criptomoedas.
(Tanto que estão tendo que adotá-las, criando as moedas soberanas digitais, sob a guante do protocolo blockchain!)
Mas... até perderem totalmente o poder sobre a sociedade, os caras farão todo mal que puderem e que for inspirado por seus corações mortos e suas consciências entorpecidas.
Isso é tão verdade, que até hoje existe escravidão nas fazendas brasileiras.
(Provando que o conservadorismo é uma força de uma teimosia imune a quaisquer argumentos, por mais racionais que sejam.)
Não seria diferente com a burguesia transnacional e seus estado-nação, suas dívidas soberanas e suas apodrecidas moedas fiduciárias.
Antes, ela usava as pessoas como bucha de canhão nas guerras por mercado e, sob o manto do patriotismo, perpetrava os genocídios, ao som de fanfarras. Toda vez que a população atingia limites perigosos nas equações malthusianas que usam até hoje.
Agora, os adorados consumidores (alijados da possibilidade de serem produtores) viram um estorvo.
As possibilidades eram duas:
Os caras tornavam-se seres humanos dotados do valor bondade;
Os caras partiam para o genocídio de tais populações, agora indesejadas.
Na minha opinião, sem nenhuma surpresa para mim, venceu a segunda opção.
Para a burguesia, 12 monkeys é a solução.
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Obviamente, longe dos cantos guerreiros, das demonstrações de força animal, das maquinações politiqueiras, das manipulações propagandísticas e da mesquinharia generalizada, seres humanos já começaram a construir novas possibilidades de vivência e sociedade.
Para exemplificar temos esse vídeo de dois ciclistas globetrotters que, por causa da pandemia, estão morando em um sítio.
https://www.youtube.com/watch?v=0KL-G-26B4c
Canal "Expandindo Mundos com Luciano e Gustavo"
Ou essa menina agrofloresteira do canal "Agrofloresteira".
https://www.youtube.com/channel/UCBEiQag9Dw5tNA1CfJe7k_A/featured
E tem mais...
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