Já anteriormente à posse, a relação entre o governo Lula e os militares não era a mais cordial, a ponto de comandantes das três forças passarem o bastão antes do dia primeiro justamente para escaparem do dever de prestar continência ao novo presidente.
Porém, desde a insurreição bolsonarista do dia oito, a animosidade cresceu ainda mais, sobretudo com revelações de apoio de alguns membros da caserna aos militantes, seja os diretamente partícipes dos ataques à Praça dos Três Poderes, seja os durante meses acampados em frente aos quartéis.
As raízes desta questão militar, no entanto, ainda devem ser melhor compreendidas. Alguns buscam sua origem na ditadura militar e na ausência de julgamento aos torturadores e usurpadores do poder daqueles vinte e um anos de obscuridade. De fato, este elemento é importante a ser considerado, mas seria incorreto localizar nele a erupção recente da politização fardada. Em realidade, de forma irônica, o contexto atual tem muito mais a ver com o papel desempenhando pelas forças durante os 13 anos de lulopetismo.
Antes de derrubarem a monarquia, Floriano e seus comandados eram enviados para capturar escravos fugitivos |
Após o fim da ditadura, os militares, desmoralizados e troçados, recolheram-se à caserna, de lá saindo em ocasiões muito excepcionais de greves da polícias. Já este uso do exército para tapar greves era algo complexo e delicado, mas diante do quadro crítico de insegurança social não restava muita alternativa.
A situação começa a mudar de figura quando Lula decide dar mais atribuições aos militares. Desejando projetar-se internacionalmente enquanto uma força geopolítica, o presidente aceita para o Brasil o papel de interventor principal no Haiti e determina às Forças Armadas o comando da Missão de Paz naquele país.
É curioso pensarmos no fluxo histórico das palavras. Intervenção primeiro apareceu no vocabulário para designar a ação brasileira de agir na crise haitiana - crise de dois séculos e um pouco já analisada neste post - para transformar-se agora em súplica da extrema-direita por um golpe militar. No meio do caminho, contudo, outras intervenções ocorreram, como as das favelas cariocas e a da segurança do Rio.
Quando se analisam os nomes da ocupação brasileira do Haiti é como se estivéssemos vendo os componentes do finado governo Bolsonaro. Entre os de destaque estão:
Augusto Heleno;
No Haiti, as forças brasileiras foram acusadas de cometer inúmeros abusos |
Floriano Peixoto Vieira Neto;
Edson Leal Pujol;
Luís Eduardo Ramos
Fernando Azevedo e Silva;
Tarcísio de Freitas,
Otávio Rêgo Barros;
Augusto Heleno, inclusive, possui uma trágica passagem, tendo saído do comando das tropas após massacre de moradores da favela Cité Soleil, na capital haitiana, Porto Príncipe. Pelo menos 63 pessoas morreram na invasão das forças militares à comunidade e Heleno acabou retirado do comando das operações, após pressão das Nações Unidas.
Não seria exagero afirmar ter sido a operação de Paz no Haiti o grande início do retorno militar à vida política e social brasileira, inclusive, com a futura conformação do governo do ex-presidente fujão. Para isso, no entanto, o Haiti foi apenas o começo da jornada, contando com outras etapas importantes em solo nacional.
Certamente, dentro destas etapas está o uso dos militares para a segurança pública rotineira. Lula deu novo passo e mudou a escala de atuação das Forças neste quesito, pois agora não se tratava mais de suprir a força policial em caso de greve, mas de simplesmente a substituir por completo através de intervenções em comunidades e da decretação de atos de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
Como não esquecer as apoteóticas cenas de tanques da marinha invadindo os morros do Rio de Janeiro, sob aplausos da classe média? Naquele momento, Lula socorreu o dileto Sérgio Cabral em seu plano mirabolante de pacificar comunidades com ocupações militares, as famigeradas UPPs. Ora, pacificar era exatamente o que faziam as Forças Armadas no Haiti, então por que não poderiam fazer o mesmo também em seu próprio território?
Lula não se importou em jogar tanques da Marinha contra os moradores da Favela do Alemão em 2010 |
Neste ínterim, dona Dilma articulou com os militares a criação de um avançado sistema de vigilância, sobretudo cibernética, para ser acionado no período da Copa do Mundo e das Olímpiadas, e cujo maior objetivo era monitorar manifestações e, claro, terroristas.
Mas o maior feito deste período é quando o governo da ex-presidente entrega aos fardados não apenas a organização da Olímpiada, mas também o treinamento de inúmeros atletas. Afinal, em um país onde a política esportiva é zero, os sedentários militares é que possuem a maior expertise em atividades físicas. Resultou daí as cenas vergonhosas de atletas batendo continência nos pódios após cada medalha.
Esta vergonha é eterna |
Deste modo, entronizou-se o militarismo na vida cotidiana brasileira, através de seu uso generalizado não apenas na segurança pública, mas também na própria administração. Criava-se o mito do exército eficiente, bom para combater bandido e também para tomar conta da máquina estatal. Todo o desastre de vinte e um anos de ditadura começou a virar apenas uma sombra perdida no tempo e, quando Temer assumiu, tratou logo de buscar ancoragem no oficialato, os colocando em postos importantes do governo e chegando ao ápice com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.
Neste ponto, os militares já possuíam seu próprio plano de voo solo e tinham determinado o nome do azarão capaz de leva-los de volta ao topo: Jair Bolsonaro. Isto porque enquanto os civis se digladiavam pelo poder durante o impeachment, os oficiais já haviam antevisto desde 2013 o fluxo dos acontecimentos, pois desde aquela época já existiam indivíduos nas ruas pedindo a Intervenção Militar e alguns outros já começavam a acampar em frente aos quartéis, se destacando entre as lideranças do momento um certo deputado do baixíssimo clero que, apesar de nulo na política tradicional, era sucesso de audiência televisiva e agregava seguidores em massa na internet.
Desde o começo da década passada, Bolsonaro animava as noites da TV brasileira |
Mas, o que querem os militares? Até onde se sabe, para além da velha doutrina de segurança imposta pelos EUA e do eterno papel de força contrarrevolucionária - o povo brasileiro é o único inimigo das Forças Armadas do Brasil -, os militares não possuem qualquer projeto para o país. Acertaram-se com o neoliberalismo e até se orgulham de nossa condição neoextrativista.
Acampados de hoje já estão por aí há tempos |
O lulopetismo, assim, aparece ao militarismo muito mais enquanto um competidor. Nesta seara da luta intestinal burguesa muito ainda irá acontecer, mas o fato é que a nova questão militar tem o dedo podre do lulopetismo em sua gênese. (por David Emanuel Coelho)
Um comentário:
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Ô ôô, nada mudou!
Surpreende a surpresa de que as coisas estão sempre piorando.
Um estado que tem meta de inflação está dizendo que pretende desvalorizar o trabalho humano em tantos por cento ao ano, inexoravelmente.
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Surpresa seriam:
Deflação,
Mudança de modal,
Educação universal e gratuita...
E acresça-se tudo de bom e nobre que se espera de seres humanos.
Isso, sim, seria surpreendente.
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Por favor, Lula, surpreenda-me!
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Debalde imploro.
Mas o povo ilude-se e espera algum tipo de decência dos governantes, seus semelhantes (que não se julgam semelhantes, mas, isso sim, autorizados a descer a borduna no quengo da indaiada).
Leia-se o primeiro livro da República e lá está o sofista dizendo que a verdade é de quem tem a força.
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O homem do balde está popular como nunca.
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