domingo, 24 de fevereiro de 2019

VENEZUELA, UMA REVOLUÇÃO ESGOTADA – 1

Por David Emanuel Coelho
Em 1791 ocorreu a primeira grande revolução da América Latina. 

Foi a independência e abolição da escravatura no Haiti, uma revolução comandada por negros contra, ao mesmo tempo, a escravidão e o domínio colonial francês. 

O massacre de aristocratas brancos pelos ex-escravos atemorizou as elites do mundo durante décadas, a ponto de a oligarquia brasileira aceitar um acordo com o príncipe dom Pedro e proclamar a independência pelo alto, de preferência a arriscar-se a pôr armas nas mãos da massa escrava, maioria da população. 

Apesar de possuir a maior produção açucareira do continente – o petróleo da época – o Haiti afundou na pobreza ao longo do século XIX e XX. Logo após a revolução negra, o país foi submetido a um duro bloqueio comercial pelas potências europeias e pelos EUA, temerosas justamente do exemplo revolucionário se espalhar. 

Logo o açúcar deixou de ter grande valor comercial e o Haiti, desmonetizado e ilhado no sistema econômico mundial, ficou para trás, preso à monocultura decadente. A revolução resultou no país mais pobre das Américas. 
Massacre de aristocratas brancos: um pesadelo para as elites

A referência ao Haiti tem a intenção de introduzir o debate sobre a situação venezuelana, outro país herdeiro de uma revolução que claramente chegou a um beco sem saída. 

A Venezuela é um dos maiores produtores de petróleo do mundo e membra fundadora da Opep, o poderoso cartel petrolífero. 

Antes da chegada de Hugo Chávez ao poder, a produção petrolífera do país atendia por inteiro aos ditames dos EUA. A alta burguesia venezuelana se apropriava dos petrodólares e os torrava em luxo e frivolidade, enquanto a maioria absoluta do povo vivia na completa miséria. 

A altíssima liquidez propiciada pela venda de petróleo, aliada ao reduzido mercado consumidor interno – pois restrito a setores de classe alta e média  desestimulava o desenvolvimento industrial e agrícola do país, já que a importação era um caminho muito mais viável. 

A extrema pobreza do povo venezuelano atingiu níveis explosivos na década de 1980, quando às mazelas econômicas históricas somou-se a crise mundial e ações de cunho neoliberal impostas pela oligarquia então no poder. 
O Caracaço de 1989: uma gigantesca rebelião popular
As tensões sociais desaguaram no chamado Caracaço, uma gigantesca rebelião popular ocorrida em Caracas no dia 27 de fevereiro de 1989, na qual morreram cerca de 300 pessoas, na contabilidade mais conservadora. 

Após este evento, o regime político venezuelano de então entrou em decadência, enfrentando golpes de estado e mobilizações populares até a ascensão de Hugo Chávez, dez anos depois. 

O movimento de Chávez, na verdade, fora fundado em 1982, no interior do exército venezuelano e tinha por inspiração a visão nacionalista e difusamente igualitária de Símon Bolívar. 

É importante destacar isto porque nunca, desde o começo, o chavismo foi marxista ou inspirou-se no socialismo clássico. Desde o primeiro momento não passou de um movimento nacionalista, de setores da baixa hierarquia militar, a qual visava uma reforma social dentro dos limites da ordem burguesa. 

O bolivarianismo surgiu de modo semelhante ao tenentismo brasileiro do século passado, com uma visão reformista autoritária e, no primeiro momento, desconectada da população. 
Chávez acumulou forças após o Caracaço e elegeu-se em 1999

Será após o Caracaço e os eventos políticos ao longo da década de 90 que o movimento bolivarianista ganhará inserção popular, radicalizando-se até a vitória eleitoral de Chávez. 

O próprio discurso nacionalista e a verve militarista do falecido presidente enganaram meio mundo, incluindo aí Bolsonaro, o qual saudou o líder na época recém-eleito como uma esperança para a América Latina.

Uma vez no poder, Chávez inicia um profundo processo de nacionalização da economia e ampliação do poder aquisitivo e do acesso a serviços públicos por parte da população mais pobre. 

O grau de popularidade e de inserção popular do chavismo à época pode ser medido pela estrondosa reação popular contra o golpe de 2001, quando milhares de favelados de Caracas desceram às ruas para confrontar os golpistas e exigir a restituição do presidente deposto. O mesmo exigiram militares de média e baixa patentes, isolando os generais traidores. 
Sob Chávez, uma prosperidade baseada só nos petrodólares...

Na verdade, a rigor, a revolução bolivariana começou ali. Chávez aproveitou o golpe para extirpar das forças armadas todos que se opusessem ao movimento bolivariano, criando também forças paramilitares e aprofundando suas reformas nacionalistas. 

No entanto, Chávez não reorientou a base produtiva do país. Fincou seu regime na mesma base econômica do antigo, a produção e exportação de petróleo, baseando-se no imenso volume de petrodólares para conduzir sua política social. 

Não se pode culpa-lo por não tentar instituir a industrialização, mas nem mesmo ele poderia modificar as leis da realidade. Limitado por um programa nacional-burguês, não rompeu com a lógica do capitalismo e continuou refém da alta liquidez interna da economia, a qual tornava praticamente inútil tentar uma dispendiosa industrialização diante da relativamente barata importação de bens de consumo. 
...e que não persistiria após sua morte em 2013

O tenente-coronel não era idiota e vislumbrou corretamente os limites de sua revolução, tanto que partiu para um processo de internacionalização, visando criar um mercado regional na América Latina, onde os petrodólares venezuelanos alimentariam as indústrias brasileiras e argentinas, bem como a produção agrícola dos Andes e do Caribe. 
(continua neste post)

Um comentário:

Henrique Nascimento disse...

E os nossos 'petrodólares' da década passada foram os grãos e o minério de ferro, que foram usados para uma remuneração ínfima aos nossos 'coitadezas'.

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