Na data de hoje, 20 de janeiro, celebram-se os 103 anos de Federico Fellini, um dos grandes mestres do cinema mundial.
Por isso, para celebrar a efeméride, o blog indica um dos primeiros grandes clássicos do diretor: Os Boas Vidas (I vitelloni), de 1953, que pode ser assistido na janela ao final do post.
Filme inserido no chamado neorealismo italiano, a película acompanha um grupo de cinco amigos - Fausto, Alberto, Leopoldo, Ricardo e Moraldo - em uma cidadezinha do interior da Itália do pós Segunda Guerra Mundial.
Filhos da classe média baixa local, vivem na ociosidade, sem se ocupar com empregos, estudos ou negócios. Não buscam assumir qualquer compromisso e, mesmo quando forçados a isso, buscam ao máximo a evasão, se recusando a arcar com os preços de seus objetivos e ações.
Assim, Fausto, obrigado a se casar com a irmã de Moraldo após engravida-la, recusa sua condição de pai de família, e persiste na vida de boêmia e flertes. Alberto deseja comandar a irmã, mas vive do salário dela. Ricardo troça de trabalhadores braçais, mas foge quando por eles confrontado. Leopoldo deseja fazer sucesso no teatro, mas se abomina com a sugestão sexual de um diretor renomado. Já Moraldo surpreende-se com o fato de alguém acordar às três da manhã para trabalhar.
Na realidade, o grupo expressa em sua superficialidade e descompromisso a própria condição dos jovens da classe média italiana -e mesmo europeia - após anos de terror fascista e de guerra destrutiva. Embalados na era dourada de crescimento acelerado capitalista, graças à reconstrução do que fora devastado na guerra, acalentados pela paz perpétua e pelo recém instituído Estado de Bem-Estar Social, não havia muito no que se engajar ou pelo qual lutar.
Da mesma época, o filme Juventude Transviada (Rebel Without a Cause), de 1955, do diretor Nicholas Ray, aborda nos EUA o mesmo fenômeno desta juventude desenraizada e cuja essência é ser pura potencialidade irrealizável. Os valores tradicionais foram liquidados pelo turbilhão da Guerra, o mundo está definitivamente dividido em socialismo e capitalismo, não há mais revoluções a lutar ou inimigos a combater, mas também não existem perspectivas para quem deseja ser mais que uma simples peça do quebra-cabeças da nova ordem social.
Por óbvio, este suposto estado de bem aventurança era mera ilusão, aparência sem substância logo posto abaixo a partir da década de 1960, quando o crescimento capitalista bateu no teto e a virada neoliberal rompeu a cena apontando o caos a ser vivido nas décadas seguintes, continuado até hoje. No percurso houve a Guerra do Vietnã, as ditaduras, guerras de independência, as guerrilhas e brigadas.
Esta ilusão, inclusive, é mostrada por Fellini de modo magistral no próprio sentimento de inadequação atravessando o grupo de amigos, uns sentido mais, outros menos. Será Moraldo quem sentirá este sentimento com mais intensidade, motivo do seu desfecho e de sua recusa a seguir aquela vida com os amigos.
Curiosamente, este final remete também às últimas cenas de La Dolce Vita (1960), outro clássico do diretor e cujo tema é idêntico ao de Os Boas Vidas, apenas mudando o foco para a juventude intelectualizada e artística de Roma. Enquanto Moraldo parte em busca da realidade, é ela própria quem chega a Marcello Rubini em uma praia após mais uma noite de boêmia. Ou seja, caso não se busque romper o muro da ilusão, a própria feiura do mundo encontra um jeito de invadir a cidadela.
Para os dias de hoje, Os Boas Vidas é um filme necessário a todos que ainda se negam a encarar o mundo de frente, persistindo na eterna adolescência do descompromisso, seja na vida pessoal ou no âmbito político.
(por David Emanuel Coelho)
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