sábado, 15 de janeiro de 2022

SEM AS PALHAÇADAS DE TERENCE HILL, "MEU NOME É NINGUÉM" TERIA SIDO UM IRMÃO MENOR DE "ERA UMA VEZ NO OESTE"

Foi como se o Trinity estivesse invadindo o set de Era uma vez no Oeste...
M
eu nome é ninguém (1973) é o filme de encerramento do Festival do Western Italiano que este blog realiza há exato um mês, ao longo do qual apresentou aos leitores 12 dos títulos mais expressivos dessa variante alternativa aos bangue-bangues estadunidenses – a qual superou tão acentuadamente a matriz original que Hollywood foi obrigada a curvar-se à Cinecittà, trocando o maniqueísmo rançoso de seus faroestes por uma visão mais realista e amarga do tempo das diligências...

Foi idealizado, produzido e dirigido pelo grande Sergio Leone, que preferiu, contudo, transferir a seu assistente Tonino Valerii o crédito de diretor.

Por quê? Tenho cá pra mim que ele não quis quebrar a sequência evolutiva de sua obra. Começara dirigindo épicos da Antiguidade (Os últimos dias de Pompéia –também não creditado–, 1959; e O colosso de Rodes, 1961), inventara o bangue-bangue à italiana ao transferir para o velho Oeste uma saga de samurais (Por um punhado de dólares, 1964) e foi realizando filmes cada vez mais ambiciosos:
...e desviando as atenções do lendário
Henry Fonda, já no ocaso da carreira 
Por uns dólares a mais (1965), em que uma busca de vingança assume contornos grandiosos;
— Três homens em conflito (1966), perfeito como filme de ação e extraordinário como líbelo contra a guerra;
— Era uma vez o Oeste (1968), um bangue-bangue nostálgico e filosófico, que contrapõe lendas e realidade, desmistificando fábulas românticas consagradas, ao mesmo tempo em que presta tributo a essas belas fantasias; e
— Quando explode a vingança (1971), tudo que ele queria dizer sobre as revoluções, sem prejuízo da ação propriamente dita, magnífica!

O passo seguinte seria Era uma vez a América (1984), monumento cinematográfico que mereceria ser reconhecido como uma das maiores obras-primas da sétima arte em todos os tempos.

Enquanto acumulava forças e reunia recursos para seu projeto mais caro e ousado, que tal ganhar um dinheirinho surfando na onda do sucesso de Terence Hill em clave cômica? [Este ator começara seguindo as pegadas de Franco Nero como mocinho sinistro, mas não convencia e acabou descobrindo sua real vocação ao estrelar o acomediado Chamam-me Trinity (d. Enzo Barboni, 1970).]

Ou, talvez, Leone simplesmente não tenha querido colocar sua assinatura num filme que tem grandes momentos mas, também, evidentes concessões comerciais. 

Isto porque Meu nome é ninguém combina o melhor do Leone (novamente a discussão sobre como se engendravam as lendas, a belíssima trilha musical –desta vez com inspiração wagneriana de Ennio Morricone e a dignidade que Henry Fonda confere ao seu personagem) com o pior do Terence Hill (as sequências típicas de comédia de pastelão, cuja ausência seus fãs jamais perdoariam...

A história é a de um jovem desconhecido mas muito hábil no gatilho (Hill), que importuna uma lenda viva do Oeste (Fonda), tentando por todos os meios forçá-lo a, antes de aposentar-se, inscrever seu nome definitivamente na História: quer que ele enfrente sozinho um verdadeiro exército de malfeitores.
Em termos qualitativos, o desperdício de tempo com as canastrices  de Hill coloca o filme mais ou menos no patamar de 
Por um punhado de dólares; sem elas, seria uma espécie de irmão menor de Era uma vez o Oeste

Mesmo assim, por seu ótimo ponto de partida e por algumas sequências inesquecíveis, merece ser visto.

Leone repetiria a dose com Trinity e seus companheiros (1975), usando Damiano Damiani como testa-de-ferro. 

Só que exagerou na dose, pois se trata de um filme vazio e indefensável, pior do que qualquer western dirigido por Leone ou pelo próprio Damiani (cujo Uma bala para o general, de 1966,  fora outra das inspiradas incursões da Cinecittà pela revolução mexicana). 

Felizmente, não houve uma terceira associação com Terence Hill, um ator simpático e carismático, mas que se projetou num contexto de decadência e descaracterização do gênero, acabando por as simbolizar. (por Celso Lungaretti)

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