terça-feira, 19 de março de 2019

CARTA ABERTA AO LULA – 2

(continuação deste post)
"Não se faz isso com um companheiro"
Com a bifurcação conceitual de governo entre o nosso projeto de então e o projeto do PT, que se tornou cada vez mais evidente e distanciada, veio a nossa expulsão sob o argumento mentiroso de que a prefeita havia indicado um candidato do seu colete e sem qualificação à sua sucessão. 

Dalton Rosado, o modesto colaborador permanente desse blog, secretário de finanças da administração popular, foi o personagem pessoal dessa ocorrência política que bem demonstra o curso das coisas.   

Aliás, você mesmo, Lula, que me conheceu pessoalmente nas lutas populares em Fortaleza como advogado, e depois no exercício das minhas funções na prefeitura, sabia muito bem que eu não havia caído de pára-quedas, como tentou me rotular para o Brasil que não me conhecia. 

Não se faz isso a um companheiro sem que a História se encarregue de restabelecer a verdade com as devidas e cruéis consequências.  

O projeto do PT já havia passado a ser, mesmo antes de tal episódio, voltado para a mesmice do jogo político tradicional, no qual se exige muito dinheiro para participar com chance de vitória do processo eleitoral e, depois, para a conciliação com os poderes institucionais e corporativos. 

Daí para o envolvimento do PT com o que sempre houve de mais podre em termos de convivência política sistêmica foi um passo: o partido aceitou o fisiologismo como método de atuação política em todo o Brasil, passando a nortear-se, na prática, pela célebre frase com que o sinistro ministro Jarbas Passarinho justificou a assinatura do AI-5: “Às favas, sr. presidente, neste momento, com todos os escrúpulos de consciência!”. 
Outra expulsão traumática: a do ex-guerrilheiro Venceslau em 87

Os melhores e mais combativos quadros do PT foram paulatinamente alijados e substituídos pelos subservientes e pelos novos cristãos oportunistas (Delcídio do Amaral e tantos outros da mesma estirpe). 

Mas, confiar nos inimigos de classe nunca foi comportamento que trouxesse segurança para a esquerda que o adota, e o castelo de cartas começou a desabar com a auto-denúncia suicida de Roberto Jefferson, que fez balançar o PT no caso do mensalão e somente não lhe destituiu da Presidência da República em face de uma certa maré mansa da economia. 

Quando a marolinha virou um tsunami veio a Lava-Jato que trouxe à tona toda a podridão que permeia antes, hoje e sempre, o funcionamento da máquina estatal e os negócios de suas empresas milionárias com o mundo político e o empresariado privado. 

Assim, ruiu o edifício sobre cujo alicerce se erigiu um projeto político nascido sob a égide de pretensões populares ou revolucionárias e que descambou (como sempre acontece com poderes sob o comando fetichista da forma-valor) para uma negação de tudo que se possa conceber como emancipação popular. 
A Convergência Socialista, aqui vista desafiando a ditadura em 1978, seria expulsa do PT em 1992
Para os revolucionários, atingidos antes pelos desvios ideológicos do PT, e depois pelo descrédito que no Brasil de hoje atinge toda a doxa conceitual do pensamento libertador da humanidade, resta a humildade de, tal qual uma Fênix renascida das cinzas, aproveitar as experiências acumuladas e os desenvolvimentos teóricos das últimas décadas para tentar reconstruir e viabilizar o sonho de emancipação humana.

Se governar em prol do povo é impossível, porque o próprio Estado se constitui uma instância de governo opressora a serviço do verdadeiro poder (o econômico), criticar os governantes denunciando a natureza opressora desse mesmo Estado é tarefa possível e coerente.

É justamente a coerência da análise teórica e prática sobre os fundamentos sociais que estão na base do poder institucional que dá consistência à nossa crítica aos governos de direita, de centro ou de qualquer outro rótulo.  
Lula light em 1984, com Montoro, Brizola, Mário Soares...
[E até aos partidos de esquerda envolvidos numa aparente oposição sistêmica que somente contribui para a legitimação do poder que se diz voltado para o bem social, mas que é opressor na sua natureza ontológica.]

Caro companheiro Lula,

Hoje já consigo traçar um perfil daquilo em que você acredita como forma política ideal: aposta, como bom social-democrata, na humanização do capitalismo. 

A social-democracia é um hibrido de viés moderadamente esquerdista, com incentivo capitalista da produção; a estrela do PT não representa, portanto, fielmente a orientação político-ideológica do partido (a mão segurando a rosa, símbolo socialista, talvez fosse mais apropriada).

Social-democracia e liberalismo de direita são espécies de um mesmo gênero: o capitalismo. A primeira corrente quer um estado forte e intervencionista, keynesiano; e a segunda, um Estado mínimo e protetor das regras do livre mercado, do laissez-faire de Adam Smith. 

As diferenças são meramente políticas e terminam por aí, sempre convergindo para um mesmo proposito: a ontologização e permanência da mediação social sob a forma-valor.     

Mas, direitistas brasileiros são politicamente tão ignorantes que tomam você por comunista. Eles nem imaginam que você expulsou quase todos os comunistas do partido, só deixando ficar aqueles que lhe juraram fidelidade canina, como o ex-trotskista Antônio Palocci. 
Lula tinha confiança irrestrita no delator serial Palocci

Você escolheu mal em quem confiar, à direita e à esquerda.  

Aliás é esquisito como no Brasil os nomes dos partidos diferem do seu conteúdo, senão vejamos:
— o Partido da Social Democracia (PSDB) é de centro-direita, mais para o liberalismo ortodoxo do que qualquer outra coisa; 
— o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) é de direita, embora tenha o descaramento de se pretender herdeiro do trabalhismo getulista; 
— o DEM, tido como democrata, parece mais o Partido Republicano dos Estados Unidos. O Bob Fields [Roberto Campos] teria dado um grande presidente do Dem;
— o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) não passa de um amontoado de políticos fisiológicos, tanto que melhor seria chamá-lo de shopping-center da democracia
— o PDT, este sim herdeiro do trabalhismo getulista, agora está mais para Partido dos Ferreira Gomes, pelo menos até que outra mudança seja vantajosa para o clã; 
— o PC do B, Partido Comunista do Brasil, o que mais propõe é a retomada do crescimento, ou seja, mais capitalismo (é de fazer Marx remexer no túmulo 136 anos após a sua morte);
— o Psol faz lembrar aquela antiga propaganda de vodca, eu sou você amanhã;
— o PV, Partido Verde, é multicolor;
— e esse entreguista PSL, para fazer jus à grande maioria das notícias publicadas a seu respeito, deveria se chamar Partido Semeador de Laranjas(continua neste post)
.
(por Dalton Rosado)

4 comentários:

Henrique Nascimento disse...

Semana passada numa livraria, folheando a nova auto-biografia do Zé Dirceu, por acaso me deparei na página em que ele explica a expulsão do Paulo de Tarso. Em apenas meia página e dois parágrafos, o Zé Dirceu afirma que a denúncia feita pelo Paulo de Tarso foi motivada pelo fato de ele (o Paulo de Tarso) ter sido preterido na escolha de secretários municipais nas prefeituras de Campinas e São José dos Campos e, portanto, fez a denúncia como uma forma de retaliação ao PT.

O que o Palloci não foi, o Zé Dirceu foi. Esse é duro de roer!

celsolungaretti disse...

Pelo contrário, o Venceslau perdeu o cargo de secretário de Finanças de duas prefeituras petistas por se recusar a pagar o que a tal CPEM cobrava sem haver prestado serviço nenhum. Não quis ser cúmplice de um óbvio esquema de desvio de recursos públicos para os cofres do partido.

Segundo ele disse numa entrevista, uma prefeita até chorou ao comunicar-lhe a decisão que o partido lhe impôs.

Aí ele se queixou ao Zé Dirceu, que prometeu tomar providências e nada fez. Depois de muito tempo, cansado de esperar, ele contou a história ao Jornal da Tarde.

Aí, para tirar o assunto do noticiário, o PT decidiu constituir um tribunal de ética. E caiu na besteira de indicar para ele pessoas que não eram vaquinhas de presépio, inclusive o Hélio Bicudo (que o presidiu).

Veredito salomônico: o tal Teixeira, compadre do Lula, deveria ser expulso como corruptor e o Venceslau por ter levado um assunto interno para fora do partido.

O Lula ameaçou ir embora também, caso o Teixeira fosse expulso.

A Executiva estadual revogou a decisão do tribunal de ética e decidiu que só o Venceslau seria expulso.

Foi quando escrevi para o Jornal da Tarde o artigo em que adverti que o PT dera sinal verde para a corrupção e o precedente aberto acabaria destruindo o partido. Na mosca.

E o Bicudo ficou justificadamente ressentido. Acabaria deixando o partido (por causa da Marta Suplicy, que jamais lhe chegou aos pés mas o PT valorizava mais em função de critérios eleitorais!!!) e foi peça-chave para que a denúncia contra a Dilma tivesse credibilidade.

Ou seja, Lula e o PT se esforçaram bastante para chegarem aonde estão hoje.

Henrique Nascimento disse...

Li em algum lugar, não lembro qual jornal pois já faz algum tempo, o Venceslau afirmando que foi perseguido por um carro suspeito na rodovia Carvalho Pinto (entre Sao Paulo e SJ dos Campos) quando ele ainda era secretário de finanças e estava no auge de bater de frente com essa CPEM. Apenas suspeito, porém o Celso Daniel poderia dizer algo...

celsolungaretti disse...

Também já li algo sobre isso, mas não dá para se ter certeza.

Uma vez, em noite chuvosa, um carro ficou na minha cola durante uns 50 km de rodovia. Pelo sim, pelo não, passei do meu ponto de saída, até encontrar um posto de gasolina para parar. O veículo passou e foi em frente, era apenas um motorista usando meu carro como referência.

Durante o Caso Battisti, quando recebia ameaças de morte, alguém ligou, com uma explicação inconvincente, para saber meu endereço residencial, que eu escondia. Dei o de uma pessoa de minhas relações que morava num condomínio com segurança bem eficiente. O que chegou lá foi uma intimação para tomar conhecimento da ação que o Boris Casoy me movia.

Ou seja, na medida em que sabemos ser alvos possíveis, interpretamos mal quaisquer ocorrências estranhas. Às vezes não é nada disso.

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