quarta-feira, 20 de março de 2019

CARTA ABERTA AO LULA – 3

(continuação deste post)
Pegou mal subestimar os efeitos da crise do subprime no Brasil
Mas a social-democracia, em todo o mundo, afunda com a debacle do capitalismo em que você acredita e com o qual você sempre pretenderá conciliar em nome dos trabalhadores. 

Você é esperto, hábil. Contudo, não consegue perceber a fragilidade dos conceitos político-econômicos de sua predileção, e é por isto que confunde marolinha com tsunami.

Entrando na questão do sofrimento que os erros cometidos e seus amigos de última hora lhe acarretaram, quero dizer que lamento a sua prisão, embora tenha vaticinado que tudo terminaria dessa maneira, com difícil possibilidade de restauro do status quo ante em seu favor.

Não me regozijo pelo fato de você estar encarcerado. Pelo contrário, não me escapa a hipocrisia de uma justiça que jamais foi isonômica no julgamento dos amigos e dos inimigos do estado burguês. 

Fico a indagar-me o porquê de o braço da justiça jamais ter sido suficientemente longo e forte para punir os que deliberadamente autorizaram assassinatos de jovens idealistas presos e indefesos após sofrerem torturas inomináveis pelo regime militar, corrupção e outros crimes menores, sob a responsabilidade direta ou indiretas dos oito generais-ditadores que se passaram por presidentes da República .

Fico a pensar por que nem sequer se cogita a prisão de José Sarney, Collor de Melo, Fernando Henrique Cardoso ou Michel Temer.
Em 1979, quando ainda trabalhava na Villares

Certamente pesaram, no seu caso, os fatos de você ser ex-operário metalúrgico, ex-migrante nordestino, inédito representante do segmento oprimido da sociedade que conseguiu ser presidente da República, desfraldando (mesmo que as tenha posteriormente deslustrado) bandeiras de justiça e inclusão social. 

Sua prisão satisfaz a sanha ultrajada da grande burguesia e dos aspirantes a dela fazerem parte (os eternamente vacilantes pequenos burgueses), por terem sido privados por algum tempo de algo que sempre foi deles, essa esfera menos importante da estrutura social capitalista – o Estado.

Não raro vejo a face contrita do ódio dos seus acusadores a lhe atirarem as pedras mais virulentas, ao mesmo tempo em que relevam os crimes mais hediondos dos seus pares de classe. A parcialidade de julgamentos atuais tem um claro conteúdo de classe. 

E agora eles se sentem autorizados, pelo voto recebido de 39% dos brasileiros (gente sofrida pelas intempéries do capitalismo e pela manipulação das suas consciências humildes), a destilar esse rancor  desmedido, que pode descambar para uma perigosa e genocida histeria de transferência de culpas.     

Dificilmente nós dois ainda convergiremos, nos anos que nos restam, para um pensar sobre as soluções para a maioria das pessoas pertencentes ao segmento social do qual você se origina socialmente, como operário que foi e que sabe o que é viver com um parco salário e com o fantasma do desemprego a tirar-lhe o sono.   

Você certamente apegar-se-á sempre ao poder que construiu e que lhe colocou entre os mais poderosos líderes mundiais – refiro-me ao poder político-partidário – ao qual você está sempre preso tal qual o futebol é dependente em relação à bola.  
"um novo modo de produção, voltado apenas...

Eu, por meu turno, cada vez mais me distancio da ideia de poder vertical e proponho a superação de todo e qualquer tipo de poder, tese que implica, necessariamente, um novo modo de produção  e, veja só, implica até a superação do trabalho e do trabalhador (ambos categorias capitalistas) e num modo de produção voltado apenas para a satisfação das necessidades sociais.

Assim, como se admitir um partido de trabalhadores num projeto sem trabalhadores? O trabalhador e seu partido implicam a existência do capitalismo, e não a sua antítese, daí a bandeira vermelha do PT representar uma contradição quando se pretende que ela seja anticapitalista.

Como se pode ver, nós teríamos mesmo que terminar bem distantes no pensamento, comportamento e aspirações ao que nos unia naquele já longínquo anos de 1978, quando nos conhecemos.

Acho que depois da tempestade vem mesmo as enchentes, como diria o filósofo de botequim, e vejo com pessimismo o Brasil ser governado por gente cujo histórico de vida é tão destituído de méritos (sem preconceito com quem é anônimo e simples), enquanto seus deméritos são gritantes. 

Preocupa-me o significado comportamental de governo influenciado por pessoas que cercaram o clã Bolsonaro no passado recente, pois, afinal, o preceito histórico dize-me com quem andas e te direi quem és pode revelar o que está na cabeça dos que se irmanam num determinado conteúdo conceitual.
"....para a satisfação das necessidades sociais"

Preocupa-me o resultado eleitoral do desespero que fez a opção pela superficialidade de conteúdo.

Preocupa-me a primariedade de quem frequentou academia, mas não tem a habilidade e perspicácia de quem, como você, sem diploma, construiu-se na luta em prol dos menos favorecidos (sem que isto implique perdão dos desvios havidos, induzidos ou escolhidos).

Preocupa-me a defesa de conceitos absurdamente criminosos (como a admissão da existência das milícias paramilitares), trombeteados ontem e cinicamente negados hoje, bem como as ligações com gente dessa estirpe por parte de influentes membros do governo.  

Agora já estamos na chamada terceira idade e não nos sobra tempo para grandes mudanças pessoais, apesar de eu sempre acreditar na capacidade dos seres humanos de se reciclarem e terem a coragem da autocrítica.  

Espero que lhe concedam a anistia que foi dada tão generosamente aos genocidas do regime militar (e em relação à qual você se omitiu) e que, de imediato, lhe concedam o benefício da prisão domiciliar, ao qual você faz jus não só por sua idade, como pelo que representa para a história do Brasil e do sonho que permeou quantos se irmanaram na construção de uma vida melhor para todos, ainda que os caminhos escolhidos tenham sido bem diferenciados.   

Lamento profundamente a perda da dª Letícia e do seu neto Artur. Eu também tenho quatro netos e sei o que eles representam como continuidade das nossas vidas e dos sonhos na nossa idade. 

Um abraço fraterno e solidário em respeito às causas boas que você um dia defendeu e com as quais eu me identifico. 
.
Dalton Rosado

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails