sábado, 3 de novembro de 2018

"RESISTÊNCIA" É A DIRETRIZ CORRETA AGORA? OU FORTALECERÁ O INIMIGO? MAGNOLI E LUNGARETTI ANALISAM.

Magnoli critica as "vozes histéricas"...
demétrio magnoli
DEFESA DA RESISTÊNCIA PODE DAR A BOLSONARO
 O ARGUMENTO QUE NÃO TEVE NA CAMPANHA
Um presidente autoritário não é o mesmo que um regime autoritário. O primeiro pode até levar ao segundo, mas o percurso exige ingredientes especiais. Na Turquia, demandou anos de uma insurgência separatista. 

Não somos a Turquia. As vozes que, em nome do espantalho do fascismo, desceram às trincheiras da resistência evidenciam profunda ignorância do significado da democracia. 

A tristeza tem que se transformar em resistência, tuitou Manuela D’Ávila na hora da proclamação do resultado, pronunciando a senha clássica da política sectária. 

Em 2010, batido por Dilma, Serra falou em resistência. Mas resistir a um governo escolhido em eleições livres equivale a negar a soberania popular. Haddad quase seguiu pela mesma trilha, negando o telefonema simbólico de congratulações que o derrotado deve ao vitorioso, mas corrigiu-se num tuíte, no dia seguinte.

Na direção oposta, Guilherme Boulos, ícone de um Psol que retorna ao berço lulista, conclamou à resistência —e foi imitado pelo pobre Eduardo Suplicy.  
...dos que parecem "decididos a cavar trincheiras" desde já.

Serra falava só para emitir sons. Ele não pretendia resistir, mas apenas reativar sua crônica guerra interna pela legenda do PSDB na eleição seguinte.

Já o lulismo e seus satélites parecem decididos a cavar trincheiras. Gleisi Hoffmann atribuiu a Haddad a função de articulador de uma frente de resistência e chegou perto de negar a legitimidade do eleito. 

Ela classificou os resultados eleitorais como um fato (alguém duvida disso?), mas qualificou as eleições como processo eivado de vícios e de fraudes que consolidam o golpe do impeachment. Daí ao Fora Bolsonaro!, o passo é curto. 

Ao lado de resistência, a palavra fascismo risca o céu. Fascismo, porém, é um fenômeno definido por traços políticos que não estão presentes no bolsonarismo: um partido fascista, a organização de milícias, um modelo de Estado corporativo. O abuso do termo, dirigido como insulto aos que não se alinham com o PT, esgarça o tecido do debate público. A polarização resultante forma o ambiente propício para a coesão da maioria em torno de Bolsonaro.

A pulsão autoritária do novo presidente testará nossas instituições e leis. A vigilância é um dever democrático de parlamentares, partidos, procuradores, magistrados, bem como da imprensa e das organizações da sociedade civil. Face a ameaças definidas às garantias, direitos e liberdades, será o caso de exercitar topicamente a resistência. 
Boulos: "ícone de um Psol que retorna ao berço lulista".
Mas a resistência em geral e a tal frente de resistência em particular não passam de versão atualizada da narrativa do golpe parlamentar que tanto impulsionou a candidatura de Bolsonaro. Não é casual, nem sem motivo, que partidos como o PDT, o PSB e o PPS resolveram excluir o PT da articulação de um bloco parlamentar oposicionista.  

Gleisi, Boulos e as demais vozes histéricas das trincheiras candidatam-se, involuntariamente, ao cargo de ministro da Propaganda do governo Bolsonaro. O chamado à resistência ao fascismo, antes ainda da posse, só comove os bolsões fanatizados da militância de esquerda. 

Fora desse círculo de ferro, até mesmo os eleitores que votaram contra Bolsonaro sentem nisso o gosto acre da ruptura da regra do jogo. A farsa da candidatura de Lula cartografou o caminho de Bolsonaro à Presidência. A campanha da resistência, um imprevisto terceiro turno, pode proporcionar a Bolsonaro o triunfo ideológico que a campanha eleitoral não lhe deu. 

Parlamentares falam o que lhes dá na telha. Candidatos tendem a explodir as mais elementares barreiras éticas. Nas duas condições, Bolsonaro destacou-se como caso extremo de violência retórica. Agora, no Planalto, terá que se acostumar com a caixinha da democracia. 

Se tudo der certo, ele sofrerá mais que nós. Se der errado, hipótese que nunca deve ser descartada, restará a resistência. Sem aspas e sem demagogia. 
O terceiro dos falsos outsiders também fracassará...
.
Observações do editor: o Demétrio Magnoli propõe uma reflexão importante, que merece ser aprofundada. Um mérito dele é ir sempre além da previsibilidade da grande maioria das análises políticas expostas na imprensa e nas redes sociais.

Evidentemente, mantenho a recomendação que fiz (vide aqui) na tarde seguinte ao domingo maldito: precisamos, sim, estar preparados para muita coisa ruim com que deveremos nos defrontar adiante. Não há motivo nenhum para esperarmos do novo governo outra coisa que não seja a imposição de rigores econômicos incapazes de nos tirarem da condição de país subalterno na lógica do capitalismo agônico. 

Dê-se tudo que os donos do mundo exigem e receberemos em troca apenas o ingresso de investimentos de curto e médio prazos, que no momento estratégico baterão asas, deixando uma terra arrasada atrás de si. 

Afora a dificuldade que o novo governo enfrentará para aprovar medidas como a reforma da Previdência, pois parlamentares têm plena consciência de quão impopular é o que se pretende nos enfiar goela adentro e dos danos eleitorais que isso lhes acarretará.

Mas, está certíssimo Magnoli ao descartar uma guerra aberta a todas as propostas que o novo governo apresentar. A reação a cada uma delas deve ser decidida após análise cuidadosa, levando em conta a magnitude do seu potencial de dano. 
...bisando os desatinos do homem da vassoura...

Nunca esquecendo que, se temos todos os motivos para acreditar que Bolsonaro será apenas o terceiro dos falsos outsiders a fracassarem, repetindo o roteiro de Jânio Quadros e Fernando Collor, não podemos cometer a tolice de criar um clima de beligerância que facilite a atração das Forças Armadas para uma aventura totalitária. Caso contrário estaremos assumindo de graça o papel que o cabo Anselmo desempenhou nos anos 60.

Devemos combater politicamente as propostas nocivas mais relevantes; não desgastarmo-nos fincando o pé em miudezas; e aproveitarmos os tempos não conflagrados que ainda tenhamos pela frente para reagrupar e reciclar nossas fileiras. 

Num confronto decisivo que travássemos agora, seríamos aniquilados. Então, a correlação de forças deve guiar nossos passos: enquanto não dispusermos de contingentes preparados para responderem ao que der e vier, a radicalização deve ser desestimulada e as provocações, ignoradas. 

Se forem perpetradas arbitrariedades e truculências contra os nossos, acionemos a Justiça e mobilizemos a opinião pública; cedermos à tentação da ação direta ou de criarmos situações tendentes ao descontrole equivaleria a contribuirmos para tais provocações serem coroadas de êxito. 
...e o descontrole do caçador de marajás.

A agressividade e a estridência nos próximos meses só convirão: 
  • a um governo que tem no seu DNA óbvios pendores autoritários e certamente cogita, como uma possibilidade em aberto, ampliar seu poder intimidatório, se não estiver conseguindo obter sinal verde para as propostas controversas que apresentará; e
  • ao partido hegemônico que vem cometendo erro crasso após erro crasso desde a campanha eleitoral de 2014 e conta com a exaltação de ânimos para desviar atenções e continuar não prestando conta dos fracassos catastróficos a que conduziu a esquerda e o povo brasileiro.  
Como não somos os mais fortes, só nos resta sermos os mais hábeis. Caso contrário, estaremos perdidos.

(por Celso Lungaretti)

4 comentários:

Anônimo disse...

Uma simples sugestão: no lugar da tua foto, seria melhor a do próprio "falso outsider". Manteria a coerência com as fotos das personagens que seguem e suas respectivas legendas.

Grato,

Marco Aurélio

celsolungaretti disse...

Aproveitei e agradeço sua sugestão. Abs. e ótimo domingo!

Anônimo disse...

Celso, crie um canal no youtube. O investimento é inexistente (basta usar seu celular) e alcançará um número maior de pessoas.

celsolungaretti disse...

A sugestão é boa, companheiro. Agradeço o interesse.

Mas, sou bom para lidar com conteúdos e muito ruim para dominar ferramentas. Meus blogs foram criados por uma prima que não tem mais tempo para me ajudar de graça e eu não disponho de nenhum centavo sobrando para investir neles.

Criar algo novo? Não saberia nem como começar. Só uso o celular para fazer ligações e enviar SMS.

E nem ânimo estou tendo neste momento, pois é muito frustrante passar a vida apontando erros que estão sendo cometidos e sugerindo soluções melhores, sem conseguir sensibilizar os responsáveis pela tomada de decisões. Esta década está sendo marcada por erros crassos e derrotas catastróficas que poderiam ter sido evitadas.

Um abração!

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