segunda-feira, 29 de outubro de 2018

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA EM TERRENO MINADO

Só ingênuos esperavam que um Jair Bolsonaro da vida trocasse a retórica miliciana pela de estadista no momento da vitória eleitoral.

Os que priorizamos os interesses maiores do povo brasileiro sabemos que a pacificação dos espíritos é desesperadamente necessária para evitar-se mais derramamento de sangue e ponto de partida para podermos oferecer algum alívio aos pobres, vulneráveis e excluídos que padecem há quatro anos sob a pior recessão da nossa História.

Mas, salta aos olhos que nunca foi esta a intenção dos que moveram os cordéis por trás da cortina para que um inadequadíssimo Bolsonaro ascendesse à presidência da República, com direito ao escamoteamento dos debates eleitorais e a ser beneficiado pelo pior estelionato eleitoral (a fraude das fake news + o abuso de poder econômico que a viabilizou) já perpetrado no Brasil. Caso contrário teriam escolhido um negociador, não um feitor. 

No processo eleitoral de 2014 já exigiam que, fosse quem fosse o(a) eleito(a), impusesse o ajuste fiscal, principalmente as reformas previdenciária e trabalhista. Dilma Rousseff empossou o neoliberal Joaquim Levy como ministro da Fazenda para entregar-lhes a encomenda, mas ambos fracassaram. 

Michel Temer, a opção seguinte, também não conseguiu desarmar a bomba-relógio da Previdência. Então, concluíram que só um Bolsonaro seria capaz de enfiar goela dos trabalhadores adentro medida tão impopular.

Há também as restrições ambientais que predadores gananciosos querem esmagar com seus tratores e derrubar com suas motosserras. E mais privatizações que os tubarões do mercado esperam ver concretizadas em condições extremamente vantajosas para eles, de pai para filho. Para tudo isso precisam de um Bolsonaro.
Que ninguém se iluda: os envolvidos nesse medonho projeto autoritário sabem que haverá protestos pipocando de todo lado e contam com o chicote presidencial para manietar os inconformados. 

Então, o discurso de quem empunhará o látego foi bem coerente. Não havia por que dele esperarmos comportamento diverso, já que até agora vem fazendo exatamente o que prometia. Hitler era assim e muita gente influente também não quis acreditar que estivesse sendo sincero.

Quando um país encontra-se praticamente dividido ao meio e um dos lados tenta impor suas soluções a ferro e fogo, acaba-se chegando a uma guerra civil, a um autogolpe ou a um golpe de Estado dado por outros.

A primeira lição de sobrevivência nos dias difíceis que nos aguardam em 2019 é: não atirarmos as Forças Armadas nos braços do inimigo.

O altos comandantes militares estão cientes de que a situação brasileira é extremamente delicada, de que não há soluções fáceis para fazer a economia voltar a crescer e de que desembestar o uso da força de nada servirá, como nada resolveu na intervenção no Rio de Janeiro (por eles desaconselhada desde o primeiro momento). 

Ademais, não estão dispostos a atrelarem-se a projetos pessoais (conforme Carlos Lacerda constatou em 1964), nem a comprometerem seu prestígio associando-se aos desatinos de um personagem que veladamente excluíram do seu circulo. Quando dão golpes de Estado, põem no poder generais, não capitães.

Mas, se as turbulências gerarem uma situação insustentável, forçando os militares a escolherem entre o governo (que terá se tornado) impopular e os que o estiverem enfrentando nas ruas, os fardados tendem a tomar o partido do primeiro, ainda que a contragosto.
Precisaremos evitar a qualquer preço um confronto fora de hora, com uma correlação de forças totalmente desfavorável a nós, pois isto só beneficiaria nosso pior inimigo. 

Em 1964 o esquema golpista era minoritário nas Forças Armadas, mas o desacato à hierarquia militar por parte de cabos e sargentos (insuflado por provocadores como o Cabo Anselmo) e a relutância do presidente João Goulart em permitir a punição dos revoltosos fizeram os oficiais superiores aderirem em massa à conspiração.

Em 1968 a linha dura da caserna precisava de um pretexto para forçar a radicalização do regime dando um golpe dentro do golpe. Encontrou-o num discurso piegas proferido pelo deputado Márcio Moreira Alves apenas para constar nos anais, durante uma sessão em que a Câmara Federal estava às moscas. Foi o pivô da crise que conduziu à assinatura do AI-5 e ao terrorismo de Estado pleno.

Então, nos dias difíceis que virão, tudo de que não precisaremos vão ser bravatas e inconsequências com resultados desastrosos. Sem estridência, mas com serenidade e determinação, poderemos frustrar os planos mais nefastos do novo governo; e, sem uma base de sustentação real (ele se beneficiou apenas de um estado de espírito passageiro), não tardará a cair, como caiu o disparatado Jânio Quadros e o vazio Fernando Collor. Um Bolsonaro tende a durar tanto quanto eles no poder.
A segunda regra de ouro: buscarmos a união de todos que prefiram viver num país de verdade e não numa terra arrasada. Chega de sectarismo e de disputas canibalescas por nacos de poder! Agora se evidencia de forma gritante a existência de valores comuns que vale a pena preservarmos, ainda que isto implique abrirmos mão de alguns de nossos interesses imediatos. Se conseguirmos reagrupar as forças que se uniram para dar um fim à ditadura de 1964-1985, venceremos de novo. 

A alternativa é monstruosa demais para nem ao menos tentarmos fazer o certo e o necessário. Muito sangue correrá se não formos capazes de produzir uma saída civilizada para os impasses atuais, que doravante só se agravarão.

Por último: nenhum dos alvos das pregações de ódio pode ficar sozinho e desprotegido. Pessoas e agrupamentos deverão estar sempre em contato com seu círculo específico e com outros que os possam ajudar em emergências. Estruturas de apoio devem ser criadas por parlamentares, por jornalistas, por juristas, por pessoal médico, pelo movimento estudantil, etc., pois explosões de violência poderão ocorrer a qualquer momento, em qualquer lugar. A que ponto chegamos!

Enfim, as crises servem para testar-nos e, neste caso, também para reaprendermos verdades óbvias que estávamos esquecendo. Como a de que é imperativo somarmos sempre os nossos esforços aos daqueles que igualmente respiram liberdade e sufocam sob o autoritarismo. (por Celso Lungaretti)

5 comentários:

Motta disse...

Parabéns. Muito lúcida tua abordagem. Tmb acho que os comandantes militares conhecem melhor que nós o Bolsonaro. Não se meteriam em terreno pantanoso. A situação exige prudência e sabedoria. Na verdade a destruição desse governo se dará de dentro para fora. Difícil para um general truculento como o Mourão se subordinar a um capitão tmb truculento. Ademais não existe nenhuma estratégia de governo capaz de resolver nossos problemas. Existiu foi muita bravata plano nenhum.

Anônimo disse...

Prezado Celso,

Vai ao encontro de sua terceira regra a menção feita pelo cientista político Rudá Ricci a uma "rede de resistência" para a proteção de "lideranças sociais de base", feita em entrevista ao programa Faixa Livre, em 25/10/18, cuja conexão é a que segue:

https://soundcloud.com/programafaixalivre/fl-25-10-2018_3-ruda-ricci

As declarações sobre o assunto se iniciam aos 21' e aos 32'.

Marco Aurélio

celsolungaretti disse...

Obrigado pela dica, Marco Aurélio. Um forte abraço!

Anônimo disse...

Boa noite Celso, tudo bem?

Hebert, do Rio.

Quero um país que perceba os malefícios da "sabedoria popular", que diz: "- mulher, futebol, religião, música, não se discutem ", responsável por tirar nosso hábito da conversa sobre os temas comuns a qualquer pessoa em sociedade ( Política, Relações, Esporte, Religião, Música, Cultura, Sexo ).

Que Comunicadores-Formadores de opinião, sejam mais transmissores da informação e da opinião do povo, e menos "pensadores" que discutem, decidem e pensam por nós.

Que os intelectuais saiam de suas "bolhas filosóficas", com seus termos rebuscados,
e passem a mirar nos excluídos, sobre os assuntos e alheios a discussão secular direita x esquerda, infelizmente.

Que as palavras duras de Cid Gomes ( mesmo estratégicas ), sejam de fato ouvidas,
e que se entenda que o emblema ou estrela de um partido, não é estrela de xerife.

Que a fala simplória de Mano Brown aos palavrões, mas dentro do perfeito e incorrigível contexto, sejam sentidas tanto pela "esquerda festiva", quanto por aqueles que precisam voltar a base, sem ressalvas e muito menos "polimentos caetânicos" incompreensíveis.

Que alguns petistas e a militância sinta a dor, mas que deixe de lado a postura típica do desquitado, que torce contra os novos amores do(a) ex-companheiro(a), mais ainda, que deixe de agir como Rorschach, personagem do Filme Watchmen:

"A sujeira acumulada de sexo e crime envolverá prostitutas e políticos, que voltarão os olhos para cima, implorando... 'salve-nos!'... e eu do alto sussurrarei 'não!'.

Que brasileiros percebam que a armadilha da ignorância, está na ilusão de sabedoria sem base ou pior, baseada na enxurrada de informações sem a devida filtragem sobre o que é útil, ou besteirol.

Que se deixe de lado gostos pessoais, aquilo que mais nos agrada aos olhos e ouvidos, e que se passe a enxergar um pouco mais o mundo do real,e um pouco menos o virtual, tão amplo e tão restrito ao nosso mundinho, ao nosso grupinho, onde qualquer discordância será facilmente resolvida com bloqueio, patrulha ou exclusão.

Que nunca mais se chegue ao ponto de preferir eleger o Diabo, sem qualquer disfarce, a alternativa. Que se perceba o risco do maniqueísmo e a sua "cria", a polarização.

Que se julgue de fato pelas ações, não por interpretações envenenadas pelo fascismo de conveniência, pelo maniqueísmo travestido de "ódio do bem".

O Fascismo, se define como a preservação de valores e ideias de forma centralizadora, autoritária e violenta, aqui no país, tenho a impressão de que isso termo viciado contra quem se opõe, com perda de seu real sentido, e ironicamente blindado, e até justificado como "justiça social", e imposto por Justiceiros sociais, cuja lógica é:

"Não concorda com o bem que meu partido faz as minorias ( mesmo com práticas questionáveis para esse bem ), fascista!!!
Não curte meu estilo musical favorito das massas, da cultura popular ( mesmo com letras de mal gosto, preconceituosas, machistas e até misóginas ), fascista!!!
O jornal deixado de manhã no pé da porta do meu vizinho, é aquele acho venal e nocivo, fascista!!!"

Como otimista, quero 4 anos comparados aos alguns de meus projetos, trabalho árduo, duro, estressante, erros, revisões, com ótimo resultado no final.

Forte abraço.


celsolungaretti disse...

Herbert,

infelizmente, tudo que aprendi em mais de meio século de acompanhamento da política em geral e da política brasileira em particular me leva à conclusão de que haverá violência contra pessoas e grupos isolados, por parte dos seguidores fanáticos do Bolsonaro, a partir da posse; e que, no governo, ele necessariamente fará aumentar as tensões quando tentar impor as medidas impopulares que quem o colocou na Presidência dele exige.

Não vejo outros cenários possíveis além de derrubada e substituição por um governo de salvação nacional, guerra civil, autogolpe ou ditadura militar. Não é o que eu quero que aconteça nem o que vou pregar. Apenas estou alertando meus leitores para o que está para vir. É o que sempre faço e quase sempre acerto.

Abs.

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