A desproporção entre o dano causado ao cidadão comum pelos ladrões de galinha da política e as atividades corriqueiras dos capitalistas é incomensurável.
O capitalismo nos acarreta:
- emergências ecológicas como as alterações climáticas, que ameaçam a própria sobrevivência da nossa espécie;
- recessões desnecessárias;
- a condenação de parcela considerável da humanidade a vegetar em condições subumanas;
- o desperdício criminoso do potencial ora existente para assegurar-se a cada habitante deste sofrido planeta o mínimo condizente com uma sobrevivência digna;
- a mobilização permanente dos homens para atividades improdutivas e desnecessárias ao invés da redução da jornada de trabalho para que todos possam desenvolver-se plenamente como seres humanos;
- etc. (muitos, muitos etcetera!).
E, se quisermos ficar no confronto simplista de números, ainda assim o peso da corrupção política no orçamento de cada família continuará sendo uma fração ínfima do custo do capitalismo.
Apenas o ágio que nos é extorquido pelos agiotas do sistema financeiro já consome ao redor de um terço da nossa renda familiar.
E a estratosférica desproporção entre o custo de fabricação de cada produto e seu preço final?!
Então, interessa aos defensores do capitalismo fazer a patuleia acreditar que a razão maior de seus apuros econômicos são os impostos; que estes acabam sendo, em grande parte, desviados pelos políticos; e que isto, e só isto, impediria nosso país de deslanchar.
Ademais, as intermináveis denúncias de corrupção acabam minando as esperanças do cidadão comum na transformação da realidade por meio da ação política. Se tudo não passa de um lodaçal, as pessoas de bem devem mesmo é cuidar de sua vida...
De quebra, fornecem pretextos para quarteladas, sempre que os meios de controle democráticos das massas não estão funcionando a contento.
Então, Paulo Francis dizia e eu assino embaixo: denúncias de corrupção política são bandeira da direita, que acaba sendo sempre sua beneficiária final, a despeito dos ganhos momentâneos que proporcionem à esquerda.
Esta deveria, isto sim, demonstrar que o capitalismo em si causa prejuízos imensamente maiores para o cidadão comum do que os desvios de recursos dos cofres públicos; e que a moralização da política não se dará com medidas policiais, mas sim com uma transformação maior da sociedade.
Não o faz. Desatinadamente, algumas de suas tendências reforçaram as denúncias que culminaram no suicídio de Getúlio Vargas em 1954 e as que deram pretexto à dita redentora de 1964 (que, claro, nada mudou exceto a relação dos beneficiários do butim).
Ingenuamente, a esquerda parece crer que se beneficiará com o descrédito absoluto das instituições, sem perceber que isto criaria, isto sim, cenários favoráveis ao golpismo de extrema-direita.
Então, digo e repito: em vez de pegar carona nos temas que a imprensa burguesa prefere trombetear, cabe à esquerda definir sua própria pauta e explicá-la aos cidadãos.
A corrupção política não é nossa prioridade, mas sim o combate ao capitalismo, verdadeira raiz dos principais males que infelicitam os brasileiros.
Precisamos ter a coragem de assumir a posição correta diante do povo, ao invés de tentar combater o inimigo num jogo de cartas marcadas, travado no terreno que só a ele convém.
* * *
.
.
Se você, caro leitor, considerou correto o enfoque do texto acima, fique sabendo que nada mais é do que um artigo meu de abril de 2009, intitulado O combate à corrupção é bandeira da direita, reproduzido com a exclusão de alguns detalhes factuais que não vêm mais ao caso (quem quiser conhecê-lo na íntegra, é só teclar aqui).
Ele respondia a um erro crasso de boa parte da esquerda brasileira: a de magnificar uma operação policial (a chamada Satiagraha) repleta de ilegalidades, desencadeada pela Polícia Federal para apurar desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro por parte de grandes grupos empresariais que disputavam o florescente mercado de telecomunicações.
Só que não passava de um jogo de cartas marcadas: os policiais estavam, alguns chefões por cumplicidade, alguns paus mandados por ingenuidade, sendo peões numa briga entre tubarões do capitalismo. Quem regia o espetáculo, por trás do pano, eram os concorrentes dos denunciados.
As prisões do banqueiro Daniel Dantas e os habeas corpus prontamente a ele concedidos pelo ministro do STF Gilmar Mendes desencadearam um festival de oportunismo da esquerda descaracterizada, que se pôs a surfar repulsivamente na onda dos inimigos de classe, apresentando ao público uma disputa entre canalhas como se fosse uma guerra santa. O PC do B até até acolheu o delegado laranja Protógenes Queiroz e fez dele deputado!
Vencendo, Dilma agiu assim mesmo com o Bradesco |
A partir de então, com o fim do boom das commodities brasileiras e do crescimento econômico por ele propiciado na década passada, o contingente majoritário da esquerda passou a investir cada vez mais nas mensagens negativas (denuncismo, satanização dos adversários, etc.) para vencer os pleitos, transformando as campanhas eleitorais em batalhas de tortas de lama e sem parecer dar-se conta de que as vulnerabilidades do PT no quesito corrupção tornavam muito temerária esta postura.
Não se cuidou mais de dar formação política aos ingressantes, nem se ergueram bandeiras que suscitassem esperança. O ódio e o fanatismo vicejaram livremente, extrapolando todos os limites.
Neste cenário de pesadelo, a Operação Lava Jato pôde encaixar sucessivos golpes demolidores no PT. E o partido, com sua recusa arrogante a reconhecer os erros cometidos e repensar toda a sua atuação, virou alvo fácil para quaisquer adversários, até mesmo a extrema-direita troglodita que tenta, com Jair Bolsonaro, conduzir o Brasil de volta aos anos de chumbo.
A megalomania do ex-presidente Lula ajudou. Não se contentando em apenas tentar tirar seu partido e a esquerda (da qual o PT ainda é a força hegemônica) do fundo do poço, ele tudo fez para transformar a campanha eleitoral numa revanche moral pelo impeachment de Dilma Rousseff e por seu próprio encarceramento.
Desprezou a possibilidade de união da esquerda em torno de um candidato não pertencente às fileiras petistas e agora constata que a rejeição ao PT é (neste exato momento) quase tão grande quanto a rejeição ao candidato que é visto por grande parte dos brasileiros como fascista, racista, misógino e homófobo.
Tentar evitá-la só fez aumentar o prejuízo |
São erros demais e tempo de menos para corrigi-los, pois a hora da verdade será daqui a pouco mais de três semanas, no próximo dia 28.
Só resta ao PT calçar as sandálias da humildade, pedindo ao povo brasileiro perdão por todos os desatinos que cometeu neste século e uma oportunidade para reparar seus erros.
Precisa convencer o eleitorado de que, apesar de tudo, ainda tem condições melhores que as do inimigo para tirar o país da recessão e os brasileiros do sufoco, a partir da negociação e do diálogo, buscando a cooperação de todos para superarmos esta etapa terrível de nossa História. É a cartada que lhe resta.
Se insistir em lançar ódio contra ódio, causará o maior de todos os desastres: a tomada do Brasil por uma extrema-direita tão tosca como se imaginava impossível existir em pleno século 21.
Se conseguir fornecer um tantinho de esperança, de forma convincente (ou seja, sem a soberba que tanto o antipatizou com tantos brasileiros), ainda poderá, talvez, evitar a perda total.
Sua responsabilidade histórica, neste momento, é imensa.
9 comentários:
Muito correto o comentário. O PT precisa fazer uma correção de rumo, uma auto critica. Se eleito devera ter o Povo ao lado pra negociar com os vermes, que sabemos quem são.Aguardemos.
Os erros políticos do PT no governo foram enormes e se revelam catastróficos para o partido e para o povo brasileiro.
As palavras de Lula antes de entregar-se para prisão revela o auge de sua megalomania. Disse: "Eu não sou um ser humano sou uma ideia. E não adianta acabar com as ideias".
Deu mau exemplo para a luta do povo entregando-se, aceitando a injustiça da prisão.
O certo é que deveria ter atravessado a fronteira para o Uruguai, pequeno país, este sim com um presidente estadista que, recentemente, mandou prender o comandante do exército por intromissão indevida em assuntos políticos.
Lá do exílio teria se pronunciado ao povo conclamando-o a união para deter o fascismo. Para isto teria que compor-se com Marina, Ciro, abrindo mão até da cabeça de chapa para um dos dois.
Ha! mas tem o poder com mais de uma dezena de milhar de cargos a serem preenchidos.
Emocionei-me quando na Estação Luz do Metro vi centenas de jovens mulheres entrando nos vagões rumo ao largo de Pinheiros no último sábado. Sempre me emociono com as manifestações espontâneas do povo muitas vezes pronto ao sacrifício, isto é a serem esbordoados, espancados pela repressão.
Desanimo-me quando concentram esforços, dispersando a atenção dos simpatizantes numa entrevista inócua de Lula na Folha de São Paulo que não tem mais do 300.000 assinantes juntando com a internet e jornal impresso.
Temo que se não houver uma guinada na campanha do segundo turno, uma humildade da cúpula do PT teremos um governo fascista.
Vitório,
eu não perco a cabeça. Se hoje coloquei "alerta vermelho" no título do post, é porque a eleição ficou realmente perigosa.
Se a batalha foi de rejeição contra rejeição, acabará ganhando o Bolsonaro, cuja campanha, no 2º turno, vai bater pesado na recessão da Dilma.
O PT já deveria ter reconhecido que a péssima política econômica dela sacrificou tremendamente o povo brasileiro. E pedido desculpas, claro. Depois que o inimigo começar a explorar este assunto, será tarde.
A possibilidade de salvar-se e salvar-nos, a meu ver, seria apostar em que o povo já esteja saturado de tanto rancor e simpatize com uma campanha mais construtiva. Aí seria um terreno desconhecido para o Bolsonaro, enquanto que em matéria de ódio ele é especialista.
Abs.
***
Ao final do seu artigo você escreveu "perda total". Pois é... deu PT.
Qual responsabilidade? Qual esperança? Tu mesmo criatura disse que o PT não é um partido de esquerda e só a revolução resolverá todos os problemas. Agora vem com esta conversa de consagrar o resultado das urnas participando da eleição e querendo que o PT vença. Desculpe mas você é cara-de-pau.
***
Desculpe o comentário anterior.
Você e o Dalton, além dos demais que publica, são do tempo em que esquerdistas estudavam e tinham (e tem) muito a dizer e ensinar.
Meu comentário vazio talvez revele o choque que senti com sua guinada em relação à eleição de Bolsonaro.
Suas análises tem sido muito certeiras e uma postagem como esta é assustadora.
Anônimo,
a democracia burguesa não sobreviverá ou deixará de sobreviver só por causa de quem votar ou não votar em função do que eu escrever. Mas pessoas valorosas podem não sobreviver se isto aqui virar uma nova ditadura.
Você leva todo jeito de não ter estado nas batalhas de verdade, mas eu estive. Cerca de 20 companheiros que eu conheci pessoalmente foram assassinados na década de 1970 e eu mesmo sobrevivi lesionado para sempre e em frangalhos. O que me ajudou foi ser jovem, com muita vontade de viver.
Então, que se dane a "consagração de resultado das urnas"! Não justifica a morte
de um único companheiro.
Celso, não tenha esperanças, o PT não vai mudar. Eles vão continuar expelido as mesmas lorotas de sempre até finalizar o pleito.Você bem sabe que o PT foi esquerda de fato talvez até meados da década de 90 quando ficou claro o que eles queriam. E conseguiram.
Talvez, quem sabe, se perderem estas eleições eles se vistam de humildade e reconheçam que perderam o "time". Diz o ditado que têm males que vêm para o bem.
SF,
não sou nenhum ranzinza, sua piadinha jamais me incomodaria.
Quanto às chances do Bolsonaro, infelizmente aumentaram mesmo. A rejeição ao PT revelou-se bem maior do que eu supunha. Não podemos mais ter certeza absoluta de que o fascista irá para a lixeira da História.
O que torna mais graves dois erros do PT:
-- não ter aberto mão de candidato próprio, permitindo que a esquerda se unisse em torno do Ciro, da Marina ou do Boulos, cujas rejeições são bem inferiores à do Lula;
-- não haver feito uma autocrítica pública dos erros do passado, tirando trunfos do inimigo, que agora já antecipa que baterá pesado na corrupção nos governos petistas e no desastre econômico da Dilma.
É um partido que age levando em conta apenas os próprios interesses, não os da esquerda nem os do povo brasileiro. E, para evitar um retrocesso terrível, seremos obrigados a ajudá-lo nesta eleição.
Mas, lembrando o grande Edgar Allan Poe, "o corvo disse: nunca mais!".
Abs.
Celso
Postar um comentário