O colunista Josias de Souza acaba de divulgar um artigo cujo título já diz tudo (Zonzos, PT e PSDB repetem velhos equívocos). E este parágrafo é lapidar:
"No PT, os poucos defensores de uma autocrítica descobrem que, como sucede desde a fundação do partido, Lula pensa primeiro nele. E depois, novamente nele".
Assim, mesmo depois de conseguir o prodígio de colocar um Bolsonaro da vida no Palácio do Planalto, o partido da fé cega continuará resistindo a defrontar-se com seus erros gritantes, renovar as lideranças que falharam miseravelmente e definir novas posturas e linhas de atuação, depois que as anteriores o conduziram (e nos conduziram) a um abismo.
Nesta 3ª feira (30), os dirigentes petistas mostraram pelo menos um pouco de bom senso, recuando de algumas declarações mais bombásticas da véspera e optando por reações mais cautelosas:
- intensificar uma campanha internacional pela libertação do Lula, sob a justificativa de que sua integridade física estaria agora ameaçada;
- propor a instalação de um observatório internacional para proteção de militantes de esquerda, indígenas, negros e jornalistas durante o governo Bolsonaro;
- desenvolver ações contra a aprovação da reforma da Previdência, a cessão do pré-sal, a criminalização dos movimentos sociais e outras medidas antipáticas que Michel Temer estaria disposto a tentar viabilizar nos próximos dois meses, em troca de uma garantia de que não será preso ao deixar a presidência.
Até aí tudo bem, desde que as ações do último item levem em conta o cenário que se desenhou nos últimos dois dias e a atual correlação de forças.
As estridências de Bolsonaro, filhos e futuros ministros já colocaram a sociedade civil em estado de alerta contra previsíveis violações de direitos humanos e constitucionais, o que deixa antever que os aloprados encontrarão muitas dificuldades se tentarem cumprir as promessas milicianas de campanha.
Então, todo cuidado é pouco para não criarmos situações de turbulência nas ruas que acabem obrigando as Forças Armadas a alinharem-se com um governo do qual as cúpulas militares tentam guardar uma adequada distância (têm bons motivos para temerem que fracasse e não querem atrair para si o inevitável desprestígio resultante).
Crise na Marinha em 1964: ótima para os golpistas. |
Mas, que não haja ilusões: se a situação se tornar caótica, é contra os manifestantes oposicionistas que apontarão suas armas.
Em tais circunstâncias, o acirramento das tensões só convirá a Bolsonaro, o qual tem todo o perfil de quem, manietado pelo Judiciário e/ou Legislativo, agirá exatamente como Jânio Quadros, buscando romper as amarras com um autogolpe.
Quanto a nós, entrarmos no clima de briga de foice no escuro será uma estupidez, pois há enorme chance de o governo tosco e inconsistente que se esboça desabar sozinho ainda em 2019, se não lhe fornecermos o oxigênio que sustentou a campanha eleitoral de Bolsonaro e (pelo que se depreende de suas primeiras declarações como presidente eleito) vai continuar sendo vital para ele: a beligerância.
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OS 10 PECADOS CAPITAIS DO PT — Um companheiro me pediu no Facebook que relacionasse os erros do PT desde a fundação. Respondi que a lista ficaria do tamanho de um catálogo telefônico de outrora, então enumeraria os recentes (ou seja, as besteiras da presente década) e somente os principais.
Reproduzo a relação aqui, na esperança de que sirva de subsídio para a autocrítica que um dia o partido ainda terá de fazer (afinal, saiu pela tangente em 2016 e isto só fez piorar acentuadamente o quadro, pois ao impeachment da Dilma vieram somar-se a prisão do Lula e a eleição do Bolsonaro, então tremo só em pensar nas catástrofes que advirão se deixar novamente de cumprir com seu dever).
"rendição incondicional ao inimigo" |
1. A desastrosa política econômica neodesenvolvimentista que a Dilma aplicou no 1º mandato (exumada diretamente da década de 1950), incubando a pior recessão brasileira de todos os tempos;
2. O erro fatal de ter lavado as mãos ou até se colocado contra os manifestantes de 2013 no momento em que em se abatia uma repressão fascistoide sobre eles, principalmente por parte da polícia e do judiciário de São Paulo e do Rio de Janeiro (o componente esquerdista daqueles protestos foi esmagado e a direita, a partir de então, foi aumentando cada vez mais sua influência);
3. A pusilanimidade do Lula ao não exigir a posição de candidato em 2014, mesmo sabendo que a Dilma não tinha a mais remota competência para segurar a onda que se prenunciava (talvez fosse melhor dizer tsunami!) na economia;
4. O estelionato eleitoral na reeleição da Dilma, tornando a derrota inaceitável para os tucanos (disto acabou resultando o impeachment);
5. A decisão patética da Dilma de render-se incondicionalmente ao inimigo em 2015, convocando um neoliberal para corrigir suas lambanças econômicas, sem levar conta que o João Goulart fizera a mesmíssima tentativa e seus ministros de direita foram sabotados pelo fogo amigo do Brizola e do PCB até se exonerarem (o roteiro se repetiu igualzinho com movimentos sociais e base parlamentar versus Joaquim Levy, outra bola que, aliás, eu cantei desde o primeiro momento);
"a palhaçada da candidatura fantasma" |
6. A insistência da Dilma em lutar até o mais amargo fim contra o impeachment, permanecendo na defensiva enquanto o inimigo acumulava forças sem parar (no domingo em que a Câmara Federal autorizou a abertura do processo, já alertei que a guerra estava antecipadamente perdida e que melhor seria a renúncia imediata, seguida do lançamento de uma campanha na linha das Diretas-Já para, aproveitando a antipatia pela figura do Temer, retomarmos a ofensiva);
7. A teimosia do PT em negar-se a fazer a autocrítica que se impunha após a incrível sucessão de derrotas que acumulou (nas ruas, no Judiciário e no Legislativo) nas diversas batalhas do impeachment;
8. Ter lançado o Fora Temer para tirar o foco de suas responsabilidades no impeachment, fazendo passar por golpe de Estado o que não passou de um peteleco parlamentar num governo que estava caindo de podre (resultado: o vácuo resultante da desestabilização do Temer foi preenchido pela extrema-direita bolsonarista e pelos golpistas que clamavam por intervenção militar);
9. A rasteira desastrosa que o Lula aplicou no Ciro Gomes, inviabilizando a união da esquerda numa frente para apoiar uma candidatura única, que poderia ser do Ciro, da Marina ou do Boulos (bastava não pertencer aos quadros do PT e não carregar a enorme rejeição que tal partido acumulou em 13 anos no poder);
10. A palhaçada da candidatura fantasma, mediante a qual o Lula sacrificou a eleição presidencial para tentar validar a narrativa do golpe e a narrativa do preso político. Queria um desagravo moral e o que obteve foi uma perda total.
Por Celso Lungaretti |
Lula contou, claro, com a conivência das vaquinhas de presépio que consentiram em suas lambanças, dando a impressão de que o partido se tornou uma seita religiosa idolatrando um único e verdadeiro deus (e não mais um agrupamento de cidadãos com capacidade crítica e líderes de si mesmos, empenhados em transformar a sociedade).
6 comentários:
Leio algo sensato.
Sabia que a fase panfletária passaria logo.
Para Bolsonaro cair basta ninguém fazer nada.
Mal entrou e já tem ministro operando o mercado.
O papo de reduzir as reservas já está surtindo efeito.
É só deixar que eles se enforcarão sozinhos.
Quanto ao PT, parece que os pelegos cairão fora e, pode ser, que ele represente alguma coisa mais a frente.
O certo é esperar que algo novo surja.
O aleijão parece que não tem mais conserto.
Acredito que este novo virá dos países centrais do capitalismo.
Se Trump morder a isca e massacrar os hondurenhos teremos a faixa de Gaza na fronteira dos USA.
E lá é muito grande, rico e livre para censurarem tudo.
Também, a bolha, inflada por Bernanke pode estourar no governo dele.
Estima-se que 40% da riqueza mundial virará pó.
O caos se aproxima célere.
Extamente isso. Analise competente e imparcial que troca em miúdos o PT e propõe uma estratégia inteligente para enfrentar o governo. Eu sempre afirmei que a queda de Bolsonaro começa por dentro .
Quanto ao item 8 da relação, "Ter lançado Fora Temer", é duvidoso que a "intelligentsia" petista tivesse a mínima noção, visão, de que o espaço decorrente da desestabilização de Temer seria ocupado pela extrema direita.
A banda de música petista nas redes sociais, durante meses, bateram seus bumbos; "Fora Temer". Como disse um vez, acho que Paulo Francis, que, muitas vezes "a militância do PT comporta-se como um bando de escoteiro."
Nos blogs chapa-branca que mamaram nos governos Lula/Dilma [até quando vão existir sem verbas é um mistério] não li uma uma crítica, um alerta. O que ouvi de amigos petistas é que queriam o Bolsonaro no segundo turno. Segundo eles seria mais fácil derrotá-lo do que Alckmin ou Ciro.
É de amargar quando ainda ouço petistas considerarem um preso de estadista. Injustiçado sim, mas não estadista.
Boa noite Celso tudo, bem com você?
Hebert, do Rio.
Tenho lido muito por aí, sobre os tais reconhecimentos de erros, e sobre o tal pedido de desculpas públicas do partido dos trabalhadores, e da esquerda de uma forma geral.
Devo dizer que tenho visto análises bem lúcidas, como as do blogue aqui,
mas em compensação, tenho lido por aí, tanto de petistas, da militância, quanto nos blogues progressistas ( de mais ou menos visibilidade ), coisas que deixam bem claro que a ficha, ainda não caiu.
Coisas mesquinhas típicas de desquitado(a), que torce pelo fracasso dos novos relacionamentos do(a) ex-companheiro(a), coisas semelhantes ao comportamento do personagem Rorschach do Filme Watchmen, ao descrever a sociedade agonizante:
"A sujeira acumulada de sexo e crime envolverá prostitutas e políticos, que voltarão os olhos para cima, implorando... 'salve-nos!'... e eu do alto sussurrarei 'não!'.
Mas creio que a carência de autocrítica, seja uma mazela, um defeito típico da sociedade brasileira nos últimos 20 anos ( ao menos ), que vai bem além das ideologias.
Creio que admissão culpa e pedir desculpas, algo que nos torna maduros o suficiente pra admitir um erro e tentar corrigi-lo, a muito tempo vem sendo interpretado como um sinal de fraqueza.
O medo de parecer fraco, impossibilita a atitude, tanto a figuras públicas, quanto na vida, não é verdade?
Se formos pensar no medo, ele esteve presente a mais tempo, do que se possa imaginar, não só nesta, mas em outras eleições.
Lembra da frase petista no ano de 2002, quando Lula assume a presidência da república?:
"- A esperança venceu o medo".
Acho que os componentes Medo ou Temor, formam pessimamente mal usados como motivação, quando sabemos que isso inibe e precipita uma atitude racional, sem contar a sensação de impotência e pressão.
Levando em consideração o fato de que não sou especialista ( claro ), Medo ou Temor, tem que ser excluídos de toda e qualquer campanha daqui pra frente, imediatamente, e sem essa lógica de que o medo, nós mante alerta, os mantém unidos, ect.
Quanto ao tal pedido de desculpas, acho sinceramente que deva haver uma auto análise, mas num sentido bem amplo como forma aprendizado no que se refere aos seguintes fatores:
A militância deve avilar o porquê de ter se preocupado demais em se organizar e se mobilizar, se preocupando menos em conversar e principalmente em ouvir, aquele cidadão que se define como não sendo nem de direita, nem de esquerda, ao invés de rotulá-lo como Isentão, pobre de direita, ect.
Este é parcela considerável na sociedade cada vez mais excluída dos temas, alheio a luta direita x esquerda, e que por sinal, se desabituou a participar das discussões.
Deve avilar o porquê ter se blindado, ao ponto de inibir toda e qualquer crítica feita a ela, mesmo que por aliados.
Avaliar o fato de não ter dissuadido ( de certa forma até incentivado ), simpatizantes a agirem como se a estrela petista, fosse estrela de xerife, "patrulhando", pautando e inibindo opiniões e críticas, não apenas sobre política, mas todo assunto acolhido pela esquerda como música, cultura, religião, comportamento, sexo, esporte.
Por outro lado, nós também nos devemos fazer uma séria e urgente avaliação e auto crítica, por não termos sido capazes de perceber os malefícios de "sabedoria popular ", que diz: "-mulher, futebol, , música religião e política, não se discute".
Seguindo essa lógica, perdemos o hábito de discutir sobre os principais assuntos de qualquer pessoa vivendo em sociedade, pior, passamos a ver de forma passiva, comunicadores-formadores de opinião ( apenas reprodutores do pensamento geral ), assumindo o papel de "pensadores", discutindo e decidindo por nós.
Já os pensadores, os intelectuais, devem avaliar o porquê tem se mantido distantes numa espécie de "bolha filosófica", sendo incapazes de se fazer entender, junto ao povo, se esquecendo de suas funções, estimular conhecimento e até questionamento.
Abraço.
Vitorio,
o detalhe que vc citou mostra bem por que o PT é tão nocivo para a esquerda. Muitos petistas consideravam que o Bolsonaro seria o candidato mais fácil de derrotar no 2º turno e, para eles, era só o que bastava.
Mas, para a esquerda e para o povo brasileiro (mesmo para os explorados que se deixam iludir quanto a seus reais interesses), Bolsonaro era o único candidato que tinha chance de vitória mas deveria ser considerado TOTALMENTE INACEITÁVEL.
Não nos deram ouvidos, brincaram com fogo, queimaram a si próprios e queimaram a nós todos.
Abs.
Herbert,
processos de crítica e autocrítica são uma tradição da esquerda. Impõem-se quando nosso lado comete erros que levam a grandes derrotas. O objetivo não é pedir desculpas a ninguém, mas detectar quais foram os erros cometidos, quais as lideranças responsáveis por eles, quais as mudanças que devem ser feitas na nossa estratégia e em nossas táticas, quais os dirigentes que devem ser expulsos ou, pelo menos, afastados e quem os deve substituir.
P. ex., a condução que Lula os dirigentes que não ousam discordar dele em momento nenhum deram à atuação do PT durante o processo do impeachment redundou numa sucessão interminável de derrotas, que só fizeram a extrema-direita crescer cada vez mais. É óbvio que, tão logo se consumou a perda definitiva do mandato da Dilma, isto deveria ter sido avaliado em profundidade e só havia uma conclusão possível: o Lula jamais poderia ter mantido a posição de dirigente máximo do partido.
Nada disto foi feito e ele cometeu erros piores ainda na campanha eleitoral de 2018.
O outro ponto principal, a meu ver, é o PT haver colocado todos os ovos no mesmo cesto, a conquista de nacos de poder nas eleições. Depois de ficar evidenciado que o poder econômico defenestra presidentes a seu bel-prazer como fez em 2016, o partido deveria ter mudado a prioridade: colocar em primeiro plano a participação nas lutas da sociedade e o processo de educação/formação dos explorados. É chocante como muitos se deixaram iludir pela farsa de o Bolsonaro apresentar-se como anti-sistema quando, na verdade, ele representa o que o sistema produziu de pior nas últimas décadas.
Abs. e ótimo feriadão!
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