OS 50 ANOS DA PRIMAVERA DE PARIS
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As barricadas parisienses de maio de 1968... |
Por um capricho da História, as efemérides dos dois marcos revolucionários mais significativos do século 20 agora se sucederam, como que nos convidando a refletir sobre ambos.
A revolução russa de 1917 foi a mais clássica das revoluções inspiradas pelo marxismo – e também o divisor de águas entre os ideais românticos do século 19 e uma tentativa de atualização que produziria um épico... desvirtuamento!
Até a Comuna de Paris (1871), o avanço crescente das lutas do proletariado parecia indicar que a profecia de Karl Marx se concretizaria, com uma onda revolucionária varrendo o mundo de forma quase espontânea, como resultado do esgotamento do capitalismo e da necessidade de sua substituição por uma forma mais avançada de organização da sociedade.
O ancien régime, no entanto, contou com o braço forte da Alemanha para retomar o controle da situação e massacrar os communards, com as baixas refletindo bem a desigualdade que marcou o enfrentamento entre as tropas da reação (100 mil soldados) e os defensores da primeira república proletária da História (menos de 15 mil milicianos): foram mil os mortos do lado vencedor e 80 mil dentre os perdedores. Ai dos vencidos!
...e as da Comuna de Paris, em 1871. |
Marx concluiu que os inexperientes revolucionários haviam sido tímidos demais, deixando, p. ex., de quebrar a máquina burocrática e militar do Estado enquanto podiam.
E ficou evidenciado que os governos de países capitalistas acudiam prontamente seus congêneres ameaçados por revoluções, enquanto a solidariedade do proletariado internacional demorava a se organizar.
Lênin foi além, priorizando a estruturação de um partido revolucionário duro, que funcionasse com uma disciplina quase militar, apto a assumir a liderança dos trabalhadores nos momentos agudos para direcionar corretamente sua ação.
Sua concepção vanguardista levava em conta, também, o surgimento de opositores relevantes no campo da esquerda: os adepto do reformismo, para o qual tendia naturalmente a chamada aristocracia proletária (os operários com cargos superiores e salários mais elevados).
Constatando que a perspectiva de melhorarem progressivamente de vida sob o capitalismo, sem revolução nenhuma, seduzia muitos trabalhadores, Lênin chegou à conclusão de que o proletariado não se compenetraria espontaneamente de que seu papel histórico era o de dar um fim à exploração capitalista: necessitava de uma vanguarda que, participando com ele das lutas por ganhos materiais, lhe fosse incutindo a compreensão de que as eventuais vitórias eram ilusórias e logo se dissipariam, daí a necessidade de uma profunda e definitiva transformação da sociedade para que as conquistas se eternizassem.
Lênin e Trotsky: enormes acertos e alguns erros. |
Lênin estava certo em termos de eficácia: só um partido como o Bolchevique conseguiria tomar o poder em novembro de 1917, apesar de contar com efetivos bem menores do que os de seus competidores do campo da esquerda. Em momentos críticos, poucos militantes que sabem o que querem, estão dispostos a irem até o fim e obedecem sem pestanejar a comandantes capazes pesam muito mais do que muita gente confusa, sem grande determinação nem líderes à altura dos acontecimentos.
Mas, a profecia de Trotsky sobre a maldição do vanguardismo, lançada no tempo em que ele ainda se opunha aos bolcheviques, também se revelou correta: "Primeiramente, o partido substitui o proletariado. Depois, o Comitê Central substitui o partido. Finalmente, um tirano substitui o Comitê Central".
O certo é que a Rússia foi se tornando um mero capitalismo de Estado totalitário:
— seja porque a vanguarda bolchevique incubava mesmo uma nomenklatura ou seja, uma burocracia partidária quase equivalente a uma nova classe privilegiada;
— seja porque a Rússia não estava mesmo pronta para o socialismo e os vitoriosos de 1917 foram obrigados a cumprir, em seguida, muitas tarefas características de uma revolução burguesa, com a duplicidade de objetivos necessariamente causando desvirtuamentos;
— seja porque o proletariado russo, embora aguerrido e heroico, era numericamente muito reduzido, tendo boa parte dos seus melhores filhos tombado na defesa da revolução;
A liberdade guiando o povo (versão 1968) |
— seja porque a consolidação do novo regime se deu em condições dramáticas, num terrível isolamento, com a Rússia tendo de, em 1918-1921, resistir sozinha à invasão de tropas de umas 20 nações capitalistas e aos contingentes dos reacionários internos, para depois desenvolver esforços hercúleos no sentido de saltar rapidamente de um país com desenvolvimento tardio para uma nação moderna).
De certa forma, a União Soviética, sob a tosca tirania de Stalin, serviu como espantalho para a propaganda capitalista dissuadir os operários das nações economicamente mais avançadas de seguirem na mesma direção.
Contrariando a constatação de Marx, segundo quem eram os países mais pujantes que determinavam o destino da humanidade, com as demais sendo arrastados por sua dinâmica, as revoluções seguintes se deram em países pobres, desorganizados por guerras ou ainda emancipando-se da dominação colonial.
E o capitalismo foi aprendendo a lidar de forma cada vez mais eficiente com as várias tentativas vanguardistas que foram surgindo: seja vencer militarmente as guerrilhas urbanas e rurais, seja asfixiar economicamente ou derrubar governantes adversos por meio das Forças Armadas, Judiciário ou Legislativo de seus países.
Mas, a revolta jovem de 1968 na França foi o primeiro indício de que a História não tem fim e, quando algumas portas se fecham, outras se abrem. O capitalismo não tem tudo dominado, nem jamais terá; pelo contrário, marcha em passos rápidos para a extinção, que só vai significar o fim da História profetizada por Francis Fukuyama se a própria espécie humana extinguir-se junto com ele.
A sociedade que desenvolveu ao máximo os meios de comunicação é também a sociedade em que uma simples centelha evolui rapidamente para incêndio, surpreendendo governos e suas polícias.
Uma nova esquerda despontou em 2013. E foi tratada a pontapés pela velha... |
Já em 1968, uma onda de paralisações em escolas de Paris evoluiu rapidamente para uma formidável greve geral, fazendo o presidente De Gaulle balançar no cargo, que só conservou graças à boia que o Partido Comunista Francês lhe atirou, mais interessado em manter sua liderança nas entidades sindicais do que em fazer a revolução.
Merecidamente, ao agir como fura-greves da nova Comuna de Paris (são muito significativas as semelhanças da pauta dos communards de 1871 com a dos congêneres de 1968, ambas inspiradíssimas!), o PCF se condenou à insignificância. Os franceses não são tão condescendentes com relação às atuações desastrosas de seus partidos quanto os esquerdistas brasileiros...
E, nas manifestações contra o capitalismo e suas mazelas que vêm marcando a década atual, incluindo as jornadas de junho de 2013 no Brasil, a pulverização da vanguarda é uma característica comum. Não há força majoritária da esquerda as convocando e conduzindo, mas uma imensidão de células independentes imantadas pelas redes sociais.
Este título se revelará profético? |
Fazem lembrar as ondas revolucionárias que, segundo Marx, varreriam o mundo. Dá para imaginarmos que, com a agonia capitalista chegando ao ponto decisivo, uma crise do tipo da imobiliária de 2007/2008 possa não só evoluir para um clash como de 1929, mas também gerar uma reação da sociedade equivalente à Primavera de Paris.
Concordo com Zuenir Ventura: 1968 não terminou. Os fios da História poderão até ser reatados meio século depois, por que não?
Um comentário:
A qué Utopía nos dirigimos? Caminamos a "Un mundo Feliz"? Hace ya muchos años, Oscar Wilde escribió una frase que dice: "Un mapa del mundo que no incluya a Utopía no merece siquiera la pena mirarlo". https://planckito.blogspot.com.es/2017/08/a-que-utopia-nos-dirigimos-caminamos-un.html
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