quinta-feira, 7 de setembro de 2017

"SÓ GABO OU KARL MARX PARA CONTAR A FARSA QUE É O BRASIL". IMPERDÍVEL!!!

Por Clóvis Rossi
Uma vez em Davos, muitos anos atrás, eu coincidi de almoçar com um jornalista da TV portuguesa. Do Brasil, ele não sabia nada além do enrosco à época com os dentistas brasileiros que procuravam se instalar em Portugal e eram sabotados e dos jogadores brasileiros nos times de lá.

Mas, muito curioso, me pediu para fazer um breve relato da história recente do Brasil (estávamos em 1993 ou 1994, já não me lembro).

Comecei contando que, ao final da ditadura, havia sido eleito um senhor respeitável que se gabava de jamais ter tido nem sequer um insignificante resfriado. Mas que, na véspera da posse, baixou no hospital, depois passou para outro e só saiu deste último para o cemitério.

Em seu lugar, como primeiro presidente da democracia recém-inaugurada, assumiu outro simpático senhor que, no entanto, havia sido presidente do partido da ditadura até bem pouco antes.

Não era propriamente popular, como presidente acidental, mas logo editou um plano econômico que congelou a inflação, o flagelo que então consumia os bolsos e os nervos de eleitores e, por extensão, o prestígio dos políticos.
Tornou-se o presidente mais popular da história das pesquisas.

Quando a inflação descongelou, ficou tão impopular que não conseguiu nem sequer ter um candidato que o defendesse na eleição seguinte, ainda que mais de 20 tivessem se apresentado. Aliás, ganhou justamente o que mais violentamente criticara o presidente que havia sido o mais popular da história até então.

Ah, por acaso, ambos (o presidente impopular e o novo presidente eleito) haviam militado no partido que apoiara a ditadura, o que, em tese, deveria inabilitá-los para a democracia.

A essa altura, notei que meu interlocutor me olhava com alguma malícia, imaginando que eu estava inventando a história do Brasil. Parei, então, e lhe disse que a única pessoa habilitada a contá-la, naquele período, seria um certo Gabriel García Márquez – ele, o principal artífice do realismo mágico.

Pena que Gabo tenha morrido porque, ao acompanhar o noticiário dos últimos dias, anos até, me volta a sensação de que tudo não passa de uma invenção desses maravilhosos autores do realismo mágico.

Minto. Nem a prodigiosa imaginação deles seria capaz de inventar algo tão delirante como a realidade brasileira.

Aquelas malas e caixas de dinheiro cabem em Macondo, não no Brasil.

Só em cidades imaginárias, pode-se acreditar que todos os presidentes da democracia, exceto Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco, tenham sido denunciados – sempre por corrupção.

Não são poucos: José Sarney, Fernando Collor, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer.

Se não é coisa de república bananeira, não sei mais o que é república bananeira.

Delatores delatam 1.829 políticos, no total, e depois, em uma nova gravação dizem que era tudo brincadeirinha. Se a nova gravação é brincadeirinha, as antigas valem? 

Se não valem, o que era aquela mala com dinheiro filmada com um apressado homem de confiança do presidente?

Que havia mala e que havia dinheiro, não foi o Gabo que inventou, tanto que o indigitado cidadão devolveu mala e dinheiro (aliás, devolveu em prestações, um tantão primeiro e o restinho depois).

Se não é a Gabo que devemos recorrer, talvez caiba adaptar Karl Marx e sua a história se repete, a primeira vez como tragédia e, a segunda, como farsa.

Vê-se, velho Karl, que você não conheceu o Brasil. Aqui a história se repete sempre como farsa, mas é sempre, ao mesmo tempo, uma tragédia para a maior parte do público, excetuados os farsantes que se divertem como corsários que são. 

"Minha terra tem palmeiras / onde sopra o vento forte, / 
da fome, do medo e muito, / principalmente da morte" 

4 comentários:

Anônimo disse...

"Só em cidades imaginárias, pode-se acreditar que todos os presidentes da democracia, exceto Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco, tenham sido denunciados – sempre por corrupção."

Itamar presidente foi um acidente... para ele e para o país.

O FHC não ter sido denunciado por corrupção serve apenas para comprovar a seletividade do ministério público e do judiciário, além do conluio entre o tucano-mor e as famiglias donas da mídia. O Fernando é cosa nostra para com eles. Não faltaram casos de corrupção, porém, todos foram devidamente abafados. O mesmo com o Santo, o Careca, etc.

Repercutir Rossi é lamentável e deprimente. O parágrafo que destaquei demonstra bem o nível do jornalista da falha dos Frias. O Clóvis é totalmente "perdível" em texto ou em pessoa...

celsolungaretti disse...

Bolas, Rebolla, vc não percebeu que ele se refere a denúncias formais e não acusações publicadas na imprensa ou feitas em discursos?

Quanto à qualidade do texto dele, evidencia-se para quem é do ramo.

Anônimo disse...

Celso, uns preferem a Catanhêde, outros a Miss PIG e tem gente que gosta de texto do Cony... o Merval então é até imortal. Eu não me importo com estilo. Alguns artigos podem ser de leitura tão interessante quanto bula de remédio, mas, como ela, possui princípios ativos que fazem algum efeito. Ia me esquecendo, mesmo o Olasno de Cavalo tem admiradores para a sua prosa.

Sinceramente? Prefiro os teus textos aos dele. Mesmo quando os considero escritos pelo adolescente que ainda existe aí dentro. Aquele que sonhador imagina mudar o mundo.

celsolungaretti disse...

Jorge,

de que o mundo precisa ser mudado, não há dúvida. Eu conheço muito bem as dificuldades da empreitada e tenho noção clara de que a minha chance de ainda dar uma contribuição relevante para tanto hoje é quase nenhuma.

Mas, continuarei fazendo o que sei fazer. Coisas improváveis acontecem para quem insiste. Quem desiste, não obtém mais nada na vida e só fica esperando a morte chegar.

Quanto a autores reproduzidos, eu os escolho por trazerem informações relevantes e/ou visões interessantes (com as quais nem sempre concordo); e, de vez em quando, por serem exemplares em termos estilísticos, como este do Clóvis Rossi.

Como jornalista, encontro hoje bem poucos autores do meu agrado. Então, tento não exigir muito caráter dos raros que se expressam bem.

O Carlos Heitor Cony vez por outra pega no breu, mas desempenhou um papel muito calhorda naquele episódio da reparação de vítima da ditadura, quando fez por obter um valor exageradíssimo, além de ter furado a fila.

O Demétrio Magnoli também é capaz de escrever textos primorosos, mas várias posições dele são questionáveis, principalmente quando escreve sobre a resistência à ditadura e sobre os negros. Chega a ser preconceituoso.

O Paulo Francis era um poço de vaidade, mas teve lá seus grandes momentos como jornalista. De repente, passou a acreditar no personagem que criara para uso externo e se tornou um chato.

O Roberto Campos era meu antípoda ideológico, mas eu sempre acompanhava suas polêmicas. Nunca vi um autor esgotar tão completamente o assunto debatido, deixando o adversário sem ter para onde correr. Eu até que me saio razoavelmente nas polêmicas, mas o que ele fazia com o teclado (ir anulando as armas do contendor uma por uma e sufocando-o cada vez mais) eu só conseguia fazer jogando xadrez.

Enfim, nunca me interessei por ler quem dizia a mesma coisa que eu pensava, pois seria perda de tempo. Procurei quem trazia informações complementares às que eu detinha e os que, de alguma forma, são brilhantes. É o combustível para minha mente trabalhar.

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