No mundo inteiro observa-se um crescimento das ideias totalitárias, variando apenas o grau de intensidade, conforme a situação de cada país no concerto do capitalismo mundial.
Umas são totalitárias para imposição submissa da pobreza (casos da África, Ásia, Oriente Médio, América Central e do Sul); outras para a imposição da conservação de privilégios ameaçados (casos da União Europeia, Estados Unidos, etc.).
Tal crescimento, entretanto, não significa hegemonia de pensamentos, mas um acirramento entre posições políticas (conservadoras, liberais, socialistas, trabalhistas, etc.) como consequência da ruptura do pacto social até então vigente, em razão de fatores econômicos novos que promovem o desequilibro social insuportável e irremediável sob o capitalismo.
O fenômeno pode ser explicado à luz de uma análise econômica de depressão mundial principalmente, mas conjugada com aspectos da descentralização do controle das mídias de comunicação. Estas agora disseminam um volume de informações visuais e auditivas mais abrangentes e nas quais a palavra escrita é menos usada, abrindo o leque em termos de formação de opiniões.
É cada vez maior tanto a concentração de riqueza abstrata entre os que a detém (dinheiro e mercadorias como representação do valor), quanto o contingente dos que já não conseguem minimamente recursos para o provimento das suas necessidades básicas.
Conforme recentíssimo relatório da FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, a fome não cessa de aumentar mundo afora.
"Amadores!", dizem os banqueiros aos saqueadores comuns |
São problemas decorrentes de fatores climáticos como o aquecimento global; da falência da economia real; dos juros altos para os países periféricos devedores; e da falência das finanças estatais, que, somados, implicam a impossibilidade do provimento das necessidades vitais de alimentação (bem como de outras demandas sociais básicas).
Os índices de desnutrição aumentaram na África, América do Sul e se mantêm em níveis elevados na Ásia (maior contingente populacional do mundo); acirra-se o quadro mundial de disputa entre os que conseguem se manter economicamente sustentáveis e os que apenas são vistos, pela ordem econômica, como párias que consomem sem produzir valor.
Segundo a FAO, na África cerca 370 milhões de pessoas passam necessidade e a quarta parte da população do continente tem sintomas de desnutrição. Regimes totalitários ou democraticamente perpetuados e apoiados por forças militares impõem ao povo africano a migração em massa (sob condições de absoluto risco) pelos mares, em busca de uma nova vida numa Europa que é cada vez mais intolerante à imigração.
O fenômeno da imigração é mundial; por aqui, vemos haitianos, bolivianos e venezuelanos buscarem o nosso país como forma de escaparem das tragédias sociais em seus países.
Paradoxalmente, vêm para um país que, por sua vez (em que pese a baixo índice de densidade demográfica), é exportador de gente para as nações desenvolvidas, principalmente profissionais especializados e com nível superior de escolaridade.
A cena social mostra os ricos do mundo cada vez mais se encastelando nos seus muros da segregação social com medo da barbárie social capitalista, expressa na violência urbana que assume hoje contornos de guerra civil em muitos países (inclusive no Brasil) e no desespero de imigrantes famintos.
O muro do qual falamos não é apenas físico (embora sejam visíveis as cercas elétricas, monitoramento de vídeo, guardas, casamatas, etc.), mas, sobretudo social.
O que fomenta o surgimento de salvadores da pátria – Jair Bolsonaro surfa na onda do desconforto social de segmentos privilegiados que acreditam no resguardo dos seus interesses pela força ditatorial, sem considerar os riscos que ele representa; e de pessoas desinformadas que fazem uma leitura superficial e simplista sobre o que está subjacente à nossa tragédia social (com destaque para a extrema superestimação da questão da corrupção com o dinheiro público).
Bolsonaro pode ser considerado, sem qualquer exagero, como:
Ele é um evidente misógino... |
— machista, conforme se evidenciou no tratamento desequilibrado e grosseiro por ele dado às mulheres parlamentares que algum dia lhe tenham feito oposição na Câmara Federal (está no seu sétimo mandato consecutivo);
— racista, pois são gritantes seus preconceitos ao referir-se a afrodescendentes e indígenas;
— nacionalista xenófobo, cujo fanatismo é agravado por sua rígida disciplina militarista, na qual busca respostas para problemas que transcendem a sua compreensão limitada dos problemas sociais;
— falso outsider, visto que acumula mandatos legislativos há 27 anos (e os filhos seguem seus passos) mas se apresenta como anti-político;
— político com pretensões totalitárias, tanto que se refere com desprezo à participação popular e conta, para a sustentação do seu governo, com as forças militares (já prevendo as reações às medidas impopulares que adotará em defesa do status quo capitalista);
— político desinformado e com chocante conhecimento das complexas questões que envolvem o cenário econômico mundial e brasileiro;
— homofóbico, vez que simplesmente agride os gays por terem tal opção e trata os homossexuais como doentes, propondo até a tal cura gay, em voga entre desmiolados;
— terrorista, pois, como sabemos, pretendeu protestar contra os baixos soldos militares fazendo explodir bombas em instalações militares e na adutora do Guandu (tendo, inclusive, entregue a uma repórter desenho de próprio punho, mostrando como sabotaria o abastecimento de água do RJ);
— defensor de torturadores, pois várias vezes exaltou publicamente o exemplo do coronel Brilhante Ustra, que, à época da ditadura, prendia, torturava e matava a sangue frio dissidentes políticos (tidos como subversivos), encenando pretensos embates de rua que apenas serviam como justificativas para assassinatos bestiais de pessoas presas e indefesas;
— parlamentar sem brilho, pois é notório que teve sempre pouca atuação objetiva no sentido de proposições ou mesmo em debates, notabilizando-se apenas por suas bravatas bombásticas e pelas agressões verbais a seus colegas (e a tantos quantos caíssem no seu desagrado); e
— oportunista, pois, apesar de se declarar um anticomunista de carteirinha assinada, fez lobby para a efetivação em cargo público de Aldo Rebelo (PC do B) por conveniência pessoal, de onde se conclui que, ou não via o Rebelo como tão comunista assim, ou ele próprio, Bolsonaro, não passa de um anticomunista de ocasião.
...e tem uma incontida fixação em pistolas. |
A síntese que se pode fazer do candidato Bolsonaro é que ele corresponde a um aventureiro desqualificado e perigoso: pode conduzir o já combalido Brasil a uma aventura de resultados imprevisíveis, mas com enorme chance de serem nefastos.
Breve análise do programa de governo do Bolsonaro – o perfil pessoal do candidato Bolsonaro se coaduna com suas propostas de governo ultraconservadoras, que seguramente não resolverão o problema da atual decadência do capitalismo.
Tais propostas confirmam estar ele imbuído de um pensamento retrógrado que observa o futuro com a nuca, convergindo para a visão de um Estado mínimo voltado para a preservação das regras do jogo capitalista por meio da força militar e do autoritarismo.
A proposição de redução dos ministérios, comum a muitos candidatos, é antiga e se direciona no sentido da redução do déficit fiscal a qualquer custo social, como prega o Fundo Monetário Internacional para os países periféricos (tal organismo de crédito, contudo, nada tem a dizer sobre a crescente dívida pública e privada dos países desenvolvidos).
Promete reduzir a dívida pública em 20%, proposição que ainda que fosse conseguida à custa de nossos sacrifícios em nada resolveria o problema dos altos juros dessa dívida pagos pelo Brasil, ponto sobre o qual ele não se pronuncia.
Na esteira de seu pensamento neoliberal e ultraconservador, evidentemente, enxerga na privatização de tudo (previdência social, educação, etc.) a varinha de condão capaz de transformar o inferno capitalista no paraíso.
O grande Paulo Freire teria mesmo de ser um dos alvos de Bolsonaro |
Defende uma visão armamentista, quando diz que a arma é um objeto inerte que pode ser usado para o bem ou para o mal. No caso daqueles a quem Bolsonaro quer armar, a segunda hipótese certamente é verdadeira.
Para Bolsonaro a propriedade não deve ter função social, devendo qualquer reivindicação de terra para plantar ou morar ser encarada como ato terrorista.
Para a educação defende o expurgo das ideias de Paulo Freire, como se esse grande educador que criou um método de alfabetização copiado mundo afora fosse responsável por nosso analfabetismo crônico. Quer a educação como mercadoria, e tudo dentro da sua visão de defesa dos conceitos capitalistas e nacionalistas de governo.
Francamente, não é necessário aprofundarem-se as propostas de Jair Bolsonaro, pois basta uma análise preliminar para se inferir claramente o desastre que seria um governo sob sua orientação, com a resposta aos males sendo buscada na intensificação daquilo que corresponde às suas causas.
As perspectivas eleitorais do candidato Bolsonaro – é possível que o presidenciável ultradireitista chegue ao 2º turno graças ao atentado que o transformou em vítima, reforçando a ideia que ele tenta transmitir, de que seria um mártir salvador da pátria. Mas, nem mesmo isto são favas contadas.
Sua candidatura, apesar de encontrar guarida numa faixa de eleitores que o consideram capaz de confirmar o dístico ordem e progresso (ou seja, da ordem capitalista e progresso econômico para os burgueses), não tem consistência para a grande maioria do eleitorado.
As pesquisas de opinião pública demonstram um alto grau de rejeição a Bolsonaro, por parte de eleitores que, por muitas razões, não se identificam com o seu perfil aventureiro.
Então, a dispersão das intenções de voto torna quase impossível haver um ganhador já no dia 7 de outubro e, num 2º turno, Bolsonaro seria facilmente abatido por qualquer adversário.
De minha parte, sempre acho que é um equívoco a esquerda bem intencionada (exclusive aquela fisiológica que adora mamar nas tetas do Estado, e mais não é do que uma direita envergonhada) querer o poder estatal.
Isto porque, quando no poder, a esquerda nada pode fazer senão administrar as inadministráveis finanças públicas e direcionar os parcos recursos para a infraestrutura estatal do capital sem a qual o Estado definha, frustrando, assim, o eleitorado que sempre espera sua redenção a partir da ascensão à Presidência da República de quem proclama a intenção de defender o povo.
Mas sei do perigo que representa uma candidatura como a do Bolsonaro para as liberdades de opinião e interesses populares no que diz respeito às poucas franquias institucionais ainda existentes e ao atendimento de demandas sociais mínimas.
Um governo com tal perfil somente iria aprofundar as desigualdades, mormente num momento de decadência do modelo social capitalista nos países periféricos como o Brasil.
Mas, mesmo tendo consciência do perigo, entendo que devamos enfrentar as falácias institucionais e o perigo fascista negando legitimidade ao processo eleitoral por abstenção ao voto ou votando nulo.
O voto é sempre inútil por legitimar a ordem institucional que dá sustentação à ordem econômica segregacionista (ambas se completam); e o voto dito útil, dado como forma de se evitar o mal maior (os ultraconservadores como Bolsonaro) acaba criando expectativas frustradas.
Devemos sempre enfrentar a crueldade do mal maior com a coragem do confronto que dá adeus às ilusões democrático-burguesas e com posturas que gerem consistentes teses e práticas emancipacionistas, ainda que tais proposições demandem tempo, esforços e sacrifícios.
Apesar de tudo, repito o que disse em artigo anterior: torço pelo seu pleno restabelecimento, quer seja por meu respeito pela vida de qualquer ser humano, seja pela aura de martírio que a sua morte suscitaria e a consequente substituição por outro qualquer de sua estirpe, com chances ainda maiores de vitória.
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