segunda-feira, 10 de setembro de 2018

AS URNAS DE NOSSA DESESPERANÇA – 5: MARINA SILVA SERIA UMA GOVERNANTE SUBMISSA À LÓGICA CAPITALISTA.

(continuação deste post)
Marina Silva, candidata do Partido da Rede Solidariedade
Na democracia burguesa há candidatos bem intencionados e honestos. Entretanto, são ingênuos quanto à crença na governabilidade pro-povo do aparelho de Estado burguês, criado e aperfeiçoado durante os últimos dois séculos dentro de uma visão constitucional republicana, cujo desiderato principal é a manutenção do modo de mediação social capitalista, com a consequente exploração do homem pelo homem. 

Mas os ingênuos são poucos e, quando verdadeiramente bem intencionados e destituídos das vaidades do poder, logo abandonam a política burguesa, para não se deixarem laçar pela gravata desse mesmo poder.

Este não é o caso da candidata Marina Silva. 

Mulher de origem humilde (conheci  pessoalmente, em Fortaleza, os despossuídos parentes dos pais dela, que acabaram indo para o Acre, estado criado em grande parte por migrantes cearenses), Marina conseguiu furar heroicamente o cerco social que impede a maioria dos Silvas com sua mesma origem de classe de ascender socialmente. 

Mas, a antiga companheira de lutas de Chico Mendes não tem o direito de crer (e de nos fazer acreditar) que finais felizes possam ocorrer de modo generalizado dentro das regras do jogo capitalista, que trava a promoção da ascensão social de todos os coitadezas e ora está agravando as suas misérias sociais.   

Assim, a ex-senadora e ministra Marina Silva, justamente pela experiência adquirida, não pode ser inserida entre os políticos ingênuos; mas talvez se insira na categoria dos adeptos de um difuso sentimento reformista, cuja pretensão é melhorar alguma coisa (como se tal fosse possível nesta etapa agônica do capitalismo!).  

Portanto, Marina está apenas (mas absolutamente) enganada, se é que já não foi picada pela mosca azul do poder político, cujo vírus inocula nos profissionais do ramo a doença do oportunismo fisiológico e da vaidade de ser autoridade.
"Mulher de origem humilde": ei-la em 1986, liderando protesto contra o desmatamento no Acre
As reformas sociais a partir das quais alguns países, grandes produtores de mercadorias, puderam intitular-se Estados do bem-estar social estão desaparecendo rapidamente (a questão previdenciária impulsiona tal tendência declinante, já que o desemprego estrutural exclui os jovens contribuintes até mesmo na União Europeia); as ilhas de prosperidade se diferenciam cada vez menos dos continentes de desigualdade, com o Estado voltando a ser apenas uma força militar repressiva da insatisfação popular. 

Muitos desses países ditos ricos já experimentam o abandono de posturas humanistas e se enfileiram nas hostes da xenofobia e do autoritarismo, renegando todos os ganhos civilizatórios e assumindo abertamente a regressão social ora em curso. 

Num país periférico do capitalismo como o Brasil, mesmo que ele conte com imensas riquezas materiais, é impossível proporcionarmos bem-estar social a partir do Estado; mormente agora, que a crise mundial do capital nos impõe sacrifícios inauditos e irresolúveis. 

Dizem que o inferno está cheio de pessoas bem intencionadas; Marina caminha a passos largos para lhes fazer companhia.
"Marina propõe um capitalismo justo e ético"
A análise de suas proposições de governo, além de serem muito similares às falácias eleitorais de todos os candidatos, encerram contradições desde os seus enunciados, cuja racionália capitalista em nenhum momento é por ela questionada de forma transcendente.

Marina propõe um capitalismo justo e ético, coisa tão impossível de se realizar como se extrair leite de pedra. Senão, vejamos: 
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— país socialmente justo – como poderemos vir a tê-lo a partir das premissas do capital, cujo processo de concorrência na produção e comercialização de mercadorias obedece ao imperativo da redução de custos de produção para fazer face ao cada vez mais minguado mercado interno e externo? 

Afinal, tais reduções de custos somente podem ser conseguidas com o aumento de produtividade per capita (ou seja, mais produção em menos tempo), implicando uma mecanização tecnológica que reduz salários e níveis de empregos.
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— país ambientalmente sustentável – como poderemos vir a tê-lo se essa mesma concorrência de mercado impõe a autofagia ecológica, ainda mais neste momento de definhamento absoluto do dito mercado, quando a reprodução do capital se torna cada vez mais difícil e a atividade empresarial busca sobreviver a qualquer custo, apelando para a agressão à vida sob várias formas? 
"Atividade empresarial apela para a agressão à vida sob várias formas"

Como se admitir um país ambientalmente sustentável a partir de uma ação estatal ou legislativa, quando esse mesmo Estado existe para promover e defender o desenvolvimento econômico (ou seja, mais capitalismo)? 

O certo é que tal Estado infringe comezinhas regras ambientais e permite a aprovação, por parte de um parlamento eleito pela força do capital, de leis que propiciam a devastação ambiental (quanto às leis em defesa do meio ambiente, descumpridas e esquecidas, só servem pra inglês ver). 

A aliança com o povo proposta por Marina para se contrapor a este status quo começa a se desfazer desde o momento em que ela se propõe a ser candidata dentro das regras eleitorais do sistema, culminando no juramento que, eleita, terá de fazer, sob pena de impeachment, de cumprir uma Constituição eminentemente capitalista. 

A preservação ecológica é absolutamente incompatível com a dinâmica da lógica capitalista. 
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— país economicamente próspero – aqui se evidencia uma contradição programática mais facilmente perceptível. 

A prosperidade econômica, ainda que fosse possível de ser alcançada no momento atual (não o é por força das contradições internas dos próprios fundamentos capitalistas, que ora evidenciam a sua irracionalidade funcional), somente existiria a partir da segregação social de outros países, dentro da lógica da concorrência mundial de mercado. 
Grande momento de Marina: encurralando Bolsonaro
O capitalismo não se desenvolve a partir de uma linearidade de prosperidade mundial, mas sim de uma desigualdade na qual a prosperidade de uns está na inversa proporção da pobreza de outros. Para cada bairro rico, há uma mar de bairros pobres; para cada país rico, há um oceano de países pobres.

Marina desconhece que a visão emancipatória de mundo implica necessariamente a superação do capital. A relutância em lutar pela transformação em profundidade que hoje se tornou simplesmente imprescindível denuncia a capitulação burguesa de Marina, a mesma que segrega os seus pares de origem de classe. 

A proposição de um país economicamente próspero, além de corresponder a uma visão nacionalista ultrapassada, conflita com as suas proposições ecológicas tradicionais e de sociabilidade justa. 
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— país politicamente democrático – logo no primeiro artigo que escrevi para este blog (uma janela libertária aberta para o pensamento crítico!), já lá se vão quase dois anos e meio, ressaltei que a democracia é antidemocrática

Disse que a tradução literal do termo como sendo governo do povo, correspondia a uma deturpação semântica que influi na concepção do que seja realmente a democracia. 

Na Grécia antiga, a democracia (que era a diluição do poder entre cidadão gregos especiais; uma elite, enfim) correspondia a um avanço com relação ao poder ditatorial centrado num governante, mas evidentemente não equivalia, mesmo nos seus primórdios, a um governo do povo. Nunca houve nem haverá governo pró-povo.
"Na atualidade, a democracia é um engodo"

Pois bem, a revolução republicana francesa, que, com suas marchas e contramarchas, consolidou a sufrágio universal como vontade soberana do povo, em nenhum momento deixou de ser politicamente dominada pela força doutrinária que lhe era subjacente: o poder burguês. 

Na atualidade (e com muito mais poder de convencimento graças à influência sublinear da educação formal, da mídia de comunicação e do poder da grana), a democracia é um engodo que submete o povo a uma escolha dentre aquilo que já lhe foi previamente escolhido. 

Marina, ao preconizar um país politicamente democrático, o faz submetendo-se às salvaguardas institucionais que são facilmente capazes de cortar a cabeça de qualquer governante que ouse opor-se à sua lógica antidemocrática (se quisermos emprestar ao termo um sentido de poder popular). 

Neste sentido, mais uma  vez capitula diante das regras do jogo eleitoral que se propõe a jogar, e com as mesmas armas que supostamente utilizará para levar a cabo as suas proposições de humanização daquilo que é desumano por sua própria natureza.
     
— algumas proposições objetivas de governo – as ditas cujas, enfeixadas em 20 temas básicos, são uma monótona repetição, com variações cosméticas, daquilo que propõem os seus concorrentes mais civilizados (e até mesmo o tosco e bravateiro Bolsonaro, cujas propostas não têm nenhuma credibilidade, por se circunscreverem à pretensão de trazer de volta práticas ditatoriais do passado que só agravariam nossos problemas do presente) e caminham no sentido da confirmação das regras impostas pela decadente institucionalidade burguesa.
"A autonomia do Banco Central é uma quimera falaciosa"

A autonomia do Banco Central, por ela defendida, é uma quimera falaciosa, na medida em que o controle monetário nacional obedece a um interesse capitalista que sempre se sobrepôs às ações administrativas de governo, dada a sua importância para o capitalismo nacional e sua relação com o capitalismo internacional (mormente nestes tempos  da globalização financeira cibernética instantânea). 

Marina se exime da interferência governamental ao propor a autonomia do Banco Central, como convém ao capitalismo mundial (pois seria uma forma de imunização da questão monetária contra os humores das necessidades sociais e da interferência político-eleitoral). 

O explosivo desafio da previdência social está abordado no seu programa de governo como se fosse uma questão meramente atuarial, contábil; no entanto, a compatibilização entre receitas e despesas acabaria provocando um tsunami e descredenciando qualquer esquerda que pretenda governar pró-povo. 

Marina se coloca numa posição de centro-esquerda na questão das privatizações,  admitindo o exame da desestatização da Eletrobrás e favorecendo a preservação de Petrobrás, BB, CEF, etc., como empresas estatais. Deveria é ir além da falsa dicotomia estatização x privatização, abrindo a discussão que realmente importa nos dias atuais: a da superação do valor e das próprias empresas enquanto produtoras de valor, dinheiro e mercadorias, tanto estatais como privadas. 
"Superar o valor e as empresas enquanto produtoras de valor"

A sua proposição de redução de custos da contratação formal aponta para a redução de direitos como forma de melhorar o nível de empregabilidade. Trata-se da vergonhosa panaceia mundial para o problema do desemprego estrutural.

Na verdade, a questão que se coloca não é a de melhorarmos nem piorarmos as condições do trabalho, mas sim a de superarmos o próprio trabalho enquanto principal categoria capitalista que é (e que hoje marcha cada vez mais para a obsolescência). 

O trabalho definha com seu móvel teleológico, a reprodução de capital, numa relação de causa e efeito.

O resto das proposições é o resto. Marina, definitivamente, acaso eleita, seria uma governante submissa à lógica capitalista, fragilmente impotente diante da monstruosa máquina estatal. Cedo cairia em popularidade, como se fora uma traidora das suas próprias intenções e convicções.    

Não vote. Mas, se isto não for possível, vote nulo. (por Dalton Rosado)
(continua neste post)

3 comentários:

SF disse...

***
Dalton,
Você está fazendo um ótimo trabalho.
Explicitar as contradições entre as propostas dos candidatos e a sua visão político/econômica, além de demonstrar a sua impraticabilidade é meritório.
Mas, se não quiser apenas nos doutrinar quanto à falibilidade do sistema democrático, poderia relativizar ou explicar logicamente por que devemos abdicar do nosso direito de votar.
Deixar de exercer um dos poucos direitos do cidadão, não me parece uma forma de luta válida.

Motta disse...

Brilhante análise. Só existem dois caminhos : ou se administra o capitalismo ou se romper com ele.

celsolungaretti disse...

Caro SF,

o exercício do voto nas democracias-burguesas é a mais sútil forma de enquadrar o cidadão nas amarras da institucionalidade burguesa, fazendo-o escolher dentre aquilo que já foi previamente escolhido ao mesmo tempo em que obtém dele uma legitimação institucional que promove a aparência do exercício de sua vontade libre e soberana. Um engodo historicamente tramado e que apareceu sempre como a alternativa correta (que não é) aos regimes ditatoriais mais assumidos.

A negação do voto (principalmente no Brasil onde ele é um “direito” obrigatório, ou seja, uma contradição implícita) é a manifestação explícita do inconformismo com toda a estrutura político-social do modo de produção burguês que ao longo de séculos tem promovido a segregação social que hoje se aprofunda mundo afora graças resultado inevitável de concentração do poder do capital no jogo/vida mercantil.

A negação do voto representa um não a isso tudo, enquanto o voto útil em candidatos credenciados e bem intencionados representa a criação de uma falsa expectativa de solução sob as bases capitalistas (aí incluída a esquerda do capitalismo de estado).

O voto está longe de ser um direito, pois representa uma farsa pela qual o capital domina e manipula as mentes populares pela via do processo eleitoral de legitimação político-institucional da segregação social que lhe dá sustentação.

Um abraço, Dalton Rosado

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