O EFEITO LIQUIDIFICADOR E OS
PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
Em qualquer país do mundo no qual a política dê acesso ao poder estatal, os partidos políticos supostamente representam as correntes de pensamento e posturas político-administrativas que norteiam as ações administrativas (ainda que se admitam candidatos avulsos, sem partidos, em alguns países).
Um vez alçados aos altos postos do Executivo, as diferenças ideológicas são confrontadas com a ditadura da ordem econômica e desaparecem, uma vez que todos as nações têm, hoje, as suas mediações sociais feitas a partir da forma-valor (dinheiro e mercadorias). De Nova York a Palmas do Tocantim, as pessoas acordam igualmente para trabalhar, ganhar dinheiro e, com isto, garantir o sustento material.
Todos estão submetidos ao fetichismo da mercadoria, de cuja complexidade e negatividade poucos cidadãos se apercebem, daí a positivação de um modo de produção irracional, destrutivo e autodestrutivo, comum a todas as ideologias que emanam das trevas de uma lógica mercantil negativa.
Entretanto, apesar de os governantes não governarem (uma vez que são governados por uma lógica de produção de valor que lhes dá ordens e pauta os seus comportamentos administrativos no sentido da preservação e desenvolvimento dessa mesma lógica), certamente há diferenciações de ações administrativas de cunho ideológico entre este e aquele na eleições de prioridades administrativas, bem como diferenciações no que diz respeito à orientação de comportamentos sociais e conceitos sobre vários assuntos.
Barack Obama discrepa de Donald Trump em questões de interesse internacional (como a negação do acordo sobre o clima de Paris), nacional (o tratamento aos imigrantes) e até quanto à repressão ou convívio com os opositores (que sempre existem, felizmente).
Tais distinções no exercício do poder político-estatal, ainda que tenham graves repercussões na vida social, são apenas cosméticas, uma vez que a questão de fundo permanece inalterada: o modo de produção social.
É devido ao modo de produção social capitalista (sistema de produção de mercadorias, de valor a partir do trabalho abstrato) que ocorre o processo de homogeneização dos comportamentos político-administrativos, aí também incluídos os estados ditos marxistas-leninistas. Uma vez no poder nada é mais keynesiano do que um liberal nos momentos de crise do sistema produtor de mercadorias, e nada mais liberal do que um keynesiano nos momentos de ascensão capitalista.
Os partidos políticos correspondem a uma necessidade de legitimação do acesso ao poder verticalizado expresso na acumulação crescente e inevitável da riqueza abstrata, aquela adquirida pela extração da mais-valia (privada ou estatal); e coincidem na aceitação da necessidade de um Estado para fazer o controle monetário e desempenhar as demais funções de manutenção da coerção tácita do sistema produtor de mercadorias e do mercado.
Dentro deste desiderato, os partidos políticos costumam ser assenhoreados pelos tipos mais mesquinhos de controladores burocráticos serviçais do poder econômico, ou por bandidos cujo único objetivo é o enriquecimento ilícito facultado pelo exercício do poder político do Estado.
BIPARTIDARISMO COPIADO DOS EUA
No Brasil a questão da formação político partidária, jungida sob a égide da ditadura de 1964/85 e, posteriormente, a partir da chamada abertura (meramente conciliatória), promoveu distorções de conteúdo programático que se refletem, hoje, na completa falta de identidade ideológica entre os nomes dos partidos; os seus programas; aquilo que ditos nomes deveriam representar; e o que efetivamente são.
Tudo começa com a criação da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido criado pela ditadura militar que abrigou os assumidos conservadores fisiologistas puxa-sacos dos fardados.
De renovadores os arenosos nada tinham, uma vez que sempre pertenceram à histórica e poderosa elite política brasileira, que instituiu a república com o apoio da caserna (o Brasil é o único país do mundo que derrubou a monarquia pela direita, a ponto de D. Pedro II ter sido mais liberal do que os militares republicanos brasileiros a serviço da elite política).
Como disfarce político da ditadura resolveu-se produzir uma cópia tosca do bipartidarismo estadunidense. Assim nasceu o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), para dar uma aparência de disputa e coexistência política democrática civil, embora qualquer veleidade de ele atuar como uma verdadeira oposição terminasse em fechamento do Congresso e cassação de mandatos.
A partir daí o MDB passou a cumprir a sua função de força auxiliar do poder vigente (ainda que tenha posteriormente abrigado facções ideológicas as mais distintas), função que preenche até hoje, num mimetismo político oportunista que o faz sempre adaptável ao interesse do capital, qualquer que seja o governante.
A abertura política ao pluripartidarismo obedeceu ao critério do controle da grande conciliação que anistiou torturadores e assassinos, terminando por impor ao povo brasileiro, como novo presidente da República, um estranho no ninho da redemocratização.
Ninguém menos do que quem presidira até pouco tempo antes o partido da ditadura (o Partido Democrático Social, PDS, que substituiu a Arena) e, abandonando o barco que afundava, filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, sucessor do MDB: o coronel dos sertões nordestinos em trajes civis e acadêmico imortal interminável José Sarney, peça importante da futura sustentação política do PT e sua famigerada política de conciliação de classe.
Ninguém menos do que quem presidira até pouco tempo antes o partido da ditadura (o Partido Democrático Social, PDS, que substituiu a Arena) e, abandonando o barco que afundava, filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, sucessor do MDB: o coronel dos sertões nordestinos em trajes civis e acadêmico imortal interminável José Sarney, peça importante da futura sustentação política do PT e sua famigerada política de conciliação de classe.
FEIOS, SUJOS E MALVADOS
Isto posto, veio o pluripartidarismo negociado na grande conciliação por cima, com as seguintes agremiações:
— o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), legitimado pelo general Golbery do Couto e Silva, que terminou por colocá-lo nas mãos de Ivete Vargas, uma politiqueira conservadora que em nada honraria o trabalhismo getulista e janguista. Assim, o PTB de hoje é conservador e usa as bandeiras do antigo trabalhismo como se fosse sua, num evidente trabalhismo made in Paraguay (que me perdoem os verdadeiros e honestos paraguaios).
Brizola perdeu a sigla PTB para a politiqueira Ivete Vargas |
Está nas mãos de Roberto Jefferson, antigo chefe da tropa de choque de Fernando Collor de Mello, com quem o PT foi posteriormente se conluiar para receber (bem feito!) uma punhalada nas costas: a denúncia do mensalão, com ele praticado.
Eis que, agora, o PTB volta ao poder, com a filha de Jefferson se tornando ministra do Trabalho. Pode? No Brasil pode;
— o Partido dos Trabalhadores (PT), que usa a estrela do socialismo e nasceu sob a égide do movimento operário, enchendo de esperanças ingênuas muitos combatentes da luta contra a exploração capitalista (eu, entre eles).
A partir da assunção ao poder estatal burguês, o PT, contudo, se metamorfoseou no mais legítimo representante da social democracia conciliadora com o alto empresariado, envergonhando todos os que não aceitam compactuar com o poder econômico, a vilania e a roubalheira generalizada, na mais conspícua tradição utilitarista ("os fins justificam os meios");
— o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), neoliberal. Abriga nas suas hostes tudo que há de mais conservador, que vai desde a Opus Dei, passando pelo grande empresariado nacional e desembocando em intelectuais e ex-militantes socialistas arrependidos;
— o Democratas (DEM), ex-Partido da Frente Liberal (PFL), no qual encontramos o que há de mais conservador na elite política brasileira. Seus membros, se fossem políticos estadunidenses, representariam a ala mais conservadora e reacionária do Partido Republicano;
— o Partido Comunista do Brasil (PC do B), que se diz centenário mas não passa de uma costela dissidente do antigo e quase secular Partido Comunista Brasileiro (PCB, o velho partidão). Ferrenho defensor do desenvolvimento econômico, ou seja, do capitalismo, está sempre pronto para apoiar partidos de esquerda que tenham o mesmo propósito, ou seja, dar sobrevida às categorias capitalistas trabalho, trabalhador, mercadoria, mercado, estado, política, etc., o que faria o Marx esotérico tremer na cova;
— o Partido Verde (PV), que supostamente teria como foco a defesa ambiental, mas nunca questiona o modo de produção capitalista (que é predatório da natureza por excelência) e tem nos seus quadros políticos proeminentes eleitoralmente mas sem nenhuma tradição na defesa da ecologia, que ali estão por mera conveniência e oportunismo eleitoral.
Os militantes realmente focados na questão ambiental sempre terminam por se desiludir com as práticas partidárias do PV, que estão longe de se coadunarem com o que programaticamente o PV se propõe a defender, e vão embora frustrados;
— O Partido Democrático Trabalhista (PDT), criado por Leonel Brizola depois de perder injustamente a sigla PTB para Ivete Vargas. Os laços que porventura ainda o ligavam ao trabalhismo brasileiro pré-1964 se romperam de vez quando Brizola morreu, em 2004. Hoje possui, nos seus quadros políticos, mais empresários do que trabalhadores; e tem prefeitos, governadores e parlamentares sem a mais remota identidade histórica com o trabalhismo.
Seria interminável a lista de partidos desprovidos de qualquer identidade programática e ideológica com seus nomes e estatutos, e que mais se parecem com bandos prontos para assaltar o erário público em tenebrosas transações, nunca recusando as ofertas para ajudarem a aprovar proposições legislativas anti-povo (ou seja, não passam de legendas de aluguel).
Os novos partidos de esquerda (Partido Socialismo e Liberdade, o Psol, e a Rede Sustentabilidade, ou simplesmente Rede) repetem a velha cantilena oposicionista sem compreender a gravidade da debacle capitalista e do seu Estado constitucional no momento de desequilíbrio entre a produção de novos nichos de trabalho (a menor) e a dispensa de grandes contingentes de trabalhadores (a maior), que causa o desemprego estrutural irresolúvel sob sua lógica, arrastando para a miséria grandes contingentes populacionais em meio ao fausto da riqueza abstrata cada vez concentrada.
Sem o quererem, ou mesmo perceberem, os sempre minoritários partidos de esquerda apenas legitimam o status quo vigente.
Na política as diferenças ideológicas sucumbem na simbiose do efeito liquidificador da homogeneidade patrocinada pelo fetichismo da mercadoria.
Até quando vamos iludir a nós mesmos? (por Dalton Rosado)
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