Lá pelos meus 16 anos, quando começava a me interessar pelo movimento estudantil, minha imaginação já voava longe.
Desencanei muito cedo do futuro insosso que meus pais e parentes projetavam para mim, pois fui me dando conta de que não queria formar-me engenheiro, ter casa própria na cidade e outra na praia, casar com uma esposa prendada, trocar de carro todo ano, etc.
O porvir sonhado pelos meus colegas de escola e pela turminha da rua Curupace mais me parecia um tédio infinito.
E cheguei até a elucubrar sobre como queria morrer, inspirado em leituras sobre a guerra civil espanhola, quando militantes de vários países se alistavam nas brigadas internacionais de apoio aos socialistas e anarquistas espanhóis, na heroica resistência que mantinham contra os fascistas de Franco.
Ingenuamente, acreditei que sempre haveria uma guerra tão justa assim à espera de mim, quando me sentisse velho demais para travar o bom combate.
Aliás, nunca imaginei que chegaria a septuagenário. Jamais me agradou a ideia de decair, de ficar sentado no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar, como o Raul Seixas tão bem definiria em Ouro de Tolo.
Aí, quando eu já estava com 51 anos, nasceu a Luana. E, de imediato, mandou para o espaço os planos que eu tinha de, no momento certo, escolher a minha morte.
Também depondo na auditoria da Marinha, um dia depois daquela foto famosa da Dilma |
Hoje seria complicado encontrar por quem valeria a pena eu morrer lutando (desfecho que eu considerava o mais apropriado para a minha trajetória).
Mas aí nasceu a Luana, minha primogênita. Nunca entenderei direito por que, na virada do milênio, me veio tamanha vontade de ser, finalmente, pai biológico. Imperativa a ponto de eu aceitar rapidamente a mudança de planos, assumindo a responsabilidade de tudo fazer para alongar a minha existência, pelo menos até que a minha garotinha encontrasse o seu caminho e o seu palco nesta vida.
A ironia em tudo isto é que a Lu, após ver o filme Ainda Estou Aqui, postou no Tik Tok um vídeo sobre a própria experiência de filha de militante e conseguiu chamar um bocado de atenção, tanto que a BBC News Brasil acaba de inclui-la numa reportagem (clique aqui p/ abrir) sobre quatro situações reais desse tipo.
Batizamos tais cartazes de imortais da Oban. Eu sou o sétimo da lista. |
A vida é uma história contada por um idiota, repleta de som e fúria, significando nada, disse Shakespeare.
Ainda assim, ela tem seus encantos. E ver como nossos filhos ressignificam (para usar um termo da moda) as memórias que lhes transmitimos é um dos mais gratificantes.
Até ajuda a nos conformarmos com a nova condição de já não estarmos abrindo nossos caminhos e pedindo passagem, mas sim reduzidos a espectadores, enquanto os jovens tomam o nosso lugar.
É como cantou o inesquecível Sérgio Ricardo: Disse o velho, eis aqui o fim de tudo, veio o moço e continuou. (por Celso Lungaretti)
5 comentários:
Querida Luana,
Você, como a minha Luanda (homenagem minha ao Agostinho Neto, de Angola), são agora protagonistas como escribas da historia honrada dos pais. Tenha(m) orgulho disso. Um beijo.
quarta-feira 4 de dezembro de 2024
https://082noticias.com/2022/03/15/gregorio-bezerra-armas-e-chocolates/
Celso, a sua filha tem a sorte imensa de ter um grande pai como você, um homem tão bondoso, tão justo e com a dignidade preservada.
Um abração para você, meu grande amigo!
Obrigado, meu caro Ângelo, mas eu também tive uma "sorte imensa": apostei num sonho meio tardio, consciente de que poderia dar errado, mas esperançoso de que conseguiria fazê-lo dar certo. Hoje sinto um imenso alívio ao constatar que a Lu se tornou ótima como filha e como ser humano.
Dizem que, quando queremos algo que será bom para nós e não vai prejudicar os outros,, o universo conspira em nosso favor,
Estou plenamente de acordo, Celso.
Sempre será inteiramente gratificante a maneira solidária como você nos ensina constantemente no blog, de jamais a gente pensar somente em nós mesmos.
Um abração!
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