segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

...VEIO A MOÇA E CONTINUOU!

L
á pelos meus 16 anos, quando começava a me interessar pelo movimento estudantil, minha imaginação já voava longe. 

Desencanei muito cedo do futuro insosso que meus pais e parentes projetavam para mim, pois fui me dando conta de que não queria formar-me engenheiro, ter casa própria na cidade e outra na praia, casar com uma esposa prendada, trocar de carro todo ano, etc. 

O porvir sonhado pelos meus colegas de escola e pela turminha da rua Curupace mais me parecia um tédio infinito.

cheguei até a elucubrar sobre como queria morrer, inspirado em leituras sobre a guerra civil espanhola, quando militantes de vários países se alistavam nas brigadas internacionais de apoio aos socialistas e anarquistas espanhóis, na heroica resistência que mantinham contra os fascistas de Franco. 

Ingenuamente, acreditei que sempre haveria uma guerra tão justa assim à espera de mim, quando  me sentisse velho demais para travar o bom combate.

Aliás, nunca imaginei que chegaria a septuagenário. Jamais me agradou a ideia de decair, de ficar sentado no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar, como o Raul Seixas tão bem definiria em Ouro de Tolo.

Aí, quando eu já estava com 51 anos, nasceu a Luana. E, de imediato, mandou para o espaço os planos que eu tinha de, no momento certo, escolher a minha morte. 
Também depondo na auditoria da Marinha, um dia depois daquela foto famosa da Dilma
Planos que, aliás, não eram mais tão fáceis de concretizar, porque as guerras deixaram de ser justas (viraram carnificinas hediondas!); e também porque sempre me repugnou a outra possível saída, o suicídio, tão dissonante das grandes esperanças que movem os revolucionários. 

Hoje seria complicado encontrar por quem valeria a pena eu morrer lutando (desfecho que eu considerava o mais apropriado para a minha trajetória).

Mas aí nasceu a Luana, minha primogênita. Nunca entenderei direito por que, na virada do milênio, me veio tamanha vontade de ser, finalmente, pai biológico. Imperativa a ponto de eu aceitar rapidamente a mudança de planos, assumindo a responsabilidade de tudo fazer para alongar a minha existência, pelo menos até que a minha garotinha encontrasse o seu caminho e o seu palco nesta vida.

A ironia em tudo isto é que a Lu, após ver o filme Ainda Estou Aqui, postou no Tik Tok um vídeo sobre a própria experiência de filha de militante e conseguiu chamar um bocado de atenção, tanto que a BBC News Brasil acaba de inclui-la numa reportagem (clique aqui p/ abrir) sobre quatro situações reais desse tipo.   
Batizamos tais cartazes de imortais
da Oban
. Eu sou o sétimo da lista.
 

Eis um desdobramento totalmente inesperado para mim. 

A vida é uma história contada por um idiota, repleta de som e fúria, significando nada, disse Shakespeare. 

Ainda assim, ela tem seus encantos. E ver como nossos filhos ressignificam (para usar um termo da moda) as memórias que lhes transmitimos é um dos mais gratificantes. 

Até ajuda a nos conformarmos com a nova condição de já não estarmos abrindo nossos caminhos e pedindo passagem, mas sim reduzidos a espectadores, enquanto os jovens tomam o nosso lugar. 

É como cantou o inesquecível Sérgio Ricardo: Disse o velho, eis aqui o fim de tudo, veio o moço e continuou(por Celso Lungaretti)

Um comentário:

Anônimo disse...

Querida Luana,
Você, como a minha Luanda (homenagem minha ao Agostinho Neto, de Angola), são agora protagonistas como escribas da historia honrada dos pais. Tenha(m) orgulho disso. Um beijo.

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