Tragédia maior do que as mortes, os refugiados, os dramas e os danos causados pelas enchentes no Rio Grande do Sul é a certeza de que, assim como praticamente nada se fez para atenuar o previsível impacto de tudo isso, nada se fará depois que o dilúvio gaúcho cessar e outro horror qualquer, em qualquer outro lugar do planeta, se tornar o assunto do momento.
Que o aquecimento global e as alterações climáticas produzirão cada vez mais e piores catástrofes passou a ser, já no século passado, um óbvio ululante. E não dá para continuarmos nos iludindo quanto ao fato de que o fim da espécie humana nos espera adiante, bem mais cedo do que supúnhamos. A única dúvida é quando, como e se há escapatória possível.
Bem vistas as coisas, a única esperança que resta é a de que uma ocorrência mais apocalíptica ainda enfim convença todos nós a enfrentarmos unidos nosso pior desafio desde que saímos das cavernas.
A pergunta que não quer calar é se tal ocorrência apocalíptica sucederá antes ou depois de as consequências cumulativas do aquecimento global se tornarem impossíveis de reversão.
Pois o pior pesadelo será sermos dizimados pelas catástrofes pipocando no mundo inteiro sem sequer vislumbrarmos uma chance de sobrevivência, como os condenados à morte que só esperam a data da execução.
Vou encerrar com uma autocrítica. Eterno otimista, cheguei a acreditar que a quase impossível (dada a desigualdade de forças) vitória conquistada pelo nosso lado em 2011 no Caso Battisti, contra os poderes avassaladores da imprensa burguesa e as pressões escandalosas de um país do 1º mundo, prenunciavam um cenário no qual a internet nos permitiria confrontarmos com êxito a lavagem cerebral da indústria cultural.
Hoje vejo que aquela foi apenas uma moeda que caiu em pé, com a web em seguida se revelando um ovo da serpente: amplificadora não do pensamento crítico, mas sim da ignorância, do egoísmo e dos preconceitos da maioria da população nesta sociedade reduzida a terra arrasada pela ganância capitalista.
A igualação não se deu por cima, como sonhei e tantos outros idealistas sonharam, mas bem por baixo, descendo até ao nível do esgoto bolsonarista.
E, como o simplismo panfletário das fake news é bem mais compreensível para os simplórios do que uma visão crítica dos fenômenos sociais, nunca tantos fizeram seus zurros ecoarem tanto e causando tantas distorções na vida social quanto nestes melancólicos tempos presentes. (numa linha próxima à minha, recomendo a leitura deste ótimo artigo do economista e filósofo Joel Pinheiro da Fonseca).
Paulo Francis, que morreu em 1994, cunhou a expressão inferno bocó (ou pamonha) para denominar o estado de embrutecimento a que foi reduzida a vida cultural na sociedade de consumo, à medida que a prioridade suprema passou a ser a de bajular o consumidor e espelhar suas limitações.
Não tinha ideia de quão imenso ainda viria a ser o retrocesso civilizatório. (por Celso Lungaretti)
2 comentários:
Some-se ao fenômeno climatico o assoreamento dos rios e as construções em terrenos alagadiços.
Rios mais rasos aumentam o riscos de enchentes acontecerem cada vez mais amiúde.
Obedecer, produzir, consumir...e morrer
https://youtu.be/pstgj9X1v9Q?si=cg2alNu-iT3RNxx8
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