Escancarou seu drama na web, em tuítes que chegaram a ser reproduzidos até pela grande imprensa. Eis um trecho:
"Eu caí. Eu caí legal. E estou lá... no fundo do poço, com 20cm de fezes, que não é suficiente pra me afogar, mas o suficiente pra querer afogar".
E agradece aos que o estão ajudando a atravessar a depressão: famílias, amigos, leitores que lhe mandam mensagens, etc., etc., etc.
[Ah, meu Deus, o que será de nós se o famoso influenciador digital morrer? O Brasil jamais será o mesmo...]
Só que, adiante, ele esnoba essa esdrúxula mobilização (nunca tantos se incomodaram tanto com tão pouco) e diz que está sendo salvo mesmo é pelos médicos:
"Nada disso estaria realmente funcionando se eu não estivesse com acompanhamento psiquiátrico psiquiátrico e medicação"
Eu também lamento imensamente... o estado de emburrecimento a que o Brasil chegou, capaz de ter como grande atração televisiva um programa voyeurista que explora a compulsão sórdida de espiar-se a intimidade alheia, com a câmara servindo durante meses e meses como buraco de fechadura; e de dar uma importância tão absurdamente desmesurada a episódios como o que o Felipe Neto está atravessando e pelos quais todos nós também passamos.
Antes o que nos chegavam eram testemunhos de quem conseguia extrair de suas dores verdadeiras obras-primas, e não dos que fizessem dissertações sobre a merda. Nas mãos, p. ex., dos grandes Geraldo Vandré, Jacques Brel, Luiz Vieira, Eric Clapton e Chico Buarque, esses dramas se tornaram canções lancinantes como estas abaixo:
"Ah, eu vou voltar pra mim, seguir sozinho assim, até me consumir ou
consumir toda essa dor, até sentir de novo o coração capaz de amor"
.
"'Não me abandone, eu não vou mais chorar, eu não vou mais falar.
Me esconderei aqui, só para te ver dançar e sorrir.
E para te ouvir cantar e depois rir"
.
"Tanta coisa lhe disseram, como esse mundo é ruim! Pensaram
tanto em você, mas ninguém desejou ver o que acontecia a mim"
.
"Como um tolo, me apaixonei por você, você virou meu mundo inteiro de
cabeça pra baixo. Layla, você me deixou de joelhos, Layla. Estou implorando
querida, por favor, Layla, querida, você não acalmará minha mente agoniada?"
.
"Trocando em miúdos, pode guardar as sobras de tudo que chamam
lar, as sombras de tudo que fomos nós, as marcas do amor
nos nossos lençóis, as nossas melhores lembranças"
.
Juro que tento com todas as forças acreditar que o povo brasileiro ainda despertará de suas seculares resignação e apatia.
Mas foi exasperante vê-las chegarem ao ápice na pandemia de covid, quando um presidente com gritantes traços de insanidade mental, ao sabotar a imprescindível vacinação, levou à morte cerca de 200 mil pessoas que, inexistindo tal negacionismo infame, teriam sobrevivido... e nem assim houve a reação popular que se impunha face a tão medonho extermínio!
O que se pode esperar de quem não reage nem para salvar a própria vida e a dos seus entes queridos?
E de quem continua interessado em chororô de famosos quando seu país está entrando no olho de um furacão? (por Celso Lungaretti)
Observações: "Layla" não é exatamente uma canção sobre o sofrimento de uma separação e sim do de um amor não correspondido. Mas, é tão bela e tocante que a resolvi incluir.
Jacques Brel em 1966 |
Daí a insistência de todo o círculo familiar e de amigos daquela moça de classe média pela qual ele se apaixonou, os quais não desistiram até conseguirem afastá-la dele. "Pensaram tanto em você, mas ninguém desejou ver o que acontecia a mim."
E, como eu queria evidenciar principalmente as letras, usei uma versão de "Ne me quites pas" bem posterior ao momento em que Jacques Brel estava em cacos. Mas, quem quiser ver sua emoção em 1966, no calor dos acontecimentos (só que com legenda em inglês), clique aqui e assistirá a uma das performances mais dolorosas que eu conheço. (CL)
2 comentários:
Celso, creio que o genocida somente sairá pela eleição, não por impedimento, não por mobilização (parece que já foi esquecida a CPI).
Muito bom o artigo, parabéns pela crítica, pela indignação. Acompanho sua página há muitos anos, parabéns e obrigado por todo esse tempo. Um abraço.
João Batista (Juiz de Fora)
João Batista,
se as leis do país fossem pra valer, ele realmente não sairia ao longo do ano. Mas, se há uma coisa que eu aprendi acompanhando a política brasileira por mais de meio século, é que elas não são.
Então, se o custo Bolsonaro, para os poderosos, se tornar alto demais, eles darão um jeito de afastá-lo.
E, ao contrário do que os jornalistas da grande imprensa são obrigados a fingir que acreditam, a situação econômica está insuportável para os coitadezas e a explosão social é uma hipótese bem concreta para este ano.
Há muita coisa para acontecer antes da eleição. Eu digo nesta o que sempre disse nas outras, desde que acompanhei pela Agência Estado, de cabo a rabo, a de 1989: o quadro só começará a se definir em agosto, após as férias escolares.
Um abração!
Postar um comentário