segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

A REVOLUÇÃO NA LIBERTÂNIA – 1

Corria o ano de 2068. 

Libertânia é a quinta nação da Terra em extensão territorial, com cerca de 8,5 milhões de km² e uma costa marítima que vai da linha do Equador até os confins do extremo sul, proporcionando-lhe uma grande variedade de solo, biomas e variedades climáticas.

Trata-se, portanto, de um país-continente e autossuficiente em recursos naturais. 

Populosa e com razoável grau de escolaridade, a Libertânia agora havia incluído no currículo escolar a crítica à forma-valor (dinheiro e mercadorias); assim, a sua população tinha adquirido a consciência sobre a negatividade do trabalho abstrato e já se formulava a crítica à mercadoria força de trabalho como a primeira e primária célula constitutiva do capital. 

Em razão dos danos causados pelas mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, com a temperatura chegando a 2°C (em 2022 era de 1°C), o nível dos oceanos subira em meio metro.  As cidades litorâneas haviam sido atingidas fortemente, com muitos dos luxuosos edifícios da orla marítima tendo suas bases e apartamentos dos andares inferiores completamente submersos, tornando-se inabitáveis.

Haviam sido infrutíferos os acordos políticos internacionais de barrar a emissão na atmosfera do CO² que provoca o efeito-estufa. A economia capitalista predadora impusera a sua lógica ecocida à política, submetendo-a aos seus caprichos. 

As imagens, meramente ilustrativas, são da série coreana
"Round 6", também conhecida como "Squid Games"
Em muitas regiões do país as águas oceânicas haviam invadido espaços urbanos e rurais, submergindo cidades inteiras que se situavam a poucos metros da linha do mar. O mundo padecia das mesmas agruras.

Com milhares de residências inundadas por todo o país, agravou-se o problema habitacional causado pelo pesado custo da terra (que havia se valorizado) e dos materiais de construção (inacessíveis ao padrão médio de renda dos assalariados do país, que cada vez se reduzia mais).

Ainda se vivia sob a égide de produção de mercadorias e, ainda que tivesse havido uma certo rigor com a taxação das grandes fortunas, o Estado estava cada vez mais falido: o dinheiro arrecadado com impostos mal pagava os juros da dívida e a manutenção das forças militares cada vez mais numerosas, ociosas e dispendiosas (dados os elevados custos armamentistas visando à manutenção da opressão interna).  

O Estado passara a ser uma força militar cada vez mais opressora e intervencionista no combate às manifestações de ruas; os presídios já abrigavam mais presos políticos do que criminosos comuns, os quais também haviam aumentado, em razão do crescimento da criminalidade.

Mas o grande problema era a desertificação das extensas áreas do seu território que haviam se tornado desabitadas, com a migração de sua população para as áreas férteis ainda existentes e aumentado a densidade demográfica das cidades situadas em locais mais altos e imunes às enchentes.

O parlamento, mais do que nunca, era o bunker dos representantes políticos da elite econômica, os quais eram eleitos pela minoria que ainda se dispunha a votar nas eleições democrático-burguesas. 
Já se questionava a sua legitimidade regulamentadora e legisladora, de vez que a maior parte da população, desencantada com as instituições, não comparecia às urnas ou votava em branco ou nulo.

A democracia burguesa era contestada tanto pelo ultraconservadores que queriam o Estado cada vez mais ditatorial, forte e opressor, como pelos emancipacionistas que ganhavam espaço com suas teses de superação da relação social existente.

Em razão da inflação causada pela emissão de moeda sem lastro, a vida social sob a égide do dinheiro e das mercadorias se reduzira substancialmente, daí o surgimento espontâneo de nichos de produção comunitária destinada à distribuição gratuita e suprimento da numerosa população vítima do desemprego estrutural (causado pelo uso cada vez mais ostensivo da tecnologia aplicada à produção de mercadoria em face da guerra concorrencial de mercado).

O sistema bancário mundial entrara em colapso como consequência de um processo de inadimplência estatal dos títulos governamentais, somente tendo sobrevivido os Bancos Centrais estatais, mediante a emissão de moeda sem lastro. As poupanças e investimentos foram congelados e os rentistas entravam em desespero.

As bolsas de valores haviam fechado as portas em face dos prejuízos contínuos causados aos investidores em ações: eles tentavam vendê-las a qualquer preço, mas não conseguiam compradores. 

Os emancipacionistas, antes tidos por muitos como visionários fora da realidade, agora ganhavam adeptos que se incorporavam ao processo de produção sem remuneração em dinheiro e destinada à distribuição gratuita. 

Eram fortes os laços de solidariedade que se formavam ao redor dos que produziam os mais diferentes objetos de consumo, entregando-os gratuitamente aos que deles necessitavam. 

As forças militares do governo combatiam a produção e distribuição gratuita dos bens de consumo confiscando-os nas ruas e os destinando ao alimento dos presos e contingentes militares, de modo que tanto a produção como a distribuição era feita de forma semiclandestina (o Estado fazia vistas grossas a tal produção e preferia confiscá-la do que extingui-la). 

O novo modo de produção aos poucos ganhava espaços sociais e os trabalhadores assalariados que ainda permaneciam sob o tacão da extração de mais-valia, já eram vistos como fura-greves. (por Dalton Rosado  continua neste post)
Outra composição do Dalton na voz da Graça Santos

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