A irracionalidade coletiva tem amiúde se manifestado historicamente, contrariando a máxima segundo a qual a voz do povo é a voz de Deus.
Não foi a voz do povo que condenou Jesus Cristo à morte por crucificação?
Não foi a voz do povo alemão que elegeu e apoiou Adolf Hitler, endossando seu discurso de ódio e a entronização de todo um retrocesso civilizatório na culta e disciplinada Alemanha?
Não é o povo que aceita participar da guerra e matar outros seres humanos que sequer conhece?
Não é o povo que, com memória amnésica, acredita nos políticos salvadores da pátria e sua cantilena de que atuariam como paladinos do combate à corrupção com o dinheiro público?
Não é um grupamento de fanáticos religiosos que aceita cometer suicídio coletivo como forma de abreviar a chegada ao reino dos Céus, como fizeram na Guiana os devotos de Jim Jones?
Não é o povo que chama de burro o técnico de futebol ou outro esporte qualquer quando não entrega os resultados ansiados, depois de ainda na véspera se referir a ele como um gênio da raça?
A verdade é que Deus deve sentir-se muito mal representado ao tomarem como dele a voz da irracionalidade coletiva. Certamente deve ter sido por isso que seu filho mandou que atirasse a primeira pedra na mulher na mulher adúltera aquele que nunca tivesse pecado...
Assim, resolvemos analisar alguns comportamentos de indivíduos sociais ou da coletividade que se constituem nas mais simbólicas e incontestáveis provas de irracionalidades coletivas aceitas como naturais e como tal absorvidas consensualmente (com uma ou outra vozes discordantes).
A IRRACIONALIDADE DO TRÂNSITO – Nas grandes cidades mundo afora, o tempo de deslocamento de uma lugar para outro é irritantemente lento em razão dos congestionamentos de veículos.
Com o desenvolvimento da indústria automobilística e sua irracional preservação como fonte de produção de valor, um único indivíduo ocupa com seu carro o espaço diminuto das ruas e avenidas, engarrafando-as e dificultando o ágil fluxo de transporte.
Ao invés de usarem-se de um ponto a outro somente veículos grandes que possam transportar confortavel e rapidamente muitas pessoas ao mesmo tempo (caso dos ônibus e metrôs), os endinheirados fazem questão de dirigir o seu próprio veículo, ainda que isto implique o estresse causado pela paralisia do tráfego e prejuízo coletivo (contraditoriamente, sob o capital tempo é dinheiro...)
Tal irracionalidade obedece ao interesse econômico de uma lógica de mediação social saturada, mas que insiste em permanecer vigente, mesmo com o combustível desses veículos que se arrastam pelas vias congestionadas provocando o efeito estufa, causa cientificamente comprovada do aquecimento global.
Há toda uma engrenagem de produção de valor (forma de mediação social em si irracional) que envolve a disponibilização de peças de reposição, baterias, pneus, postos de combustíveis, etc., impingindo ditatorialmente à coletividade a aceitação de tamanha destrutibilidade social e vital, bem como a irracionalidade contida em tal comportamento.
O homem dito moderno da sociedade da mercadoria é tão lento no seu deslocamento quanto o era o que só dispunha de carroças; trata-se de uma regressão comportamental, agora acrescida de um ecocídio irracional.
A NEGAÇÃO AO USO DE VACINAS – Se um camponês analfabeto diz que ao ser vacinado alguém vira jacaré, todos riem, atribuindo tal diatribe à ignorância do pobre coitado.
O atraso na compra de vacinas e o uso preventivo de remédios sem eficácia como a cloroquina fez aumentar em mais de 200 mil pessoas o número de vítimas fatais, configurando-se mesmo como um genocídio, que é a morte de grandes contingentes humanos por ação ou omissão voluntária de quem a provocou.
Não há como inocentar-se Boçalnaro, o ignaro desta culpa, que certamente o fará ser lembrado para sempre como um Vlad Dracul empalador ou como um Átila flagelo de Deus....
Além de causar tal genocídio, o negacionismo com relação às vacinas (cuja eficácia hoje se evidencia na diferença gritante entre o número de casos de covid em cidades com vacinação eficiente como São Paulo e nas governadas por prefeitos obtusos e fanáticos) é uma burrice governamental sem tamanho.
Ao negar o necessário look-out, desaconselhar o uso de máscaras, distribuir o inócuo kit covid e promover insensatas aglomerações dia sim, outro também, ele acabou agravando o problema: a economia parou!
Mas só com muito custo parte dos seguidores de pretenso mito, os chamados bolsominions, abandonaram as teses suicidas do seu guru, e muitos se vacinaram às escondidas. É que o ser humano tem um instinto de sobrevivência que às vezes ganha de sua irracionalidade obtusa. Ainda bem.
Mas não é só aqui que a negação da vacina ganhou adeptos. Nos Estados Unidos, país que tem vacinas para si e para dar aos outros, e ainda paga bônus a quem quiser se vacinar, tem uma parte da população que se recusa a fazê-lo. É graças a isso que por lá as mortes continuam renitentes, ainda que em números bem menores do que no auge da pandemia, quando Trump também sabotava a vacinação.
Negar a obviedade dos efeitos benéficos da vacina, principalmente quando tal negação vem de quem tem a responsabilidade governamental de defendê-la, ou corroborar a negação por parte de profissionais da medicina, desconhecendo-a como modo profilático social, é crime de responsabilidade. Não há outro nome.
É graças à sua descoberta que não temos mais ninguém padecendo a discriminação de que são vítimas os atingidos por tal enfermidade. Os cientistas descobridores das vacinas são os verdadeiros heróis contra o negacionismo e a obtusidade coletiva insanos. (por Dalton Rosado)
"That's All Right Mama", de Arthur krudup, na versão do Dalton
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