CERCO DO CENTRÃO E DO JUDICIÁRIO ESCANCARA
FRAGILIDADE DO GOVERNO BOLSONARO
O matrimônio de Bolsonaro com o centrão evoluiu para o estágio do patrimônio no instante em que o presidente, eleito como político antissistema, entregou as chaves de sua Casa Civil ao sistêmico senador Ciro Nogueira. Na cerimônia em que Nogueira apossou-se da alma do governo, a tropa do centrão, chamada de escória por Bolsonaro em 2018, tomou de assalto os salões do Planalto.
O novo ministro apresentou-se como amortecedor de um presidente que, cercado pelo Judiciário, precisa de para-choques. Enfraquecido, Bolsonaro pagará um preço alto pela governabilidade que lhe foi oferecida pelo centrão. Como de costume, a conta será espetada no déficit público, eufemismo para bolso do contribuinte.
A formalização do relacionamento de Bolsonaro com o centrão foi celebrada numa festança realizada na casa do ministro Fábio Faria (Comunicações). O grupo tinha razões para celebrar. Enxerga no derretimento do governo uma oportunidade a ser aproveitada. Horas antes, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, incluíra Bolsonaro no rol de investigados do inquérito sobre fake news.
— três no Supremo, onde correm também os inquéritos sobre o aparelhamento da Polícia Federal e a suspeita de prevaricação no caso Covaxin;
— outros três no TSE, onde tramitam o recém-aberto inquérito das mentiras sobre urnas eletrônicas; e
— um par de pedidos de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.
A despeito do cerco, Bolsonaro não se deu por achado. Dobrou a aposta numa entrevista à rádio Jovem Pan:
"Não vai ser o inquérito, agora na mão do senhor querido Alexandre de Moraes, para tentar me intimidar. Ou o próprio, lamento, o TSE tomar certas medidas para investigar, me acusar de atos antidemocráticos... Eu posso errar, tenho direito a criticar, mas não estamos errados".
O presidente chamou de ilegal o inquérito sobre notícias falsas, aberto pelo então presidente do Supremo, Dias Toffoli, sem ouvir o Ministério Público. E ameaçou reagir fora dos limites da Constituição.
O processo "está dentro das quatro linhas da Constituição?", indagou Bolsonaro. Ele mesmo respondeu: "Não está". O complemento como que embalou os brindes erguidos pelo centrão na festa noturna que se seguiu à posse de Nogueira:
"Então, o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição. Aqui ninguém é mais macho do que ninguém".
A valentia do capitão elevará o preço do apoio dos coronéis da tropa da escória. Bolsonaro avalia que pode comprar brigas à vontade porque tem o centrão. Engano. Agora, o centrão é que tem o presidente. Bem pago, oferecerá a Bolsonaro a ilusão de que preside. Desatendido, fechará a conta.
O capitão, que agora admite que sua alma sempre foi do centrão, apenas cuspia num prato em que o grupo não permitiu que ele comesse. Na semana anterior, frustrara-se a tentativa de firmar aliança com o PL. Planejava-se fazer do então senador Magno Malta o vice de Bolsonaro. Mas o ex-presidiário e mensaleiro Valdemar Costa Neto, dono do PL, preferiu se entender com Alckmin.
Mandachuva do PP, legenda que frequentou o topo do ranking de encrencados da Lava Jato, o agora ministro Ciro Nogueira, ele próprio um cliente de caderneta da operação anticorrupção, também cedeu o tempo de propaganda eleitoral do seu partido para o tucano Alckmin. Nesta 4ª feira (4), Valdemar era uma das estrelas da posse de Ciro.
Há três anos, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, cantarolava na convenção em que Bolsonaro tornou-se candidato ao Planalto pelo PSL: "Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão..."
Na invasão do centrão à sede do governo, o general Heleno trocou um animado dedo de prosa com dois coronéis da desonestidade: o novo colega Ciro e o presidente da Câmara Arthur Lira. A cena teve uma aparência de rendição.
No DNA do centrão está gravada a expressão é dando que se recebe. Retirada da oração de São Francisco, passou a simbolizar uma prática profana: a exigência de vantagens –lícitas e, sobretudo, ilícitas– em troca de apoio político no Legislativo.
Quem lançou a moda foi o deputado Roberto Cardoso Alves (1927-1996), do PMDB de São Paulo. Robertão, como era conhecido na intimidade, inaugurou a facção franciscana do fisiologismo em março de 1988.
Na época, o Congresso Constituinte discutia a prorrogação do mandato do então presidente José Sarney para cinco anos. Foi dando que Sarney recebeu. A moda perdura até agora.
No intervalo de três décadas, o vocábulo governabilidade ganhou um sentido gangsterístico. Virou um outro nome para corrupção. Serve de álibi para que políticos invadam os cofres públicos. A anomalia marcou todos os governos desde a redemocratização. Ganhou escala industrial sob Lula e Dilma.
Imaginou-se que a Lava Jato encurralaria o pedaço mais arcaico da política. Em maio de 2016, quando tomou posse, Michel Temer disse, em discurso: "A moral pública será permanentemente buscada" no meu governo. Afirmou que a Lava Jato, referência no combate à corrupção, teria "proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la".
As palavras de Temer viraram pó. Ou lama. Candidato, Bolsonaro enrolou-se na bandeira da Lava Jato. Eleito, levou para sua equipe Sergio Moro, símbolo da força-tarefa de Curitiba.
Hoje, Moro foi reduzido à condição de um ex-juiz cuja atuação nos processos contra Lula foi sentenciada como suspeita pelo mesmo Supremo que processa Bolsonaro depois de devolver o ex-presidiário do PT ao jogo eleitoral de 2022, lavando-lhe a ficha suja.
Seis anos de combate à corrupção fizeram do Brasil o local ideal no mapa para o surgimento de um país eticamente renovado. Imoralidade não falta. Ao sedimentar seu relacionamento com o centrão sem levar à vitrine nada que se pareça com interesse público, Bolsonaro escancara sua fragilidade.
Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro declara guerra ao mundo. Em sua penúltima incursão, guerreia contra a estabilidade da democracia.
Pela lógica, um governante que derrete deveria buscar aliados e evitar brigas. Mas a única lógica que Bolsonaro conhece é a lógica do confronto.
Essa obsessão pela guerra tem suas raízes nos 28 anos de exercício de mandato parlamentar. O problema é que, na Câmara, o custo do destempero e dos xingamentos de Bolsonaro limitava-se ao desperdício de verbas públicas com o pagamento do seu contracheque e com as rachadinhas proporcionadas pela estrutura administrativa do seu gabinete.
Na Presidência da República, o custo é mais alto. O centrão faz festa porque sabe que, nesse tipo de conjuntura, não perde por esperar. Ganha! (por Josias de Souza)
Bem que o Raulzito profetizou: "Vai cair!"
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