Não é preciso gastar latim para o que já foi suficientemente abordado neste blog a respeito das responsabilidades neste processo, incluindo aí a corresponsabilidade da dita oposição.
Gostaria de focar em outro elemento condutor da presente crise: o ensimesmamento sistêmico dos atores políticos e sociais do país. Dito de outro modo, no fato de cada um olhar apenas para o próprio umbigo e não para a totalidade social.
Ao final de um clássico da nouvelle vague francesa, O bando à parte, Goddard coloca na boca de um dos personagens a constatação de que a sociedade parecia ser uma série de indivíduos separados, os quais jamais chegavam a formar uma totalidade.
O Brasil de 2021 está vários passos à frente desta situação do período representado pelo filme. Nunca tendo chegado a formar um senso robusto de coletividade tal qual a francesa, o país caí no poço do selvagem cada um por si, no qual a mortandade pela Covid é vista como parte da paisagem.
Cada grupo social, força politica ou instituição busca apenas alavancar ou preservar os próprios interesses.
A elite econômica quer apenas aprovar reformas, aprofundar a superexploração dos trabalhadores e empilhar cada vez mais dinheiro em paraísos fiscais.
O Congresso Nacional esforça-se para satisfazer os desejos da elite e salvar o próprio pescoço.
A mídia fiscaliza se o teto de gastos está sendo respeitado pelo Orçamento ou não.
Os militares tentam e não conseguem encontrar um denominador comum entre a preservação de suas boquinhas governamentais e a preservação da imagem das Forças Armadas.
A oposição se preocupa com a corrida eleitoral.
Os juízes do STF ocupam-se de atender os pedidos de seus padrinhos.
Governadores e prefeitos fazem o possível para contemplar os interesses de comerciantes e donos de escolas particulares.
O PGR mira uma vaga no STF.
Vereadores se empenham em agradar pastores.
Acadêmicos sonham com a multiplicação das bolsas e das verbas.
A esquerda se preocupa com o BBB.
E assim vão morrendo milhares por dia, com alguns resmungos ali, lamentações acolá, mas nenhuma iniciativa concreta. Ação efetiva apenas em busca dos interesses localizados.
Paulo Arantes já falava há anos, quando a pandemia era apenas uma possibilidade teórica, que os vínculos sociais no Brasil hoje são mediados apenas pelo dinheiro. Evangélicos, eruditos, burgueses, trabalhadores, desempregados, católicos, políticos, etc., não se enxergam mais como parte de um país. O outro só lhes aparece enquanto um intermediador do fluxo de dinheiro.
Isto certamente explica o que vivencíamos hoje e a lógica ensimesmada de cada agrupamento social e político. No fundo, cada qual destes grupos apenas entra na arena social para reivindicar a sua parte.
A chamada carta dos economistas ja deixou isto bem claro: só haverá consternação quando a matança interferir no ganho. Enquanto morrer de Covid for financeiramente neutro, cada grupo social permanecerá indiferente. No máximo, uma nota de repúdio.
Diante disto, é necessário nos perguntarmos: ainda existe um país chamado Brasil ou todos seremos tão somente partes de um junta-junta arbitrário? (por David Emanuel Coelho)
2 comentários:
Boa noite, David, tudo bem?!
Um Parabéns, de quem lê regularmente,
sua excelente e interessante definição
da "árvore genealógica" social atualmente.
Abraço, do Hebert.
Bom dia, Hebert. Obrigado pelo elogio! Abs!
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