O primeiro Comício das diretas-já levou 300 mil pessoas à Praça da Sé – mesmo local em que os paulistanos iriam acompanhar e torcer em vão pela aprovação da emenda, três meses depois |
Talvez a indagação seja mais fácil de responder no caso brasileiro: foi em 25 de abril de 1984.
Era uma noite úmida e estávamos na Praça da Sé, esperando o País renascer. A Câmara Federal apreciava a Emenda Dante de Oliveira e um gigantesco placar fora erguido para permitir o acompanhamento voto a voto.
Antes, ouvimos discursos e mensagens augurando vitória. Depois, foi a derrota que se desenhou aos poucos, enquanto a garoa aumentava. Por fim, o longo caminho de volta para casa. Uns poucos exaltados e querendo briga, os outros cabisbaixos, sem ânimo para mais nada.
As músicas, as passeatas, as concentrações-monstro na Sé e no Anhangabaú, o amarelo que usávamos nas roupas para simbolizar a adesão às diretas-já... tudo em vão. Algumas centenas de deputados haviam permanecido alheias à vontade nacional.
Sairíamos da ditadura pela porta dos fundos, como parece ser nossa sina. Do descobrimento do que já se sabia existir à independência para inglês ver, todos os momentos solenes da nossa História têm um quê de farsa e bufonaria. Mas, por Deus, daquela vez quase todos fizeram sua parte!
No rescaldo da derrota entraram em cena os profissionais – conforme anunciou Tancredo Neves, aludindo a si próprio e a seus iguais.
E, se poucos votos faltaram para o restabelecimento imediato das eleições diretas, muitos apareceram para ungir, por via indireta, o candidato da Aliança Democrática.
É claro que, no primeiro caso, os congressistas eram convidados a abrir mão de seu próprio cacife; e a segunda ocasião significava a hora das recompensas. Que foram prodigamente distribuídas.
Não entrarei no mérito do Governo Sarney e da lenta agonia que consome até hoje a democracia brasileira, como se o nascimento espúrio tivesse lançado uma sombra sobre o seu futuro. Mas, quero deixar registrada – mesmo que tanto tempo depois – minha indignação com o aborto de uma esperança.
Apesar da expressiva maioria em favor da emenda Dante de Oliveira, ela não atingiu os 2/3 necessários |
Nossa elite é sui generis: incapaz de formular um projeto nacional e de se unir em torno dele, alcança invejável coesão quando se trata de resistir às pressões que vêm de baixo.
De empresários a políticos, passando por sindicalistas e acadêmicos, todos têm em comum a obstinação em não deixar a peteca escapar-lhes das mãos.
Daí o desencanto e o niilismo que grassam entre nosso povo. Quem ouve a voz das ruas sabe que o cidadão comum não confia verdadeiramente em nenhuma força do espectro político. Nenhuma.
E isto se deve, dentre outros motivos, ao balde de água fria sempre atirado no ânimo da multidão, como a garoa a nos castigar naquela noite em que acompanhamos mais uma traição à promessa de um futuro altaneiro, e voltei para casa sem palavras de amor para minha mulher nem paciência para ninar a criancinha, pois trazia a certeza, e os eventos posteriores só viriam confirmá-lo, de que naquele momento o Brasil tinha se f... (artigo divulgado por Celso Lungaretti no 10º aniversário da rejeição da emenda das diretas-já)
Um comentário:
Caro Celso
Que Ruy Castro, o que! Hoje na Folha:
'Era uma vez um país do futuro' do Prof. Dr.Rogério Cezar de Cerqueira Leite
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/04/era-uma-vez-um-pais-do-futuro.shtml
Abraços
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