O ESTADO E SUAS FORMAS OPRESSORAS
Podemos perceber na obra de Karl Marx e Friedrich Engels não só a grandeza dos ensinamentos, mas também um erro estratégico que embute uma contradição. Esta é a parte que qualifico de marxismo tradicional.
Mas, como não devemos jogar o bebê fora com a água do banho, o melhor é aproveitarmos tudo de inovador e genial que a crítica da economia política marxiana oferece e que, até hoje, pode nos ajudar a solucionarmos grandes impasses.
Com seu erudito embasamento filosófico, que aproveitou as lições da filosofia de Hegel despojando-as do idealismo pernicioso ali contido, Karl Marx fez uma profunda análise dos mecanismos da relação social fundada na forma-valor (mercadoria dinheiro, representação abstrata da própria abstração valor, e mercadorias sensíveis, corporificadas num objeto com valor de uso e de troca, além da mercadoria serviço, que nada mais é do que trabalho abstrato também mensurado pelo valor) para fazer a correta dissecação anatômica de sua essência, para dela derivar as conclusões que hoje se confirmam.
O erro estratégico foi acreditar que estaríamos no caminho correto para o fim colimado pelo processo revolucionário armado:
— conduzido por um partido pretensamente admitido como da classe operária;
— pretensamente entronizando a classe operária no poder estatal; e
— estruturando o Estado como dono de todos os meios de produção.
Assim, eliminando-se a propriedade privada imediatamente (mas não a propriedade como instituto jurídico-econômico, que assim apenas passaria ao Estado) e, portanto, conservando-se as categorias capitalistas sob o pretenso comando operário, caminharíamos paulatinamente para a superação de suas categorias e caminharíamos para a sociedade comunista, sem as ditas cujas e sem classes sociais distintas.
O que se viu foi o feitiço virando contra o feiticeiro.
As categorias capitalistas sob as rédeas do Estado totalitário e do Partido Comunista caminharam no sentido inverso ao programado por Marx e, embora tenham resgatado a Rússia e a China do seu milenar atraso com relação ao ocidente industrializado, transformaram tais países em potências capitalistas de mercado, conservando a divisão de classes.
Assim, a União Soviética e a China terminaram por não se diferenciarem daquilo que se dizia combater (o capitalismo) e se enquadrando na hipótese de colapso futuro de toda a lógica capitalista, vaticinada pelo próprio Marx.
Ora, se Marx previu o colapso do capitalismo, se não pela revolução proletária, mas pelos seus próprios fundamentos, é evidente que a manutenção da lógica capitalista por um Estado pretensamente proletário sob uma forma política vertical e totalitária, e sem retirar do seu próprio organismo as categorias capitalistas, estaria contaminado pelos vírus da mesma doença que deveria curar.
Mas, não se pode combater o mal social mantendo-se intacta a natureza do dito cujo, ainda que sob outra forma política de governo.
Comprovado está que a revolução armada abrupta, cirúrgica, como a que foi levada a cabo eficazmente por Lenin, necessitava de um poder Estatal armado de igual monta para se contrapor à contrarrevolução ainda viva e com capacidade de reação, e isto implicava a remuneração do contingente humano do exército, armamentos e instalações, que, por sua vez, acarretavam expressivos gastos em dinheiro no pós revolução imediato.
Os dispêndios militares vultosos, remunerados em dinheiro, representavam apenas uma face do problema, já que todo a máquina estatal aumentada exigia gastos ainda mais volumosos e que não podiam ser eliminados imediatamente sem dinheiro. Uma coisa alimentou a outra.
Tanto é assim que Lenin criou, no seu curto período de vida pós-revolução (até 1924), e premido pela fome e guerra contrarrevolucionária, a Nova Política Econômica, depois imposta por Stalin com mão de ferro, e que nada mais era do que a flexibilização mercadológica interna como forma de superar o atraso russo nos vários campos do conhecimento e combater os problemas do período de transição.
Isso demonstra que a verdadeira revolução deverá ser coletiva, operando-se em termos mundiais gradualmente, e feita a partir de comportamentos que, tangidos pelas necessidades objetivas e discernimentos teóricos, escapem da imanência capitalista.
Por exemplo, um blog como o Náufrago da Utopia, que se mantém sem concessões ao capital, é um belo exemplo de postura verdadeiramente revolucionária; e a junção teórica com exemplos práticos de negação da imanência capitalista é a chave da verdadeira revolução.
Não estamos falando de reformas dentro da estrutura capitalista, como estão a fazer os sindicatos que se unem no Brasil de hoje para reivindicar a derrubada do veto de Boçalnaro, o ignaro (por sugestão de Paulo Guedes e do mundo empresarial capitalista) à lei da desoneração da folha de pagamento, que transfere para empresas capitalistas o ônus previdenciário dos salários dos trabalhadores.
Por mais que seja justa tal reivindicação, ao negar o salário em si ela se circunscreve à imanência capitalista, pois, ao invés dos sindicatos lutarem contra a exploração do salário e pela superação completa deste, reafirma equivoca e subliminarmente a importância do dito cujo, que é a fonte primária de formação do capital e de sustentação de toda a entourage capitalista (econômica e institucional) conforme nos ensinou Marx na parte final dos Manuscritos Econômicos- Filosóficos, que escreveu em 1844, tinha apenas 26 anos).
Quando os sindicatos não questionam o salário em si (de vez que se sustentam a partir do próprio trabalho assalariado e das contribuições sindicais e impostos daí advindos), mas apenas lutam pela melhora de sua sórdida existência, deixam transparecer o equívoco de considerarem o próprio salário como categoria ontológica, tão sagrada para eles como o ar que respiramos.
Deveriam, ao invés disso, estar sempre lutando pela superação do salário e não incensando-o como direito sagrado. O sindicalismo, da forma como atua, é poder imanente ao capitalismo e dele dependente. Lula e o Paulinho sem força que o diga.
Os partidos de trabalhadores (e não apenas o PT brasileiro), dentro da estrutura política do Estado capitalista burguês, representam um obstáculo à luta emancipacionista de todos os que são obrigados e vender por preço vil a sua força de trabalho, categoria primária de toda a estrutura capitalista, uma vez que perpetuam, por interesses corporativos específicos, a manutenção da exploração.
Os partidos de trabalhadores são inimigos dos próprios trabalhadores, pois, ao invés de superarem e exorcizarem o trabalho extrator de mais-valia e fonte primária do capital, e assim os libertarem do jugo do dito cujo, fazem seu elogio como condição honrosa pela via sub-reptícia da defesa de interesses corporativos.
Não devemos esquecer que o Boçalnaro era e ainda é corporativista dos soldos e gastos militares, uma espécie sui generis de sindicalismo militar... (por Dalton Rosado)
(continua neste post)
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