Seus méritos como futebolista são inquestionáveis: foi o melhor do século passado e, se levarmos em conta apenas a coleção de títulos conquistados por equipes e seleções que ele integrou, continua sendo o melhor de todos os tempos.
Se considerarmos sua inserção no jogo coletivo e a beleza plástica de seus lances, prefiro o Messi no século atual e não saberia escolher um dentre os dois como o nº 1 da história.
Motivo: as exigências do futebol de agora são bem maiores, as defesas muito mais competentes e o Messi não precisa apenas ser um virtuose com a bola, precisa raciocinar por todo o ataque, encontrando formas de abrir espaços naquela floresta de pernas e cabeças para as finalizações passarem, as dele ou as dos companheiros (suas assistências são cada vez mais decisivas, à medida que envelhece).
Mas, admito que tais avaliações são discutíveis, há como outros comentaristas justificarem plausivelmente o oposto.
Mas, por maior que seja o estoque de panos quentes, não vejo como poderá alguém apresentar argumentos convincentes para defender algumas péssimas decisões que o homem Pelé, muito menor do que o futebolista, tomou ao longo da carreira.
O que tinha a dizer sobre isso, já disse no artigo abaixo, de setembro/2014. Não mudo uma vírgula sequer. (Celso Lungaretti)
O GOL DE PLACA
QUE O PELÉ
FICOU DEVENDO
Pelé critica o goleiro Aranha por não haver ignorado as agressões racistas |
Talvez o Romário não estivesse tão certo assim, ao dizer que o Pelé, calado, é um poeta.
Eu consideraria mais apropriada para o rei a frase do personagem do Jason Robards sobre o personagem do Charles Bronson, no clássico Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone:
"Ele fala quando deveria calar, e cala quando deveria falar".
Pelé deveria calar quando, uma vez na vida, os ridículos tribunais esportivos justificaram a sua existência, ao excluírem de uma competição um time de futebol em razão do racismo explícito de sua torcida. Ao invés de aplaudir a decisão inédita, preferiu admoestar a vítima, o goleiro santista Aranha, por não ter ignorado as ofensas:
"Se eu fosse parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todo jogo teria de parar"
O mais provável é que, depois de um certo tempo, tais turbas desistissem de prejudicar os clubes que alegam amar, causando-lhes prejuízos financeiros, perda de pontos e perda de mando de jogos.
Mas, claro, para tomar uma atitude dessas nos anos 50, 60 ou 70, Pelé precisaria ter a estatura moral de um Muhammad Ali. Nunca teve.
Hoje tudo é mais fácil, pois o racismo passou a ser considerado crime e nem mesmo a justiça esportiva (as minúsculas são intencionais...) pode discrepar das leis maiores do País.
Mas, duvido que Aranha tenha raciocinado tão longe, ao se revoltar com os xingamentos infames. O mais provável é que nem tenha se indagado sobre quais as consequências que lhe adviriam de tal atitude.
Simplesmente, reagiu como um cidadão ultrajado deve reagir, com dignidade e coragem. Aceitar ser chamado de macaco ou (pejorativamente) de crioulo nunca foi solução, trata-se apenas de uma forma de fugir do problema.
.
FOI MESMO POR CAUSA DA DITADURA QUE ELE NÃO DISPUTOU O MUNDIAL DE 1974? – Outra ocasião em que Pelé deveria ter optado por permanecer poeticamente calado: quando inventou que não disputara a Copa do Mundo de 1974 por discordar da ditadura militar.
Para quem o conhece bem, a desculpa simplesmente não colou. Deu para todos percebermos que ele, com a visão majestática que tinha de si mesmo, preferiu não correr o risco de sua última participação em Mundiais da Fifa ser um baita fracasso; melhor sair por cima, com os louros de 1970.
Sua primeira alegação foi a de que já se despedira oficialmente da Seleção Brasileira, com direito a partida comemorativa e muitas homenagens, de forma que voltar atrás equivaleria a ter enganado o público.
Mesmo com a cabeça quente por causa da derrota na semifinal contra a Holanda (será que, com Pelé presente, o Brasil não teria conseguido construir um placar favorável no 1º tempo, quando a partida foi equilibrada?), os torcedores e cronistas esportivos aceitaram a justificativa.
O caldo, contudo, entornou em 1975: com problemas financeiros, Pelé aceitou uma oferta intere$$ante do New York Co$mo$ e voltou ao futebol, não dando a mínima para os torcedores que haviam pagado ingresso nas suas partidas de despedida.
Alguns passaram a encará-lo como mercenário. Então, a posteriori, ele saiu pela tangente, dando como motivo secreto de sua decisão a indignação com a ditadura. Eis como ele passou a contar a história:
"Pediram para eu voltar para a seleção, eu não voltei. Eu já tinha me despedido do Santos, mas eu estava bem demais. Mas o [ditador Ernesto] Geisel, a filha dele, veio falar comigo para eu voltar e jogar a Copa de 74.
Por um único motivo não aceitei: estava infeliz com a situação da ditadura no país. Estava preocupado com o momento. Em apoio ao país, eu recusei, pois estava muito bem (físico e técnico) e poderia jogar em alto nível".
Mas, por que a ditadura não lhe causara horror no auge do terrorismo de Estado (1970) e o incomodava tanto quando as matanças e a tortura brava já tinham diminuído (1974)? Como esta contradição foi percebida por muitos críticos de suas declarações, ele bolou outra saída pela tangente, que também não explica nada:
"A ditadura estava exigindo demais do povo. Em 1970 era diferente, a seleção era comandada pelo Zagallo, mas o [Carlos Alberto] Parreira e o [Cláudio] Coutinho eram do Exército, e a situação era melhor".
Se alguém entendeu, me explique como a situação poderia ser melhor graças à presença de dois capitães do Exército como preparador físico e supervisor, afora o major-brigadeiro que comandou a delegação e o major do Exército que foi seu principal assistente...
.
GRANDE ESPORTISTA ELE FOI. GRANDE HOMEM, JAMAIS SERÁ! – O pior eu deixei para o fim. Trata-se da coluna O dia em que Pelé não ajudou presos políticos e se disse contra o comunismo (leia a íntegra aqui), do competente Ricardo Perrone. Eis o principal:
"...oito presos políticos trancafiados em Santos assinaram um dramático apelo por sua liberdade escrito em 60 linhas. Foi caprichosamente feito para ser entregue a Edson Arantes do Nascimento. O grupo solicitava que o Rei do Futebol usasse seu prestígio para pedir que Médici concedesse a eles indulto presidencial a fim de que não precisassem cumprir o restante da pena. Eles tinham sido condenados em 1969.
Pelé não atendeu ao pedido, e a carta ainda foi parar nas mãos da polícia da ditadura. Está preservada no Arquivo Público do Estado de São Paulo, que guarda os documentos do Dops e do Deops...
O episódio rendeu uma conversa tête-à-tête entre policiais que serviam à ditadura e Pelé... [o qual], ao dissociar sua imagem dos presos, afirmou ser contra o comunismo e alheio à convulsão política vivida pelo país naquela época.
'Esclareceu ainda o esportista que, durante jogos que realizou no México, Colômbia e Bogotá foi assediado por comunistas para assinar manifestos contra o nosso governo, com o que não concordou por ser contrário ao comunismo', diz trecho do informe, datado de 21 de outubro de 1970..."
Da vez em que o Pelé deveria falar, apelando ao ditador Médici pela libertação daqueles oito pobres coitados (sindicalistas de Cubatão que nem de longe poderiam ser considerados perigosos subversivos...), ele calou, vergonhosamente. E a paúra transparece nas respostas dadas aos agentes da repressão, aparentemente ignorando que seu prestígio mundial o colocava a salvo de quaisquer maus tratos, intimidações e retaliações.
Certa vez, indagado sobre a omissão do Pelé em questões ligadas ao racismo, a lenda viva Muhammad Ali deu uma resposta sutil: alguém ser um grande esportista já é mais do que suficiente; se, além disto, trava as lutas do seu povo, é também um grande homem.
Pele foi somente um um grande esportista. (CL)
Nenhum comentário:
Postar um comentário