sexta-feira, 15 de maio de 2020

ESTAMOS SOFRENDO AS DORES DO PARTO DE UMA NOVA FORMA DE RELAÇÃO SOCIAL/2

(continuação deste post)
Se o mundo continuar comprando dólares estadunidenses como tábua (irreal) de salvação de seus ativos, os EUA ainda conseguirão manter-se na crista da onda capitalista por alguns anos de paralisia econômica mundial e a periferia capitalista seguirá padecendo por não poder emitir moeda sem que isto cause o colapso da dita cuja e das suas economias.

O Brasil está sob tal ameaça. Esta é a preocupação e a certeza do ministro Paulo Guedes, que certamente já informou o seu chefe de tal possibilidade, daí a sofreguidão de relaxar o isolamento a qualquer custo.

O medo é que o Brasil, com suas imensas potencialidade de riquezas materiais, descubra que é rico sob tal critério e rompa com as amarras da riqueza abstrata. 

Organismos internacionais como o FMI, OCDE e agências de rating já alertavam para a iminência de uma depressão em escala mundial, decorrente das contradições endógenas do capitalismo mundo afora, que agora estão agravadas substancialmente pela pandemia. 

Assim, enquanto os Estados Unidos podem emitir dólares a seu bel prazer sem que isto cause inflação interna, a vida nas sociedades da periferia capitalista se esvai de modo genocida, até que seja adotada, mais por força das circunstâncias do que por uma orientação teórica consciente, uma mudança do modo de relação social atual. 

O Brasil amarga hoje uma contradição que parece estranha aos olhos dos desavisados analistas, mas é de fácil compreensão à luz da crítica da economia política.

Ocorrem simultaneamente uma inflação (de preços de produtos alimentícios) e uma deflação (quando consideramos os indicadores econômicos sociais –IGPM, INCC, IPCA e outros– que abarcam as variações de preços das mercadorias como um todo. Os pobres, a grande maioria, pagam o pato de tal fenômeno inusitado.

O auxílio de 600 reais para as camadas mais sofridas da população (aproveitadores que se infiltram no programa à parte) suportarem a paradeira econômica é insuficiente para quem recebe e demasiado para os cofres da União, que já está estourando a meta do déficit público anteriormente fixada (e, desde antes da crise sanitária, não cumprida) pelo Guedes.

Ademais, tal socorro emergencial aos muito pobres terá pouco fôlego caso a pandemia e consequente paralisia econômica estendam-se por período mais longo, conforme se prenuncia. 

No Brasil, a inflação que deveria estar sendo causada pela emissão do real (moeda nacional, sem grande valor no mercado internacional, razão pela qual se tem de transformá-la em USD para funcionar nesse mercado) sem a correspondente produção de mercadorias, como preconizam os manuais de economia, é neutralizada por um mal ainda maior: a deflação dos preços por falta de poder aquisitivo geral. 

Como dizia um velho adágio: além da queda, o coice

Estamos sofrendo as dores do parto de uma nova forma de relação social, momento que Antonio Gramsci assim resumiu, com muita propriedade:
"A crise consiste no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem". 
Manchete de outubro/1918: a de hoje poderia ser idêntica. 
O cenário da periferia capitalista pode vir a sofrer grandes convulsões sociais como resultados dos sofrimentos ainda maiores do que aqueles causados pela gripe espanhola de 1918, que durou de dois a três anos, coincidindo justamente com o final da 1ª Guerra Mundial.

Caso não se descubra e produza rapidamente uma vacina eficaz contra o coronavírus, poderemos ingressar num período de paralisia que somente poderá ser superado a partir de outros critérios de produção social, que certamente evidenciará a ineficácia da relação social mediada pela forma-valor (dinheiro e mercadorias).

Paira no ar uma grave ameaça aos capitalistas e seus submissos servidores da política: a de que o precário equilíbrio das relações sociais sob o capitalismo provoque uma ruptura sistêmica irreversível, arrebentando os grilhões da opressão por ele exercida.

As relações capitalistas mundiais dependem da exploração dos países periféricos por parte das nações hegemônicas: os primeiros são obrigados a conviver com critérios leoninos de crédito bancário e com o controle financeiro exercido pelos países emissores de moedas fortes (dólar e euro) e que têm altos níveis de produtividade de mercadorias, daí participarem da guerra concorrencial de mercado como eternos azarões.

Aos países periféricos do capitalismo só resta o papel de meros fornecedores de commodities, como está a ocorrer no Brasil atual, que está fechando o seu parque industrial construído ao longo de pouco mais de 50 anos e passando a ser mero exportador de grãos, proteínas e minerais (principalmente ferro e petróleo) com baixa cotação no mercado mundial.  
Se nosso PIB encolher mesmo 5,3%, será a pior queda desde 1901 

Outro fenômeno que explica bem nosso momento atual são as cotações das bolsas de valores, que obedecem à mesma ilogia da lei da oferta e da procura por ativos de risco, já que os ativo de renda fixa deixaram de ser atrativos.

Tal como as moedas eletrônicas (do tipo bitcoin) que crescem ou somem sem justificativas plausíveis, as ações nas bolsas de valores  oscilam  não em função do seu valor patrimonial ou do lucro que as empresas possam distribuir, mas por um jogo especulativo no qual o capital desempregado busca na loteria de cassino uma valorização temerária. 

No Brasil, o índice Bovespa chegou a alcançar 119 mil pontos e hoje está cotado em pouco mais de 79 mil pontos. Uma queda de cerca de 33%, ou seja, quem tinha R$ 1 milhão há alguns meses, agora possui apenas R$ 666 mil. 

Entretanto, como o capital mundial bateu asas das bolsas brasileiras e foi se aninhar nas bolsas estadunidenses ou europeias, o mesmo não está a acontecer com o índice Nasdaq, em Wall Street, que tem mantido leve oscilação para baixo mesmo diante dos dados alarmantes sobre a economia dos EUA. 

O mundo econômico desaba, mas o dólar vai a R$ 5,81, mesmo que a moeda internacional nada represente em termos de valor válido; o mesmo fenômeno de sustentação irracional acontece com as cotações das ações nas bolsas dos Estados Unidos.  

A irracionalidade e artificialidade do mundo do capital em fim de festa está prestes a ser escancarada até para os mais ingênuos cidadãos (aqueles que acreditam ser o dinheiro algo ontológico e tão natural como suas necessidades de refeições diárias). 

Quando isto acontecer, nós todos nos sentiremos tão enganados quanto um eleitor que votou no Bolsonaro engolindo a lorota de que ele fosse mesmo lutar contra a corrupção e acabar com a velha política . 

A riqueza abstrata tende a virar fumaça, tanto quanto as versões maquiladas diante de um vídeo de reunião ministerial com baixarias e abuso de poder explícitos. (por Dalton Rosado) 
.

Uma composição do Dalton que tem muito a ver com as análises
por ele expostas neste artigo. Quem canta é o Gomes Brasil

Um comentário:

Anônimo disse...

Sim, Dalton, o momento é agora.
Ocorre que as já conhecidas automação e robotização tornam os seres humanos, em sua maioria, descartáveis.
A emissão sem pejo de moeda fiduciária deve-se a consciência que os mandatários tem da imensa produtividade da economia, a qual é a contraparte para o dinheiro emitido.
De sorte que o poder de compra se dá, não mais por produtividade do trabalho, mas sim por excesso de oferta, oriunda da produção gigantesca fruto dos avanços tecnológicos.
A robotização permitiu também a aniquilação do conflito bélico clássico. De pelotões de infantaria (humanos) e cavalaria(blindados) se digladiando nos campos de batalha. Em grande parte, já foram substituídos por robôs.
A artilharia faz uso, com grande letalidade, dos drones e de armas inteligentes, as quais permitem aos governos fazer a convocação de seus cidadãos e apresentar pouquíssimas baixas, eliminando de vez a oposição às guerras geopolíticas e imperialistas que promovam.
Eles não permitirão que se repita o que ocorreu no Vietnan nos idos anos 60/70.
Uma vasta rede de inteligência e controle já está instalada em aeroportos, portos, estações de trem, de ônibus, rodovias e nas vias públicas com programas de reconhecimento de pessoas e veículos.
Todo o sistema financeiro está digitalizado e não existe nenhuma bendita transação por meio eletrônico que não possa ser monitorada.
A par disso as sementes das plantas alimentícias se tornaram patrimônio privado de grandes companhias que, se ainda não dominaram, dominarão todo o comércio de alimentos do planeta.
E tantas outros fatos econômicos que você bem conhece.
Bem examinado, resta ao homem comum a prestação de serviços aos seus iguais para, ainda num processo mercantilista, obter alguma riqueza abstrata.
E num ambiente dominado pelo fetiche da mercadoria e do lucro a solidariedade humana periclita.
Até algumas profissões prestadoras de serviços, como os médicos, estão com os dias contados e serão substituídos por kits médicos, laboratórios e programas de computador com inteligência artificial que poderão ser instalados num celular.
O trabalho em casa e o comércio eletrônico chegaram para ficar, o que põe em risco os rentistas, fundos imobiliários e proprietários de imóveis comerciais para aluguel.
A logística, robotizada obviamente, dominará o comércio eletrônico.
Para amenizar e proporcionar uma transição mais suave entre um mundo baseado na exploração do homem pelo homem para um mundo em que o homem já não é necessário, como força de trabalho, os BCs do mundo, concertadamente, emitem dinheiro para manter alguma renda enquanto esperam que as pandemias, o desalento e a depressão aniquilem lentamente a população.
Sempre haverão sobreviventes.
Quais serão?
Haverá especiação?
Superamos a limitação malthusiana da escassez, mas superaremos a determinante darwiniana da seleção natural? Será que nos adaptaremos a um mundo mais pacífico, hedonista, ético e equitativo?
Vejo que, desse processo, resultará o avanço do homem além da natureza, além do animal e além da materialidade grosseira em que está enredado.
Alguns já chegaram a isso, outros chegarão.
Nietzsche cada vez faz mais sentido.
***

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