segunda-feira, 11 de maio de 2020

BOLSONARO E O FIM DO BRASIL – 1

Entender a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder é tarefa demasiadamente complexa, daí a impossibilidade de esgotar o assunto neste enxuto texto. 

Mas, pode-se fornecer algumas linhas gerais a respeito do fenômeno Bolsonaro, mostrando que, de modo nenhum, sua ascensão terá sido um acaso histórico. 

É importante demonstrar a não casualidade do governo Bolsonaro justamente para dissipar ilusões a respeito da superação da estrutura a ele associada simplesmente com a saída do presidente do poder. Bolsonaro é expressão de algo muito mais profundo e decisivo no capitalismo brasileiro.

Um capitalismo cujo ponto de inflexão situa-se em 1964. Naquele ano, havia uma encruzilhada para o país entre aprimorar um desenvolvimento autônomo e nacionalista ou seguir um desenvolvimento subalterno e dependente das burguesias centrais. Noutras palavras, havia uma disputa entre revolução e contrarrevolução. 

A vitória das forças contrarrevolucionárias selou o destino do Brasil. A partir dali o país seguiu um modelo de desenvolvimento subalterno, excludente e predatório. A industrialização nacional foi pautada inteiramente na instalação de multinacionais via subsídio estatal. 

A burguesia nacional abdicou por completo de criar qualquer tipo de capitalismo próprio por aqui, resignando-se a ser mera sócia minoritária do capitalismo central e assumindo, em termos políticos, uma posição visceralmente reacionária.

A ditadura militar foi a imposição, a ferro e fogo, da contrarrevolução permanente. Quando ela acaba, a nova democracia surge de seu interior com limites claramente delimitados: não se pode tocar na estrutura socioeconômica herdada do antigo regime.  

Como consequência, por mais avançada que tenha sido, a carta constitucional de 1988 já nasceu como letra morta. Seu ideário social-democrata jamais poderia se concretizar face à rigidez do solo pedregoso do Brasil. 

A saída, para as novas forças democráticas, foi embarcar no que chamo de cidadanismo, sobre o que já falei em meu texto de estreia no Naufrago. O cidadanismo foi justamente a crença, triunfante entre a esquerda, de que seria possível modificar o país com medidas administrativas, sem, no entanto, tocar na estrutura socioeconômica reacionária. 

Este processo era tocado mediante um pacto:adotavam-se medidas de compensação social, enquanto o regime de super exploração social continuava e era aprofundado. 

O fracasso do modelo industrial dependente impeliu a burguesia brasileira a retomar seu extrativismo agromineral e a avançar na financeirização da economia. O Brasil passou de aspirante a fábrica do mundo a exportador primário, enviando para fora minérios, grãos e dólares. 

No lugar da indústria, portanto, surgiu um tripé exportador de recursos minerais, agrícolas e financeiros. 

A esquerda – primeiro com FHC, depois com o PT – não apenas aceitou tal situação, como também ajudou ativamente a implanta-la, avançando com privatizações, alargamento da fronteira agrícola, do extrativismo mineral e do sistema financeiro. 

Se a ditadura havia tido seu milagre, também o teve o regime da Nova República, durante o segundo governo Lula, quando o tripé acima mencionado entrou em perfeito equilíbrio. 

As exportações agromineirais bombavam, gerando divisas capazes de manter o cambio a um preço irrisório. Este barateava a importação de produtos industriais, a qual, associada à expansão do crédito por causa da financeirização, garantia uma vida melhor, com padrões de consumo aceitáveis, para milhões de pessoas. Foi o milagre lulista.

Mas, no capitalismo, todo equilíbrio é efêmero. Logo chegou a crise de 2009 e, com ela, a desvalorização das commodities, a pressão sobre o cambio e o encarecimento do crédito. O Brasil começou a entrar em parafuso e o resultado foi a derrocada do regime da Nova República com o impeachment de Dilma. 

No entanto, durante todo este período, a estrutura social e econômica herdada do golpe de 64 permaneceu não apenas inalterada, como também foi reforçada, ganhando profundidade e capilaridade. 

Tampouco as forças reacionárias ficaram sentadas assistindo a execução do pacto pela frente da Nova República. Enquanto a esquerda queimava seu capital político, tais forças trabalhavam para arruinar o texto constitucional e deixa-lo à imagem do mundo real. 

Não à toa, conforme observa Vladimir Safatle, o congresso nacional brasileiro é um parlamento permanentemente reformador: desde 1988 vem mantendo uma média ao redor de três emendas constitucionais por ano. PEC é o normal da legislatura em Brasília. 

Cada PEC reacionária aprovada era seguida por outra, sempre avançando no caminho de constitucionalizar a realidade contrarrevolucionária. Isto até chegarmos a PEC suprema, a teto de gastos, a qual simplesmente transformou o texto socialdemocrata em letra completamente morta. 

O regime da Nova República se assemelhava a uma árvore infectada por parasitas. Por fora, verde e esplendorosa; mas, por dentro, completamente oca e tomada por vermes. (por David Emanuel de Souza Coelho)
(continua neste post)

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