sexta-feira, 1 de novembro de 2019

QUEM PRECISA DE AI-5 QUANDO EXISTE UMA LEI ANTITERRORISMO EM PLENO VIGOR?

A fala do filhote número três de Jair Bolsonaro só pode ocorrer Num país onde não apenas os facínoras da ditadura sobreviveram ao regime, mas a própria estrutura política e econômica deste perseverou na chamada democracia

Não podemos esquecer o discurso de Bolsonaro-pai no impeachment de Dilma Rousseff, saudando o torturador Brilhante Ustra e o chamando de terror da Dilma, numa atitude atroz e desumana. Houve alguma punição ao até ali deputado? O STF agiu? Bom, sabemos o resto. 

A vocação ditatorial dos Bolsonaros nunca foi escondida por eles. Trabalham com uma franja da sociedade corretamente apelidada de viúvas da ditadura, gente saudosa do regime de exceção e que acredita piamente ter sido a vida melhor naquela época. 

Falar em AI-5 é delírio saudosista de ignorante. Não é possível restituir um ato ditatorial desses pelo mesmo motivo de ser impossível restituir a Inquisição: são acontecimentos de outras épocas históricas, com contextos diferentes e irreprodutíveis. 

A pergunta, na realidade teria de ser outra: quais os meios ditatoriais a serem usados hoje, no Brasil do século 21?

Evidentemente, o regime socioeconômico em criação pela plutocracia nacional gerará fatalmente uma grande instabilidade política. Não é possível, sem consequências, condenar milhões de pessoas à miséria e ao desalento sem provocar fortes turbulências. 

Não à toa, todo regime de financeirização social sempre se assenta num sistema político de exceção. Hitler pregava contra os banqueiros judeus, mas quem mandava eram os bancos, alemães. 

O delírio liberal de Paulo Guedes depende carnalmente das perseguições policialescas de Sergio Moro. O excludente de ilicitude é a garantia para o fim da aposentadoria. 

Tal excludente, inclusive, é uma questão curiosa, pois viria para legalizar a prática já recorrente de inocentar ou não investigar as mortes cometidas diariamente pela Polícia Militar, instituição herdada da ditadura, lembremos. 

Quem conhece minimamente nosso sistema prisional sabe o quanto a ilegalidade e o abuso é a norma. De acordo com dados do próprio sistema judicial, cerca de 40% dos presos brasileiros não possuem sequer uma acusação formal. Estão presos, portanto, sem crime. 

No AI-5 pelo menos havia uma regra determinando a falta de regras. Na nossa democracia, a regra é burlada e todos acham normalíssimo. 

Mas, pensemos politicamente. O que seriam instrumentos de exceção? Não seriam aqueles capazes de dar instrumentos jurídicos ao Estado para perseguir, legalmente, desafetos ou potenciais subversivos? 

Ora, o que é a lei antiterrorismo, aprovada por Dilma logo após as jornadas de junho de 2013? 

Pela lei antiterrorismo, simples atos como quebrar vidraças ou até mesmo curtir um comentário um pouco mais incisivo no facebook, pode levar a pessoa a ser acusada de promover o terrorismo, dependendo da elasticidade do juiz. 

Some-se a esta lei a Garantia da Lei e da Ordem, também herança dilmista, cuja função é quase instituir um estado de sítio numa determinada localidade, garantindo a livre atuação de forças policiais e militares, com toda a sorte de absurdos já conhecidos. 

E, por fim, acrescente-se a lei que garante o julgamento de militares criminosos pela complacente Justiça Militar, a qual também é responsável por julgar quem comete crimes contra militares, sobretudo quando envolvidos em operações da GLO. 

Ora, isto não remete aos tempos sombrios da ditadura? Não era nas auditorias militares que se criminalizava a atividade política como terrorista, com civis sendo julgados por oficiais das Forças Armadas e milicos não pagando por seus crimes?

E veja, leitor, estou aqui falando de leis herdadas da presidente Dilma, a suposta campeã da democracia. 

Daqui para frente, tudo pode ser pior. Medidas de exceção podem ser aprovadas, democraticamente, pelo Congresso Nacional. Mesmo ações supostamente econômicas podem ser utilizadas para fins de perseguições políticas.  
Exemplo é a proposta de acabar com a estabilidade dos servidores públicos, o que abrirá margem óbvia à perseguição política dentro do aparelho estatal. 

Mesmo a proposta das avaliações de carreira poderão ser bem manejadas pelos agrupamentos políticos para melhor controlar ideologicamente a máquina pública.

Não podemos esquecer também da obscurantista escola sem partido, excrescência que ainda não morreu por inteiro. 

Mesmo as leis já existentes podem ser usadas, bastando para isso uma interpretação criativa do STF e dos demais aparelhos jurídicos. A novela da prisão em segunda instância mostra bem isso: quando era útil – para manter Lula preso – ela valia, mas agora, passado o momento crítico, deverá cair. 

Fato é que um regime de exceção pode muito bem ser criado no Brasil sem, necessariamente, ocorrer a instalação de uma ditadura aberta e clássica. Pode haver exceção com eleições, liberdade de imprensa e até de manifestação.

Erdogan mostra bem isto na Turquia, com uma ditadura maquiada de democracia. No Egito, a mesma coisa. Isto acontece simplesmente porque o sistema político está completamente dominado pelo poder econômico – à direita e à esquerda – a ponto de não haver motivo para simplesmente fechá-lo.  

Só é preciso controlar os insatisfeitos fora dele. É justamente este o motivo de, mais e mais as insurreições ao redor do mundo agora parecerem revoltas contra o sistema político como um todo.

Enfim, diante de tudo isso, o grande ponto que resta esclarecer é como a plutocracia vai finalmente se livrar da família Bolsonaro. 

Irônico será a ruína de Bolso Kid advir justamente do seu crime contra a Lei de Segurança Nacional, uma lei criada pela... ditadura. (por David Emanuel de Souza Coelho)

Um comentário:

Anônimo disse...

"Mas, pensemos politicamente. O que seriam instrumentos de exceção? Não seriam aqueles capazes de dar instrumentos jurídicos ao Estado para perseguir, legalmente, desafetos ou potenciais subversivos?"

Sim, sim, perfeitamente.

De fato, a lei 12850/13 (delação premiada) foi sancionada pela Dilma traíra, juntamente com seu ministro da justiça quinta coluna, José Eduardo Cardozo. Essa lei deu subsídios à lava jato para prender o Lula.

Em 2016, Dilma também sancionou a lei antiterrorismo (13260/16), cujo art. 5º dispõe “Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito”.

Ora, incriminar atos preparatórios é contra o ordenamento jurídico pátrio (poucas exceções tipificadas: formação de quadrilha e falsificação de moeda), por não se confudirem com os atos de execução. Trata-se de uma tipificação em aberto.

Vejam o art. 6º : “Receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos nesta Lei”.

Em outras palavras, este (des)governo atual pode facilmente armar uma patranha para a oposição ou movimentos sociais como o MST para enquadrá-los subjetivamente em atos preparatórios.

Outro exemplo é o PL 2418/19, que acrescenta o art. 21-A à lei do Marco Regulatório da Internet (lei 12965/14) : “Art. 21-A. Os provedores de aplicações deverão monitorar
ativamente publicações de seus usuários que impliquem atos
preparatórios ou ameaças de crimes hediondos ou de
terrorismo, nos termos da Lei nº 13.260/2016.
§ 1º As publicações mencionadas no caput deverão ser
repassadas às autoridades competentes, na forma do
regulamento.”

Ou seja, é a NSA tabajara (GSI), que já monitoram todo mundo, mas precisam de um amparo jurídico para servir de prova judicial.

É o abraço de sucuri verde-oliva em nossa democracia...

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