sábado, 2 de novembro de 2019

O BREXIT VEICULA A UTOPIA REACIONÁRIA DE REBAIXAR OS PADRÕES SOCIAIS E AMBIENTAIS BRITÂNICOS

demétrio magnoli
ESSES LIBERAIS QUE ADORAM O BREXIT
Um Reino Unido atordoado vai às urnas em dezembro. Boris Johnson, o primeiro-ministro conservador, definiu sua campanha como um levante do povo, pelo brexit, contra a elite que impede uma ruptura radical com a União Europeia .

Os liberais britânicos —isto é, a maioria do Partido Conservador e o Partido do Brexit, de Nigel Farage— transformaram-se numa seita anti-Europa. É mais um sintoma da degradação do pensamento liberal.

Os liberais britânicos giraram 180 graus. Entre 1985 e 1994, quando o francês Jacques Delors conduziu as negociações que concluíram a arquitetura do Mercado Único Europeu, eles ocuparam a linha de frente na batalha contra as resistências protecionistas nacionais. Hoje, renegam o que fizeram, entrincheirando-se num nacionalismo de nítida coloração populista.

No Foro da Liberdade, meses atrás, escutei as razões de um fanático do brexit, o economista Andy Duncan. Ele acusava a então primeira-ministra, Theresa May, e o líder opositor Jeremy Corbyn de subserviência à elite europeia. E, desafiando o que sugere o registro histórico, assegurava que Margaret Thatcher teria completado sem demora o serviço do brexit.
"Posso sugerir um paraquedas?" "Grato, mas basta a bandeira"

Tive, então, que recordar à plateia brasileira o primeiro plebiscito sobre o brexit, realizado em 1975, quando a conservadora Thatcher defendeu a adesão à Comunidade Europeia e o trabalhista Corbyn adotou posição contrária.

O economista ultraliberal reproduziu os discursos de campanha de Farage, que classificou como seu herói

Os Estados grandes representariam, invariavelmente, ameaças às liberdades dos cidadãos. A Europa ficaria melhor se fragmentada em microestados como Andorra, Liechtenstein ou Monaco. A UE seria um superestado opressor, uma burocracia globalista determinada a suprimir as liberdades britânicas. 

Duncan situa-se numa franja extrema do espectro partidário, mas seus argumentos esclarecem a gramática política que impulsiona o brexit. A liberdade dos modelares microestados de Duncan é a liberdade de circundar impostos: os três são paraísos fiscais.

O brexit veicula a utopia reacionária de rebaixar os padrões sociais e ambientais britânicos, pela ruptura com as regras comuns europeias. Na sua nova encarnação, os liberais sonham com uma Inglaterra bucaneira: um Chipre com armas nucleares.

Os grandes Estados europeus são diversos e relativamente abertos à imigração. A campanha do brexit concentrou-se na ideia de retomar o controle das fronteiras, abolindo o livre trânsito de cidadãos europeus e erguendo uma muralha frente aos fluxos imigratórios. 
Nigel Farage não deveria ter aberto a boca

A liberdade de Farage e Johnson é a liberdade de definir a nação à base do sangue. O brexit veicula, também, a utopia nativista de um retorno aos tempos dourados de uma Pequena Inglaterra exclusivamente branca e anglicana.

A proteção das liberdades públicas e políticas foi a mola que, lá atrás, quando assentava a poeira da guerra mundial, impulsionou o projeto europeu. Na origem da UE encontram-se os imperativos de evitar o ressurgimento do nacionalismo alemão e de traçar uma fronteira geopolítica diante do bloco soviético.

A Europa fragmentária idealizada pelos maníacos do brexit é o cenário estratégico perfeito para a Rússia, o maior dos Estados europeus. Em 2014, Farage nomeou Vladimir Putin como “o líder mundial que mais admiro”. Há um claro motivo político para o voto pró-europeu de Thatcher em 1975.

O Reino Unido navega rumo às águas turbulentas do brexit, um ato voluntário de autoagressão poucas vezes visto na história das nações. 

Os liberais convertidos ao nacionalismo xenófobo pilotam o navio, mas partilham a responsabilidade com os trabalhistas, que se recusaram a tentar mudar o curso. É que Corbyn, o líder esquerdista do partido, votou pelo brexit em 1975 por enxergar o projeto europeu como uma monstruosidade inventada pelos liberais... (por Demétrio Magnoli)
É tão bizarra a fascinação dos britânicos pelo abismo que me lembrei deste 
filme da Hammer britânica, o último da série clássica do Drácula, que
vale sobretudo pela presença dos atores emblemáticos da
franquia, Christopher Lee e  Peter Cushing. 

Mostra o vampirão-mor cansado de sua existência e inconscientemente
desejando a morte, só que, megalomaníaco ao extremo, quer levar 
a humanidade inteira consigo, espalhando um vírus mortal. 

Os malucos do brexit sucumbem ao fascínio da miséria e ainda tentam
arrastar o Reino Unido inteiro junto com eles para a penúria...  

4 comentários:

jack disse...

Nice post with good information

Anônimo disse...

Era uma ideia tão irracional que eu nunca acreditei que ele votariam pelo brexit.
O resultado da votação foi uma surpresa absoluta para mim.
Pensava que eram povo mais consciente na hora de votar.
Mas, assim é o primarismo das massas.
O fato é que, mesmo que tenham "ganhado", os nacionalistas não estão conseguindo levar o país a sair da UE. E se conseguirem as consequências práticas serão dolorosas demais para conseguirem se manter afastados.
Nenhum povo é uma ilha. Nem mesmo os insulares.
Continuo acreditando que, agora, os ingleses irão rejeitar por completo essa babaquice.
Mas não há garantias...

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