segunda-feira, 18 de novembro de 2019

NÃO ADIANTA SAIR PELA TANGENTE, LULA: VOCÊ E O PT CONTINUAM NOS DEVENDO UMA PROFUNDA AUTOCRÍTICA!

"Muita gente bota defeito no PT, e às vezes nós acatamos essas críticas. Mas vocês já viram pedirem para o Fernando Henrique Cardoso, para o Bolsonaro, fazer autocritica? Quem quiser que o PT faça autocrítica, que faça a crítica você. Esse partido é encrenqueiro, não presta? É, mas esse é o meu partido. Na dúvida, a gente defende o nosso companheiro."

Lendo esta simplificação tendenciosa da questão da autocrítica do PT por parte do Lula, em discurso que fez em Salvador na última 5ª feira (14), fico em dúvida sobre se ele é tão desinformado como tais afirmações o fazem parecer ou estava apenas desferindo golpes num espantalho, ao invés de responder honestamente aos questionamentos dos quais discorda.

Já conheço de outros carnavais o seu expediente de sair pela tangente quando não tem chance de se dar bem numa discussão. Então, simplesmente vou explicar o que ele não está entendendo (ou fingindo não entender), assim ele fica impedido de repetir esse pulo do gato.

Originalmente, quem cobrou a abertura de um processo de crítica e autocrítica por parte do PT fomos eu e o Tarso Genro (outros companheiros – infelizmente poucos! – vieram na esteira).

O afastamento provisório de Dilma Rousseff da presidência da República foi decidido no dia 12/05/2016, quando o Senado aprovou a abertura do processo de impeachment contra ela. Cinco dias depois o blog Náufrago da Utopia publicou esta minha exortação à abertura de um debate sobre a refundação da esquerda, justificando: 
"Um agudo processo de crítica e autocrítica hoje é imperativo, pois a derrota que acabamos de sofrer foi, em muitos aspectos, pior ainda do que a capitulação sem luta de 1964.
A reaglutinação de forças deve marchar paralelamente com a depuração moral, pois não conseguiremos reconquistar o respeito do cidadão comum se nossa imagem continuar associada à daqueles que, comprovadamente, tenham utilizado a atuação política para, de forma ilícita, perseguir objetivos pessoais como o enriquecimento e a conquista de status. 
E, claro, como não adianta repetirmos o que deu errado na esperança de que na vez seguinte dê certo, temos de discutir quais as novas estratégias e táticas a serem adotadas, para substituírem as que chegaram ao esgotamento na atual década".
Então, o que realmente se propunha era uma discussão em profundidade das causas de uma derrota política que,  saltava aos olhos, teria consequências terríveis para nosso campo.

Pois esta sempre foi a melhor tradição da esquerda: a de refletir sobre seus grandes erros, reciclar-se após os fracassos mais acachapantes e afastar ou rebaixar os dirigentes diretamente responsáveis pelas decisões desastrosas.

O stalinismo, contudo, introduziu a prática oposta, de calarem-se as críticas e os críticos (até assassinando-os!), de forma a impedir discussões que colocassem em risco o mito da infalibilidade do grande timoneiro.

No pós-1964 o Parido Comunista Brasileiro bem que tentou estancar o questionamento de sua atuação desastrosa, mas não conseguiu. O processo de crítica e autocrítica envolveu praticamente toda a esquerda da época e determinou um sem-número de rupturas, esvaziamento de partidos e organizações, fusões, lançamento de novas siglas, migrações de militantes, etc. 

Nosso campo reconfigurou-se totalmente, com o PCB perdendo a posição de força majoritária e boa parte da esquerda começando a direcionar-se para a luta armada.

O impeachment da Dilma, com a presidente petista sendo despachada para casa por um piparote do Congresso, sem que nenhuma reação importante adviesse, era mais do que motivo para haver um processo de discussões tão dramático quanto aquele. 

A falta de vitalidade que a esquerda demonstrou, aceitando com tamanha resignação um desfecho desfavorável ao extremo, foi o ponto de partida de todas as desgraças posteriores. O inimigo percebeu que poderia fazer impunemente o que bem entendesse – e fez!
Merece nosso reconhecimento o Tarso Genro, pois foi ele quem começou a propor uma refundação do PT, ainda em 2006, durante o escândalo do mensalão. Tentou em vão sensibilizar Lula em novembro de 2014 (foto acima). E, entrevistado pela Folha de S. Paulo em março de 2016, voltou a bater nesta tecla:
"O PT dificilmente vai ter perspectivas de poder nacional no próximo período. Isso não é uma consequência específica das operações. É o fim de um ciclo econômico, social e político do Brasil que foi levado ao esgotamento.  
O PT não soube reconstruir seu projeto desde o fim do governo Lula. Ficou excessivamente vinculado às limitações de uma frente tradicional com o PMDB, fundamentada em velhas práticas que a sociedade não aceita mais.
O PT vai ter que se refundar, vai ter que se reformar profundamente, se quiser continuar com um ator político importante"
 Candidatura fantasma: megalomaníaco desperdício de tempo!
Palavras proféticas: o partido sairia das eleições municipais do mesmo ano como o décimo (!!!) mais votado, e pior: a caminho de duas verdadeiras catástrofes, a prisão do Lula por 580 dias e a entrega do poder à extrema-direita em 2018.

O processo de crítica e autocrítica, que Lula sempre fez tudo para evitar, talvez alterasse o rumo dos acontecimentos. Sem coragem para encarar seus esqueletos no armário, o partido desceu ao fundo do poço.

Pode-se pensar, p. ex., que o próprio culto quase religioso à personalidade do Lula poderia ter sido colocado em xeque em tempo de evitarem-se descomunais lambanças, como o travamento de toda a articulação e mobilização do PT (e, por tabela, do resto da esquerda) para a fatídica eleição presidencial de 2018 em função da quimera de que o STJ permitiria sua participação como candidato.

Ou seja, ele colocou como prioridade maior a tentativa de provar que era inocente das acusações em função das quais estava sendo sentenciado e relegou a segundo plano o imperativo de evitar que neofascistas conquistassem o poder. 

Jamais perdoarei as vaquinhas de presépio do seu entorno, que lhe permitiram desperdiçar tanto tempo numa aposta que até as pedras das ruas sabiam que estava de antemão perdida.

E a megalomaníaca superestimação de sua força eleitoral levou Lula a cometer outro pecado capital, ao detonar quaisquer chances de formação de uma frente  de esquerda para enfrentar Bolsonaro. 
Se o PT apoiasse candidato de outro partido, não daria a Bolsonaro o formidável trunfo do antipetismo
Deu um chapéu em Ciro Gomes e tratou de inviabilizar a possibilidade de uma coligação de esquerda encabeçada pelo dito cujo, pela Marina Silva ou pelo Guilherme Boulos, oferecendo de mão beijada para o inimigo um trunfo fundamental, ao criar o cenário mais favorável para a acentuada rejeição ao PT tornar-se decisiva para o resultado final.

Agora, depois de ter dado contribuição fundamental para a conquista de quatro anos de mandato por parte do mais tosco presidente da história de nossa república, ainda faz questão de que sejam cumpridos até o último dia, para melhorar as chances de ele, Lula, ser eleito sucessor!

Ao tornar o PT uma cidadela inexpugnável à autocrítica conforme é praticada pela esquerda, Lula desempenhou papel dos mais  destacados na sucessão impressionante de desastres dos últimos anos.

E, mesmo no sentido mais banal da palavra autocrítica, que é o único ao qual Lula alude nas suas tiradas demagógicas, ele deve, sim, uma autocrítica ao povo brasileiro por:
Foi trágico Lula não ter tomado o lugar de Dilma em 2014
— haver afiançado a arrogante e incompetente Dilma Rousseff, cuja decisão de exumar teses econômicas de meio século atrás (o totalmente superado nacional-desenvolvimentismo) mergulhou o Brasil na recessão em que se debate até hoje;
 ter ficado surdo aos apelos de correntes importantes do petismo, as quais, avaliando corretamente que Dilma não conseguiria lidar com a crise que fabricara, cansaram de apelar para que ele, Lula, a substituísse como cabeça de chapa em 2014; e
 ter reduzido a questão da corrupção nos governos petistas a uma questão pessoal, como se eventuais vitórias nos processos criminais o eximissem da responsabilidade política pelo mar de lama em que um partido de esquerda se mancomunou com as figuras mais repulsivas do capitalismo putrefato, quando o que se impunha era um juramento solene (do Lula) de que tais fatos jamais se repetiriam, ponto de partida para o homem comum voltar a crer no PT e na esquerda em geral.

Embromação só cola quando direcionada a fanáticos ou a simplórios. E não é deles que o PT precisa neste instante, mas sim dos brilhantes formadores que um dia teve aos montes e depois insensatamente afugentou.

Se quiser começar a reverter o quadro, Lula precisa deixar de falar tolices sobre a autocrítica que o PT nos deve a todos e tratar de fazê-la, enquanto ainda existe algo para se salvar. (por Celso Lungaretti)

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