domingo, 24 de novembro de 2019

CAMPANHA DOS CRONISTAS ESPORTIVOS DE DIREITA NÃO DERRUBA TITE. E ELE PODE LIVRAR-SE DA NEYMARDEPENDÊNCIA

Bruno Henrique e Gabigol vivem momento mágico
O que todos comentam é a virada eletrizante do Flamengo sobre o rival argentino nos minutos finais da partida que decidia a Copa Libertadores da América.

O que não vi ninguém dizer é que o maior talento futebolístico surgido no Brasil desde Neymar cumpriu com louvor o seu rito de passagem e deve agora livrar Tite da incômoda dependência de um único e complicadíssimo fora-de-série.

Também nisto derrotamos a Argentina, que não tem, no horizonte visível, nenhuma revelação capaz de pôr fim à Messidependência. Só mesmo la pulga poderá levar os hermanos a conquistarem seu terceiro caneco em 2022; se ele estiver contundido ou sentir o peso da idade até lá, serão mais quatro anos na fila. Simples assim.

Já o Brasil, tudo leva a crer, superará com vantagem a Neymardependência. Bruno Henrique é também um fora-de-série, e solidário como a prima donna infantilizada nunca foi e jamais será, ainda que pare de se contundir a cada três meses e não se envolva mais em escândalos, reerguendo sua carreira das cinzas.
Tite poderá deixar de ser babá de marmanjo
A Conmebol, uma vez na vida, acertou: BH foi mesmo o melhor jogador desta Libertadores. 

Eu acrescentaria que, com sua jogada magistral no primeiro gol contra o River Plate, decidiu a final. Aberta a porteira entraria toda a boiada, até porque os argentinos, numa eventual prorrogação, estariam pra lá de inferiorizados, tanto na parte física quanto na anímica.

E o ganho para Tite não foi só este. Gabigol se afirmou como um goleador muito melhor do que Roberto Firmino, Douglas Costa e (o pior de todos) Gabriel Jesus. Com grande chance de vir a disputar a titularidade com outra auspiciosa revelação, o Rodrygo do Real Madrid.

Gerson também fez por merecer uma chance de mostrar seu futebol vestindo a amarelinha;  e Everton Ribeiro e Rodrigo Caio, de voltarem a fazê-lo. Os três nem de longe são inferiores aos atuais reservas (já BH e Gabigol estão um degrau acima, como fortíssimos candidatos à titularidade).

E, por falar em Tite, vou tirar um gênio da garrafa: a campanha infernal de parte da crônica esportiva contra ele tem tudo a ver com o ocupante do Palácio do Planalto ser hoje um reaça exacerbado.
Bozo adoraria que o técnico do escrete fosse seu correligionário

Durante todo o tempo em que trabalhei nas redações, os maiores focos da direita no jornalismo sempre foram as editorias de Polícia e de Esportes. Saí no fim de 2003, mas tudo indica que ainda o sejam, com algumas louváveis exceções.

O certo é que Tite assumiu a Seleção Brasileira quando, nas eliminatórias do último Mundial, estávamos fora da zona de classificação, com 9 pontos ganhos e ridículo aproveitamento de 50% dos disputados nas seis rodadas. Era grande o temor de que, pela primeira vez na História, não nos classificássemos para uma Copa.

Com Tite conquistamos 32 pontos em 36 possíveis (88,9%), um assombro! A campanha memorável encheu de esperanças o povo brasileiro.

Veio o Mundial e a base daquele escrete caíra acentuadamente de produção, seja por contusão (Neymar, Renato Augusto – Daniel Alves foi cortado antes) ou má fase técnica (Gabriel Jesus, Paulinho, Marcelo).
Tite também merece uma 2ª chance
Embora a desclassificação diante da Bélgica por 1x2 tenha sido um banho de água fria no entusiasmo recém-conquistado da torcida brasileira, uma análise isenta leva necessariamente à conclusão de que aquele escrete, mesmo com algumas alterações que Tite deveria ter efetuado (Gabriel Jesus, Fernandinho e Paulinho foram indefensáveis, os jogadores errados na partida errada), caso sobrevivesse às quartas-de-final, só passaria pelos franceses por milagre...

Desde então, a única competição importante disputada por Tite foi a Copa América – e o Brasil ganhou.

Os amistosos caça-niqueis continuaram sendo o que sempre foram, uma completa irrelevância em termos técnicos. Mesmo assim, os bolsonaristas da crônica esportiva satanizaram Tite tanto quanto puderam, num esforço concentrado para derrubá-lo antes das eliminatórias para a próxima Copa, que começarão no semestre que vem.

Face à inexistência de opções tão promissoras assim no Brasil (o mais cotado era o Renato Gaúcho, sobre cujo Grêmio o Flamengo do mister tem passado como um trator...) ou no exterior (os técnicos de ponta dificilmente aceitariam, Sampaoli foi muito pior do que Tite no último Mundial e nada conquistou no Santos, Jorge Jesus seria doido varrido se trocasse a condição de unanimidade no Mengão pela de incógnita na Seleção).

Tite, agora com um elenco bem melhor nas mãos, merece uma segunda chance, tanto quanto Telê Santana em 1986; e ainda é a nossa melhor opção, por mais ruídos que faça a charanga ultradireitista. (por Celso Lungaretti)

5 comentários:

Henrique Nascimento disse...

Parece que alguém já disse lá atrás (Nélson Rodrigues?) que futebol e religião são os ópios do povo. Ambos são análogos ao capitalismo: alguém perde alguém ganha.

celsolungaretti disse...

Mas, entre a vitória de um e a derrota do outro, há situações de extrema dramaticidade, que eu curto intensamente e você, aparentemente, não.

Como uma final de competição importante em que um time consegue manter a situação sob controle durante 88 minutos e deixa a vitória escapar em apenas três. Podem passar décadas até ocorrer outra decisão tão eletrizante.

Como um técnico excêntrico e fascinante (o Tostão acertou em cheio qualificando o Jesus de "maluco beleza") conseguir, com sua intuição pura, derrubar o edifício que seu congênere adversário construíra com arquitetura e engenharia perfeitas.

Como um veterano próximo de pendurar as chuteiras sair do banco para, em dois lances afortunados, associar seu nome a uma conquista que vai se tornar lendária e lhe valerá a gratidão da nação rubro-negra até o fim dos seus dias.

Como o maior talento futebolístico brasileiro desde Neymar (Bruno Henrique) efetuar seu rito de passagem com louvor e decolar para as estrelas.

Como um goleador fracasso e humilhado na Europa dar uma impressionante volta por cima, que pareceu fácil mas lhe custou enormes esforços e renúncias.

Eu vi tudo isso num único jogo. Porque conservo a mente aberta e estou sempre buscando essas situações-limite, em que os acontecimentos rompem as amarras da rotina tediosa e da previsibilidade exasperante dos tempos atuais.

Henrique Nascimento disse...

Pô Celso, desculpe se esse meu comentário soou um tanto irônico. Fiz esse comentário ontem por volta das 15h e depois disso acessei o blog hoje na hora do almoço e só agora à noite me deparo com a sua réplica. Usando uma expressão futebolística, parecia que você não iria "dar bola para isso".

Fiz essa colocação referente à podridão que se tornou o comércio do futebol, em que muitos jovens, a grande maioria, se não todos, sonham sair da condição de pobreza, se aventuram nesse mundo e muito poucos são beneficiados e muitos se decepcionam. Experiência própria que eu vivenciei de um amigo, cujo filho foi infelizmente preterido. Ele investiu tudo que tinha e o que não tinha.

Obviamente, isso não tem absolutamente nada a ver com a arte do futebol e de qualquer outro esporte. Eu particularmente não acompanho futebol, não por ojeriza ao futebol pelo fato de atualmente ser o que é, mas nenhum esporte me apetece ao ponto de praticar, assistir ou acompanhar. Isso vem da infância quando nas aulas de educação física os professores nos obrigavam a jogar futebol, vôlei, etc. Como sempre para aqueles que não gostam ou não tem vocação, a minha posição era goleiro. Achava um porre essa obrigação.

celsolungaretti disse...

Eu era goleiro também, até que razoável, mas inconstante. Às vezes fazia milagres, às vezes engolia frangaços.

Também não encontrei o tom certo na minha resposta (não a chamaria de réplica). Quis apenas mostrar que, em termos genéricos, se pode impugnar praticamente tudo numa sociedade podre como a nossa, mas você pode também encontrar dramas e personalidades fascinantes, se souber escavar abaixo do óbvio.

De criança eu era adoentado, sempre com gripe, então travei contato muito cedo com as leituras, primeiramente HQs, depois livros. Aí operei as amígdalas, minha saúde melhorou, mas o hábito já tinha se enraizado.

E é a literatura que nos acostuma a notar esses outros aspectos que citei e costumam passar despercebidos.

Os esportes não se reduzem ao perde ou ganha, têm outro componente importante, o de impelir as pessoas a tentarem superar seus limites. Só isto já propicia dramas muito interessantes. P. ex., o de um Roger Federer, que começou ganhando facilmente tudo que queria, pois já era um tenista formidável.

Depois, adversários muito motivados foram aprendendo a anular seus pontos fortes e, por alguns anos, ele ficou desencontrado. E, quando parecia marchar para o fim, de repente se fortaleceu, começou a batalhar duro para superar suas limitações e conseguiu recuperar a competitividade, voltando a estar sempre entre os primeiros.

Agora, encara o desafio da idade, jogando de uma forma inacreditável para um tenista de 38 anos. São essas exceções que me fascinam, não os esportistas "normais".

E o Muhammad Ali? Como um esporte tão bestial pôde produzir um indivíduo tão incrível? Jamais esquecerei quando, no penúltimo round de uma luta de 15 contra o Joe Frazier (a terceira entre os dois), ele percebeu que o adversário estava praticamente nocauteado em pé e ficou acenando para o juiz parar a luta.

O imbecil não o fez e o Ali ficou dando socos inofensivos até o assalto acabar (no intervalo os médicos recomendaram a desistência).

Que outro pugilista desperdiçaria a oportunidade de mandar à lona um grande campeão? Mas, a adrenalina não transformava o Ali num animal.

Durante a campanha das diretas-já, eu estava a uns 30 metros do palanque quando, numa manifestação no vale do Anhangabaú, o Sócrates assumiu com a multidão o compromisso de, caso a emenda Dante de Oliveira fosse aprovada, recusar uma astronômica oferta italiana e permanecer no Brasil para ajudar a reconstruir o país.

Hoje nossos futebolistas sonham toda noite em serem contratados por algum grande da Europa. Ele teria aberto mão disto se não tivéssemos um Congresso de canalhas. A emenda não passou, a última eleição sob a ditadura foi também indireta e o Sócrates voou para a Itália, encerrando a fase do seu esplendor. Nunca mais seria o mesmo.

André Luiz disse...

Lembrança correta e digna do Celso. É um cara a se invejar. Fala das coisas que acontecem. A conquista do Mengao é uma realidade. O Flamengo nunca foi um e nunca poderá ser um clube de ricos da zona sul. A Gávea é só um endereço. O que vale é muito mais. Obrigado, Celso, por perceber isso

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