david emanuel coelho
LULA SOLTO. O QUE VIRÁ DAQUI PRA FRENTE?
A famosa frase de Romero Jucá é repetida à exaustão, mas sempre faltando um pedaço. Após falar do “grande acordo nacional, com supremo, com tudo”, o caciquezão acrescentou: “que protege o Lula, que protege todo mundo”.
Por óbvio, petistas fingem não existir a última parte da fala. Fazem um processo de releitura histórica, apagando erros, conluios e opções desastrosas. Na história lulopetista, o mundo político não passa de uma novela mexicana onde batalham o bem e o mal, tudo reduzido a um roteiro muito simples: Lula é a mocinha da trama, ingênua e perseguida por vilões malvados que apenas querem fazer o povo não comer três vezes ao dia.
A soltura de Lula é mais um passo em um processo de acordo de cúpula. Conforme já tinha me referido em artigo anterior, a prisão do ex-presidente já cumpriu seu papel estratégico de favorecer a eleição de um desclassificado e a vitória do neoliberalismo radical.
Aprovada a mãe de todas as reformas, a previdenciária, sua libertação já era possível. Lula agora pode cumprir o importante papel de neutralizar a oposição de esquerda, enfraquecendo nomes que defendem uma posição econômica menos ortodoxa, cujo exemplo mais claro é Ciro Gomes.
O acordo de cúpula certamente envolveu o STF – na figura de Dias Toffoli e Gilmar Mendes –, as centrais sindicais, os movimentos sociais, o PT e Bolsonaro. Obviamente, sobre isto não dispomos ainda de um relato explícito, mas existem indícios contundentes.
Em maio, p. ex., conforme revelou a revista Época, Toffoli entrou em campo para proteger Bolsonaro de uma possível queda. Na época, o presidente vinha sendo sitiado por manifestações estudantis e era pressionado por parte do empresariado, descontente com o andar da economia. Até os caminhoneiros ameaçavam voltar às ruas.
O presidente do STF costurou um acordo para sustentar o presidente e, a partir dali, virou uma espécie de ministro judicial do governo, pautando ações de interesse do Palácio do Planalto e segurando as que poderiam atrapalhar. Chegou mesmo ao disparate de assinar cartas de intenções apoiando a reforma da Previdência, uma ação absurda, inconstitucional e infringente da separação dos poderes.
Em seguida, veio um passo maior e decisivo: Toffoli congelou as investigações em torno de Flávio Bolsonaro, conquistando de vez o coração da família presidencial. Isto, inclusive, é uma explicação bem plausível para o fato de o papaizão não ter feito nenhum movimento incisivo para evitar a liberação de Lula
Além de, obviamente, ser ele mesmo e sua família beneficiários da regra de prisão apenas após o fim dos infinitos recursos judiciais, pois são mais que prováveis futuras condenações do clã por seus crimes.
Do lado lulopetista, o acordo veio na forma preguiçosa de oposição às reformas de Bolsonaro. A CUT, p. ex., praticamente se fingiu de morta durante a tramitação do projeto. Tendo sido forçada a chamar uma greve geral na esteira das manifestações de maio, logo voltou para a toca e lá ficou até o dia da soltura de Lula.
Mesmo as manifestações estudantis de maio foram logo raleadas por sucessivos boicotes da UNE. E, da parte do MST, a passividade ficou tão patente que nem o tradicional abril vermelho foi realizado neste ano.
Lula fora tem um valor mais simbólico que concreto. Ele nunca deixou de divulgar seus posicionamentos políticos, mesmo de dentro da cadeia, como provam suas ações na eleição passada. Não enfrentou solitária ou uma prisão rigorosa, como tantos nomes da esquerda brasileira e mundial.
Obviamente, o cárcere é sempre horrível, mas não se pode deixar de reconhecer que Lula recebeu em Curitiba um tratamento bem menos severo do que a maioria esmagadora das pessoas presas no Brasil, inclusive as condenadas por corrupção.
Conforme já disse no artigo acima lincado, não acredito que Lula tenha algo diferente para oferecer. Está ancorado no passado.
Ainda acredita piamente em fazer política como se fazia em 2009, desconhece as mudanças globais na economia e na geopolítica, ignora – ou finge não reconhecer – as mudanças de espírito da burguesia nacional e, sobretudo, desconsidera a extrema fragilidade política e social de seu nome junto às massas populares.
Pensa poder ganhar eleições e governar simplesmente com o apoio da franja petista da classe média e dos desvalidos que vivem nos grotões brasileiros. Não consegue entender o quanto a desindustrialização, a financeirização e a dissolução neoliberal arruinaram a classe trabalhadora urbana e sua consciência política.
Sua saída, no entanto, possui o valor simbólico de galvanizar a esquerda institucional em torno dele e impedir a crítica radical e a conformação de um campo político autônomo. A ele está reservado o papel de figura maior de uma oposição de fachada a ser constituída, crítica dos excessos do arrochão do Guedes e denunciadora do bolsonarismo, enquanto nada estará fazendo contra a raiz do processo de destruição neoliberal.
Para piorar o quadro, deverá insistir na tese de colocar-se a si mesmo enquanto candidato para 2022, anulando por completo a criação de novas lideranças e abrindo margem para a vitória de algum outro aventureiro direitista. Luciano Huck está na fila.
Em que pesem as arbitrariedades cometidas no processo contra Lula – de resto, frequentes no esdruxulo sistema judicial brasileiro –, a liberdade do ex-presidente acaba sendo muito mais uma conquista pessoal do que coletiva, tendo pouca a oferecer em termos de solução para a grave crise brasileira, a qual se agrava a cada dia e a cada ação tresloucada de Bolsonaro e de seu lunático ministro da Economia.
(por David Emanuel de Souza Coelho)
2 comentários:
Pensei o mesmo que o David.
Será que estou ficando inteligente?
O bom é que ele sabe escrever a respeito dessas coisas intangíveis.
O perigo é que, se um simplório como eu sacou a jogada dos caras, é bem capaz que outras mais também.
É fim de feira mesmo.
Cadê os grandes roiteiristas do capital para criar uma estória menos óbvia?
Ou será que as pessoas é que estão mais alienadas ainda?
"O acordo de cúpula certamente envolveu o STF – na figura de Dias Toffoli e Gilmar Mendes –, as centrais sindicais, os movimentos sociais, o PT e Bolsonaro. Obviamente, sobre isto não dispomos ainda de um relato explícito, mas existem indícios contundentes".
Sim, mais uma análise certeira. Mas, lembrando ainda que a sala de controle fica em Washington.
Acho que o caro Dalton Rosado já expôs o cenário geopolítico: as margens de lucro caíram no centro capitalista, além das moedas podres sem lastro. Logo, a ordem é espoliar e espremer a América Latina, com suas riquezas naturais.
No Brasil, o pré-sal, nióbio e o ouro na amazônia. Na Bolívia, o lítio das baterias.
Então, os falcões da direita estadunidense fazem aliança com a burguesia entreguista local em troca da garantia do aumento da mais-valia (arrocho salarial e redução drástica nos gastos sociais). Dessa forma, também o capital financeiro se apropria de uma parcela maior do orçamento.
Talvez os istêits resolveram soltar o Lula agora porque ele, de certa forma, é um fator de estabilidade social. Haja vista, as manifestações no Chile e o "drible da vaca" que tomaram do peronismo na Argentina. Sem contar que até agora fracassaram com um golpe na Venezuela.
Então, vai funcionar mais ou menos assim, de um lado o discurso da esperança para os desvalidos enquanto aumenta o arrocho e a repressão...
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