quarta-feira, 1 de maio de 2019

VENEZUELA, UM PAÍS EM AGONIA LENTA.

vinicius torres freire
PARA ENTENDER
A MISÉRIA DA VENEZUELA
A vida cotidiana parece impossível na Venezuela. Parece inviável até quando a gente compara a dureza dos vizinhos à situação terrível das famílias muito pobres no Brasil, que recebem em média R$ 186 por mês do Bolsa Família e pagam R$ 2,50 pelo quilo do arroz mais barato. Pode ser pior.

Uma dúzia de ovos em Caracas sai por 6.400 bolívares. Um quilo de arroz, por 8.000 bolívares. O salário mínimo, mais o bônus alimentação, é de 65 mil bolívares, US$ 12,50, pelo câmbio oficial. Um frango custa uns 25 mil bolívares. Uma banana (uma unidade), 1.200 bolívares. Mais da metade dos trabalhadores do setor formal ganha um salário mínimo, mas as estatísticas são precárias.

É difícil entender a economia de um país em que a inflação em março era de 1.623.656% ao ano. Baixou um pouco. Havia chegado a 2.688.670%, em janeiro. 

No auge do horror, a inflação brasileira foi a 6.821% ao ano, em 1990. Diferença de milhares para milhões, favor prestar atenção.

A inflação é calculada pela Assembleia Nacional, pois faz muitos anos ninguém acredita nas mentiras do governo (quando os números existem). É preciso recorrer a estimativas privadas ou a instituições internacionais para saber algo tão básico quanto o valor da produção nacional, o PIB.

Os números da ONU (Cepal) e do FMI divergem um pouco, mas desde 2013 a economia encolheu pelo menos 45%. O PIB do Brasil, que vive uma depressão, diminuiu 4,2% no mesmo período. Nos chutes para este ano, a recessão venezuelana deve ser de 10% a 25%.

Em uma década, a produção de veículos caiu uns 95%. Sim, quase tudo se foi, quase não se fabricam carros por lá, como quase mais nada. O que havia de indústria foi arruinado por desordem extrema e por importações, facilitadas pela demagogia do dólar barato e pagas pelo petróleo caro —enquanto durou.

As importações totais do país caíram 85% desde 2012. O país não tem dólares suficientes para comprar produtos no exterior, dá calotes na dívida e se vira com refinanciamentos e empréstimos de russos e chineses. Nos chutes informados do FMI, a taxa de desemprego seria de 35%.

O país começou a entrar em colapso no ano da morte de Hugo Chávez, em 2013. Na média dos últimos 20 anos, cerca de 90% do valor das exportações veio do petróleo (mais de 95%, nesta década). 

O preço do barril baixou muito a partir de 2014, o que explodiu de vez a economia, é verdade.

No entanto:
1. Quase todos os países da América Latina vivem de commodities. Mesmo levando em conta a importância excessiva do petróleo, a Venezuela se desgraçou mais que os vizinhos; 
2. O governo gastava como se o preço do barril fosse ficar alto para sempre. Quem tem renda variável e despesa permanentemente alta, um dia quebra; 
3. O governo destruiu a PDVSA, a petroleira estatal; 
4. Não há nada parecido com política econômica na Venezuela faz mais de dez anos; e
5. A produção de petróleo caiu pela metade desde 2013.
.
O déficit do governo começou a explodir nesta década. Nas contas do FMI, anda pela casa de 30% do PIB (no pior desta crise desesperadora, chegou a 11% no Brasil). O governo paga as contas com emissão de dinheiro (digital, pois nem imprimir notas consegue: falta moeda na praça).

Sim, o boicote americano piorou a situação, o que nem de longe explica o desastre. A reconstrução, se e quando vier, vai depender de anos de tutela e de empréstimos externos de muitas dezenas de bilhões de dólares. (por Vinícius Torres Freire)
.
Toque do editor: Diante do quadro econômico exposto pelo Torres Freire, jornalista idôneo, não há como chegarmos a outra conclusão que não a de que, como está, a Venezuela não pode ficar. É inconcebível e inaceitável qualquer povo ser submetido a condições de vida tão desumanas.

Maduro foi um completo fracasso como sucessor de Hugo Chávez e não tem a mais remota condição de reerguer o país. Sustenta-se pela força das baionetas que, como bem dizia Napoleão Bonaparte, servem para muita coisa, mas não para alguém sentar-se sobre elas.

O que resta para a esquerda fazer é jogar sua influência no sentido de que a substituição de Maduro se dê pacificamente, com a convocação de eleições livres e sob a supervisão de organismos internacionais. 
Caso contrário, mais dia, menos dia, ele será derrubado pela oposição estimulada por Trump, Bolsonaro e que tais, dando ensejo a mais uma apoteose direitista.

Infelizmente, o PT continua insistindo em defender o indefensável, como fez em seu Comunicado contra a tentativa de golpe na Venezuela desta 3ª feira, 30, quando chegou ao cúmulo de afirmar que o fracasso dos grupos opositores "é um resultado claro do apoio que o partido [Socialista Unido da Venezuela] e seu governo têm junto às pessoas, após anos de políticas voltadas ao bem-estar da população e contrárias à exploração imperialista e das elites locais".

Até quando continuará com a cabeça enterrada na areia, como avestruz? Os anos de políticas voltadas ao bem-estar da população levaram aos horrores econômicos acima descritos pelo Torres Freire e causaram a maior tragédia humanitária sul-americana deste século. Falta de autocrítica (e até da mais comezinha sensatez) dá nisso... (por Celso Lungaretti) 
O que havia para se dizer à Gleisi Hoffman, ao Humberto Costa, ao Paulo
Pimenta e à Mônica Valente, que assinaram o inqualificável comunicado
do PT sobre a  Venezuela, o grande Noel Rosa já disse em 1935: "Quem
é você, que não sabe o que diz? Meu Deus do céu, que palpite infeliz!"

7 comentários:

Henrique Nascimento disse...

É de embrulhar o estômago ouvir a entrevista do Lula, a qual consegui assistir apenas 15 min. Sem condições para mim de prosseguir. Agora hoje sai essa pérola de nota da nossa esquerda "desorganizada".

Anônimo disse...

E o embargo econômico do império ?
O erro de Chaves/Maduro foi não desenvolver um parque industrial e reduzir as importações...
Mas a luta maior é pela soberania !

celsolungaretti disse...

Anônimo das 22h53,

soberania só importa para quem consegue continuar vivo e levando vida de gente. Se está morrendo de fome ou buscando outro país para poder sobreviver, de que lhe valem essas palavras altissonantes?

Esquerda de verdade nunca usa como justificativa o fato de o inimigo ter agido como um inimigo deveria agir. Ou você acredita que os vassalos do capital poderiam ser "bonzinhos"?!

Dilma foi impichada por causa de seus erros crassos. O Maduro cavou sua cova (como presidente) por jamais haver tido nem 1% da competência que seu cargo requeria.

Temos de parar de buscar desculpas para esses oportunistas e/ou energúmenos que acabam com a imagem da esquerda. Se no lugar da Dilma estivesse o Lula e se o Chávez não houvesse morrido, o desfecho teria sido bem diferente, nos dois casos.

celsolungaretti disse...

Henrique,

sua mensagem me inspirou a incluir o vídeo da música "Palpite infeliz" no rodapé do post.

Abs.

Henrique Nascimento disse...

Problema tende a ficar cada vez mais crítico aqui em Manaus. Boa Vista já ultrapassou o limite faz tempo. No entorno da rodoviária, por onde chegam os maiores contingentes de venezuelanos, a prefeitura e o governo do estado simplesmente não conseguem desmobilizar os acampamentos que se formam. Levam-os para abrigos em um bairro mais distante, mas logo em seguida formam-se mais acampamentos. O resultado disso é a tensão que ocorre entre esses venezuelanos acampados e os brasileiros com trabalho "informal" que sempre tiveram o entorno da rodoviária como seu ganha-pão. Não adianta fechar fronteira, pois a fome é incompatível com uma simples questão ideológica.

Anônimo disse...

"Sim, o boicote americano piorou a situação, o que nem de longe explica o desastre. A reconstrução, se e quando vier, vai depender de anos de tutela e de empréstimos externos de muitas dezenas de bilhões de dólares."

Caracas! No final o autor se entrega como mais um pau-mandado sem isenção a serviço do capital e das finanças transnacionais e contra a soberania e autodeterminação dos povos...pqp!

celsolungaretti disse...

O cidadão comum venezuelano está é passando fome, sendo privado de quase tudo que caracteriza uma vida civilizada e indo para outros países no afã de sobreviver.

"Soberania e autodeterminação dos povos" não está acima da SOBREVIVÊNCIA dos ditos cujos. E o que sustenta o regime catastrófico do Maduro não é a "autodeterminação do povo", mas sim a força militar. Exatamente como acontecia nas ditaduras militares contra as quais lutamos.

O Vinícius Torres Freire está certíssimo: quando sair do atual pesadelo, a Venezuela precisará de uma espécie de Plano Marshall para se reerguer. Está no fundo do poço.

Related Posts with Thumbnails