quinta-feira, 23 de maio de 2019

MACONHA, ATEÍSMO E SEXO NA USP

É difícil apontar o que há de mais demente, de mais estúpido ou de sinistramente cômico no mundo bolsonarista. Mas eu queria comentar um pouco o modo com que esse bando de saltimbancos se manifesta a respeito da universidade pública.

Quanto ao chefe, o caso seria quase de compaixão. Bolsonaro afirmou que grande parte da pesquisa no Brasil é feita pelas faculdades da iniciativa privada. A estatística desmente a batatada [o blog recomenda este artigo que aprofunda bem o assunto]. O presidente simplesmente não sabe o que diz.

Claro que as intenções —que não vêm deste governo— são perversas. A grande campanha contra o ensino público, tanto na perseguição ideológica quanto no sufocamento financeiro, está a serviço da indústria das universidades particulares.

Já lhes convinha muito o programa petista de financiar as mensalidades dos alunos pobres. Muitos jovens se beneficiaram de diplomas que muitas vezes servem apenas para que se atinja um status social mais satisfatório.

Você pode marcar no currículo que tem nível superior, graças a um curso de administração, relações públicas ou turismo nas Faculdades Pindorama; pouco vale, mas traz felicidade e conhecimentos residuais ao diplomado. 
Que digo? Nos dias que correm, um atestado desses é o suficiente para você virar ministro, líder de partido, especialista em acordos internacionais ou luminar opinativo nos círculos do governo.

Tenho saudade dos tempos em que se reclamava do analfabetismo de Lula... Hoje, um especialista em finanças, a quem se atribuiu o cargo de ministro da Educação, confunde 3 com 30 por cento quando vai explicar o contingenciamento de verbas. Nervosismo e pressa, sem dúvida. Mas Lula acho que sabia a diferença entre Kafka e um espeto de carne.

Tudo isso é tão primário, tão deprimente, que termina sendo uma vantagem para os adeptos da nova ordem. Não há sequer o que discutir. A imbecilidade prossegue por si mesma, imune à denúncia ou ao ridículo.

Um pouco mais complexa é a atitude dos que, ecoando Bolsonaro ainda uma vez mais, constroem uma espécie de fantasia própria a respeito das universidades públicas —e da USP em particular. Lá só tem maconheiro!

Foi boa a resposta da página de Ciro Gomes no Facebook: “Diz que nas universidades públicas só tem maconheiro... quer dizer que você disputou com um viciado e ainda perdeu a vaga?”

A provocação desvenda a mentalidade por trás dessa campanha. O mecanismo é conhecido; trata-se do puro ressentimento.

Conceito complicado, esse, que a psicanalista Maria Rita Kehl (e minha ex-mulher, mas isso felizmente não vem ao caso) analisou com profundidade em livro publicado pela Casa do Psicólogo em 2004.
Uso o termo, aqui, no sentido coloquial. Tome-se o outro ponto preferido das críticas à USP —lá as pessoas ficam peladas, o sexo corre solto, aquilo é uma orgia de marxistas, de ateus ou coisa pior.

Pior que um marxista ateu? Ah, sim: bissexual.

A raiva contra a USP nasce de uma criação imaginária. 

O bolsonarista se sente atraído pela nudez de belas estudantes ou pela devassidão de gays no Carnaval; em vez de desviar os olhos e rezar um padre-nosso, divulga o que pode nas redes sociais.

Acrescenta um sinal de menos: “Como! O que é isso! Veja só o que estão fazendo!”
Ele gostaria de entrar na USP —admito que para estudar, não para fumar maconha. Como não entrou, precisa diminuir sua frustração. As uvas estão verdes...

Seria o caso de dizer, como fez Bolsonaro, que afinal lá não existe pesquisa científica ou que o ensino não é tão bom assim.

Mas o bolsonarista vai além, e aí ele se trai. Para negar seu desejo pela USP, resolve substituí-lo por um objeto de desejo ainda mais forte, o sexo. Imagina um harém de prazeres —e, nesse caso, seu histórico de repressão pessoal ajuda. Isso ele sabe negar, sabe condenar.

Reprovado numa escola de artes, Hitler passou a considerar-se árbitro da estética alemã. Vingou-se, eliminando os responsáveis imaginários por sua eliminação.

Ninguém usa de verbalização mais pornográfica do que Olavo de Carvalho, ao condenar a educação sexual na escola básica.

A violência desses coitados se explica: sem ironia, é o grito dos excluídos, um pedido de liberdade, engasgado na garganta daqueles que só entendem a repressão. Pena que eles próprios sejam imbecis demais para perceber isso. (por Marcelo Coelho, jornalista, escritor e mestre em sociologia pela USP)

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