quarta-feira, 8 de maio de 2019

CRISTO APOIARIA OS EVANGÉLICOS NUMA INVASÃO DA VENEZUELA?

Neste quinto mês de governo com a economia em recesso; queda do apoio da população; desconfiança dos mais pobres, dos professores, mulheres e trabalhadores rurais quanto aos efeitos da revisão da Previdência nas suas futuras aposentadorias; oposição de todos os organismos internacionais ligados aos direitos humanos; e rachadura com o vice-presidente comprometendo a relação com os militares, tudo parece ir mal com a família Bolsonaro no poder.

Fiéis ainda a Bolsonaro, só os evangélicos, hoje cerca de 30% da população. A quase totalidade, vivendo do salário-mínimo ou menos, seguia, ainda há alguns anos o líder Lula.

De formação primária, leitores de um livro só (a Bíblia), são alimentados ideologicamente por pastores, blogs e fake news produzidos pela direção dos diversos movimentos evangélicos.

Só um acontecimento marcante poderá evitar a degringolada do governo, saudado, na sua vitória eleitoral, como messiânico e uma intervenção direta da mão divina na política brasileira. Não é preciso ser vidente e nem ter os dons esotéricos do feiticeiro de Virgínia, Olavo de Carvalho, para adivinhar qual poderá ser o fator capaz de provocar uma união nacional em torno de Bolsonaro.

Bastará ocorrer um incidente militar com a Venezuela capaz de sensibilizar a opinião pública brasileira e provocar uma reação patriótica. Pode estar mesmo em gestação adiantada esse incidente, que colocaria o povo revoltado nas ruas pedindo vingança.

Imaginem uma armação, na qual um grupo de soldados brasileiros são metralhados dentro de nossas fronteiras por venezuelanos bolivarianos, sem faltar a filmagem do começo dessa afronta por um dos soldados, pouco antes de ser também baleado.

Numa situação dessas, no calor patriótico, será fácil convencer o povo da necessidade de uma resposta. E nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, conseguiria conter uma declaração de guerra.

Entretanto, o voto do grupo de deputados evangélicos e a pregação dos pastores evangélicos poderão evitar essa aventura guerreira.

Por isso, a questão que colocamos, diante dessa hipotética situação, é de cunho teológico – os evangélicos, professando uma fé baseada no amor e no perdão, aceitarão aprovar essa aventura guerreira?
O Deus do Velho Testamento é tão cruel quanto Júpiter...

Fizemos essa pergunta num reduto evangélico e obtivemos algumas respostas preocupantes e sintomáticas. A maioria preferiu não responder o que é também alarmante, pois como bons cordeiros esperam a decisão de seus pastores.

Os favoráveis a uma guerra de invasão da Venezuela se reportam ao Deus do Velho Testamento, que incentivava guerras de invasão, ocupação, tendo, numa delas, chegado mesmo a parar o Sol e a Lua no céu para dar a vitória ao seu povo contra os amorreus.

Esse trecho da Bíblia, contando uma intervenção direta de Deus numa guerra, está no Livro de Josué 10: 12 a 14 (1). 

Entretanto, embora tal narração reforce para muitos fiéis sua fé em Deus, um Deus guerreiro que não abandona seu povo, ela é absurda diante dos conhecimentos científicos que temos hoje da astronomia e movimento dos astros no Universo.

Pior ainda, durante séculos, esse trecho bíblico reforçou a crença praticamente transformada em dogma, de que a Terra era plana, fixa e que o Sol girava em torno dela. E muitos cientistas dessa época que provaram o contrário (como Giordano Bruno) foram queimados por apostasia. Galileu que afirmava ser a Terra que girava em tornou do Sol, só escapou da fogueira por ter-se renegado.
...diferentemente da imagem de um Deus paternal e compassivo

Pode parecer um tanto absurda aos leitores esta referência a um livro religioso, e mesmo aos sombrios anos da Idade Média. Porém, entendam, naquela época, em lugar dos evangélicos, era a Igreja Católica quem fazia a cabeça do povo e mesmo dos dirigentes, tendo como um dos argumentos principais o castigo da fogueira. 

Retornando ao nosso tema, justificar a necessidade de uma guerra contra a Venezuela não será difícil aos pastores evangélicos porque, neste caso, embora se digam seguidores da nova aliança criada por Jesus Cristo, prefeririam o Deus cruel de nome Jeová ou Adonai.

O qual, vale dizer, era tão cruel quanto o Júpiter, da mitologia greco-romana, que devorava seus filhos. Um exemplo, o Velho Testamento conta que Onã foi morto por praticar masturbação, coito interrupto ou cunilíngua, não se sabe ao certo, para evitar descendência (2).

Diante disso, entende-se o provérbio de Salomão no livro bíblico Eclesiastes, “o temor de Deus é o princípio da sabedoria”. A mensagem do perdão e do amor divino veio com Cristo, mas persistiu a pena da punição eterna, assimilada ao fogo do inferno.

No Catecismo de Westminster, um dos livros básicos doutrinários do presbiterianismo consta a possibilidade da guerra justa, um conceito flexível que não impediu tantas guerras injustas, como o ataque e invasão do Iraque.
Billy Graham no Maracanã (1974)

O que se passa hoje nos EUA é semelhante ao Brasil. Um terço da população, a com menos poder aquisitivo ou a camada popular, é evangélica praticante ou fundamentalista.

Diante da dificuldade de terem uma vida terrena melhor social e economicamente, aderem em massa ao culto da transposição de suas esperanças para o além depois da morte, com as prometidas riquezas e delícias espirituais do céu, não bem explicadas, junto de Deus.

O evangelismo atual nasceu do fundamentalismo ou interpretação literal das Escrituras, defendido pelo pastor presbiteriano Carl McIntire, que morreu em 2002 com 95 anos e esteve em São Paulo nos anos 60, quando pronunciou conferências no Teatro Municipal (um de seus seguidores no Brasil foi o pastor Boanerges Ribeiro, que durante 12 anos dirigiu o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana).

O mais conhecido defensor do evangelismo atual era o pregador Billy Graham, que enchia estádios nos Estados Unidos e mesmo noutros países, proclamando a necessidade de um reavivamento cristão, que era também moral e conservador.

Para quem se surpreendeu com a cerimônia evangélica transmitida pela televisão, tão logo confirmada a vitória do candidato Bolsonaro na eleição presidencial, vale lembrar que a posse de Bill Clinton também se assemelhou a um culto evangélico com oração por um pastor, canto de hino evangélico e presença de Billy Graham.

Os democratas perderam o pouco da simpatia que lhes restava dos evangélicos estadunidenses, transferida para o atual presidente Donald Trump.  
Aliás, a maioria dos evangélicos já estava com os republicanos dos presidentes pai e filho Bush (o sonho dos Bolsonaros seria de repetir isso no Brasil). Em 2001, logo depois do atentado islamita contra as Torres Gêmeas, os evangélicos deram total apoio à guerra de Bush contra o Iraque, chamada de a guerra contra o terror da nova Babilônia.

Na verdade, se fosse uma guerra de reação contra os atentados praticados pelos islamitas, o alvo seria o Afeganistão, onde vivia Bin Laden, e não o Iraque (cujo dirigente era ateu) e contra os islamitas. Porém, para os EUA a guerra não era uma vingança, mas visava outra coisa: o petróleo iraquiano.

Hoje, a Venezuela não é chamada de Babilônia nem atacou ninguém, mas o pretexto é acabar com o marxismo ou comunismo, embora a ameaça de bolivarização da América Latina não exista. Esse pretexto, contudo, é suficiente para mobilizar os evangélicos e obter seu apoio com orações, pregações e talvez até soldados combatendo em nome de Deus.

Mas, a razão principal do interesse dos Estados Unidos pela democracia na Venezuela é bem outra. Trata-se da mesma que provocou a guerra no Iraque e gerou o caos reinante até hoje no Oriente Médio: tomar posse do petróleo.
Um artigo de Rui Martins

A participação do Brasil – que está entregando docilmente seu petróleo sem guerra – tornará a invasão uma questão latino-americana, evitando um confronto direto dos EUA com a Rússia, disposta a defender Maduro.
notas 
1 Sobre o Dia mais Longo
Josué 10: 12 a 14
12 Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor entregou os amorreus na mão dos filhos de Israel, e disse na presença de Israel: Sol, detém-se sobre Gibeão, e tu, lua, sobre o vale de Aijalom. 
13 E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no livro de Jasar? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro. 
14 E não houve dia semelhante a esse, nem antes nem depois dele, atendendo o Senhor assim a voz de um homem; pois o Senhor pelejava por Israel. 
2 Sobre Onã e masturbação
Gênesis 38:8 a 10
Então disse Judá a Onã:
Toma a mulher do teu irmão, e casa-te com ela, e suscita descendência a teu irmão.Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão. E o que fazia era mau aos olhos do Senhor, pelo que também o matou.

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