Eu gostaria de escrever-lhe uma carta sobre poesia, embora sem o talento do alemão Rainer Maria Rilke, sobre a importância da literatura, das artes, do conhecimento; enfim, sobre tudo o que enriquece a humanidade. Mas, eis que nossos líderes agridem tudo que alicerça a cultura de um povo, tal seja a filosofia, a sociologia, a história.
Eu queria escrever-lhe sobre a dádiva da natureza ao brasileiro, sobre as nossas matas, os nossos rios, a nossa fauna e a nossa rica e bela biodiversidade. Pois bem, nossos dirigentes não apenas corrompem as providências para amenizar as inexoráveis e trágicas consequências do aquecimento global como também incentivam o desmatamento e a poluição da atmosfera.
Eu queria falar-lhe, jovem brasileiro, da dignidade do trabalho e da necessidade de conhecimento para enfrentar a dinâmica implacável do progresso tecnológico. Entretanto, esse novo governo asfixia nossas universidades com cortes de verbas e obtusa perseguição.
"nossos líderes agridem tudo que alicerça a cultura de um povo" |
Eu queria escrever-lhe sobre o valor da cidadania, da liberdade, sobre a decência do homem de bem. Porém, esses arremedos de déspotas que presidem esta nação liberam a posse de armas, cooptam e protegem milicianos, homenageiam extorsionários e torturadores, estimulam a violência.
Eu gostaria de poder falar-lhe sobre nosso país, sobre nossa história, nossa arte, nossos escritores, nossa música, nossas conquistas. Mas não posso. Nosso país se curva aos interesses imperialistas dos EUA.
Eu queria falar-lhe do ideal de justiça, da solidariedade. Contudo, só vejo ostentação, narcisismo. Juízes vivendo em palácios nababescos, servidos a lagostas, pagas com o suor do trabalhador brasileiro.
"corte de verbas e obtusa perseguição" |
O que um juiz do Supremo come de lagosta e bebe de vinho importado, diariamente em uma única refeição, equivale ao que come por mês uma família que vive com salário mínimo. E, ao contrário de suas excelências, o cidadão brasileiro paga por suas refeições.
Eu pensava em conversarmos sobre seu futuro, seus sonhos. E olho para nossos congressistas, supostos guardiões da cidadania e de seu porvir. E só ostentam escandalosa cupidez.
Confesso que eu queria inculcar-lhe, jovem brasileiro, uma certa compulsão por justiça social, um certo interesse pelo próximo e pelo distante, um pouco de civilidade enfim.
Mas seria um esforço perdido, tendo em vista a dominação intelectual e ideológica desse governo por um farsante, obsceno e fascista, uma espécie de Rasputin de bordel.
Eu gostaria de encontrar alguma palavra de alento para apaziguá-lo. Eu não queria ser cínico ou parecer desalentado, derrotado. Seria talvez bom se eu pudesse fingir, mentir um pouco.
Mas não. Só posso pedir-lhe que me perdoe, e a todos aqueles das gerações que precederam a sua, pelo que lhe subtraíram e talvez também pelo que lhe ensinaram. (por Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 87 anos, lenda viva da ciência brasileira )
Um comentário:
Caro Celso
Que maravilha poder ler do Rogério! Muito obrigado!
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