quarta-feira, 12 de setembro de 2018

RUI MARTINS: A CANDIDATURA FANTASMA DO LULA FOI UMA ESTRATÉGIA POLÍTICA "ILÓGICA, DISPARATADA E CAÓTICA".

rui martins
OS ERROS MORTAIS DO PT
Ao aceitar sua inelegibilidade e indicar Fernando Haddad como candidato do PT à presidência, pondo fim à candidatura fantasma, Lula encaixa mais uma derrota, revelando uma estratégia que não funcionou e só colecionou erros, alguns mortais para seu partido.

Quando terminarem as eleições e Lula, inofensivo, tiver transformada sua pena em prisão domiciliar, os ideólogos e ativistas do PT (alguns financiados por longo tempo, direta ou indiretamente) vão deixar o clima de campanha para, num exercício de autocrítica e contrição, localizarem quais foram os erros cometidos. 

Onde se iniciou o desvio que acabou por destruir o capital de confiança e popularidade acumulado, com a contribuição das diversas tendências de esquerda, desde sua criação em 1980? 

Numa análise sumária, o processo de fragmentação começou ao nível da composição ideológica da direção do PT. O Brasil seria compatível com uma esquerda autoritária baseada no conceito puro e duro marxista da luta de classes ou de um socialismo moderno e democrático?

Depois da ditadura militar, quando a campanha contra os militares era feita na base do retorno aos princípios básicos da democracia, seria possível uma campanha em favor de um partido radical de esquerda substituindo os militares por um governo popular de partido único?

Não, a campanha em favor do retorno à democracia, nos moldes das democracias europeias, com imprensa livre, tinha o apoio dos intelectuais contrários à mudança estrutural da sociedade pela imposição autoritária.
A social-democracia estava na moda nos anos 80. No centro da foto, Brizola e Mário Soares.
A experiência soviética de um Estado popular totalitário mostrava suas falhas e ia chegando ao seu fim. A tentativa reformista de um governo socialista democrático ensaiada por Alexander Dubcek em abril de 1968, tinha durado apenas quatro meses e terminado com uma intervenção soviética, no estilo colonialista.

Se José Dirceu, que se tornou o ideólogo do partido, imaginava uma transformação mais ampla da sociedade brasileira, logo percebeu ser praticamente impossível dentro da normalidade democrática – teria de ser realizada lentamente e dentro das possibilidades permitidas pelas estruturas já existentes.

O caminho teria de ser o da legalidade das eleições, com a gradativa politização do povo; e isto utilizando-se a criação de um líder popular, no qual o povo pudesse se reconhecer.

Lula seria esse líder por ter-se formado nas lutas sindicais e trabalhistas, na escola das concessões e negociações. Embora muito inteligente e capaz de aprender rapidamente a linguagem política, padecia da falta de uma formação ideológica e cultural, deixando-se levar principalmente pela sua intuição e sagacidade, nem sempre corretas. 
Luiz Gushiken, Lula e Zé Dirceu, também em 1984.

Porém, José Dirceu estava ali ao seu lado, quando Lula foi eleito presidente, para corrigir as falhas.

Com uma sociedade extremamente conservadora e desigual, na qual uma parcela importante da população ainda parecia viver num tipo de apartheid e semi-escravidão, as transformações sociais tinham de ser operadas de maneira branda a fim de evitar reações hostis das classes dominantes. 

Os segmentos pobres ou miseráveis passaram a merecer atenção do governo, em termos econômicos e de inclusão social. Em contrapartida, os setores financeiros, bancos, empresários também tinham tratamento preferencial, restando pouco para a classe média.

Para se manter e ir criando uma base nos governos municipais, o governo Lula precisava de financiamento e apoio dos parlamentares. Isso levou ao mensalão, cuja consequência mais danosa para o PT foi a queda de Dirceu e de outros mentores de Lula, que passou a ser considerado como um extraordinário animal político.

Essa substituição e a chegada de políticos mais realistas que normalizaram o PT, deixando prevalecer a prioridade da manutenção no poder em lugar da realização de reformas substanciais, permitiram o uso da corrupção.

Lula, em 2010, era reconhecido e respeitado como grande líder político e o Brasil citado como exemplo de grande país emergente. Provavelmente para não perturbar esse clima, Lula não pleiteou, como outros líderes de esquerda fizeram, um terceiro mandato; mas, cometeu o erro de escolher Dilma como sucessora, imaginando retornar ao poder em 2014. 
Dilma prometeu barrar reformas neoliberais. Mentia

Nesse ínterim, houve a crise econômica internacional. Dilma intratável não soube evitar a chegada da crise no Brasil, ignorou os sintomas de insatisfação de junho 2013, mas acabou sendo reeleita, a contragosto de Lula, que parecia perder sua força dentro do PT.

A reeleição de Dilma, seguida do que se chamou de estelionato eleitoral (por tentar aplicar uma política econômica de direita para corrigir seus erros do primeiro mandato), foi o começo do declínio do PT. Os processos da Operação Lava Jato não passaram de complemento. 

Era a hora do PT ter feito sua autocrítica ou mea culpa, desfazendo-se de Dilma e dos atingidos pelas investigações do juiz Sérgio Moro. Porém, a máquina partidária tinha inchado demais e não permitia essa dolorosa auto-medicamentação, que teria exigido também a aposentadoria de Lula.

Ao contrário do Partido Democrata Cristão alemão, que sacrificou seu líder Helmut Kohl (na época chanceler) por acusações de corrupção no financiamento do partido, e que se salvou dessa crise política ressurgindo alguns anos depois com Angela Merkel, o PT se personalizou em Lula, transformando-se, nestes últimos anos, num partido de populismo lulista personalista dito de esquerda.

Numa tentativa de sustentação do partido, criaram-se os mitos do golpe e das prisões sem prova que, diante do prestígio conquistado no passado por Lula, chegaram a ser aceitos por alguns órgãos importantes europeus de informação. 
"manutenção de Lula como candidato, mesmo preso"

E até o Comitê de Direitos Humanos da ONU, numa recomendação de seus dois vice-presidentes, defendeu a manutenção de Lula como candidato, mesmo preso, contrariando decisões legais da Justiça brasileira e sem avaliar as consequências internas, caso o Brasil aplicasse a recomendação ainda sem uma análise maior da questão quanto ao seu mérito. 

Porém, o Pacto assinado com o Comitê, embora aprovado pelo Legislativo, não chegou a ser assinado por Lula, que, entretanto, havia assinado e promulgado a Lei da Ficha Limpa no final de mandato.

Enfim, depois de meses de tentativas para manter a candidatura de Lula, e mesmo nos últimos dias depois de declarada sua inelegibilidade pelo TSE, o PT aceitou acabar com a candidatura fantasma diante da ameaça do ministro Barroso do TSE. Mas o candidato Haddad entra atrasado na corrida presidencial, talvez sem tempo para se recuperar do avanço dos principais concorrentes. 

Para reforçar a imagem de um Lula vítima de perseguição, seus advogados divulgaram nesta 2ª feira (10) um comunicado do que seria uma nova decisão do Comitê de Direitos Humanos em favor da candidatura de Lula. 

Não é isso, trata-se de uma comunicação pessoal enviada aos advogados de Lula, que haviam pedido maiores explicações aos relatores do Comitê sobre a recomendação do 17 de agosto. A nova queixa entregue dia 4 de setembro foi protocolada para apreciação.

Enquanto desenvolvia essa estratégia política ilógica, disparatada e caótica, que terminou sem nada conseguir, com a aceitação da candidatura de Haddad se constituindo numa derrota de Lula e do seu faro político, o Brasil viu surgir, em contraposição ao populismo de esquerda, a ameaça do populismo da extrema-direita, de colorido fascista, que vencerá o 1º turno do pleito presidencial.

Será a hora do voto útil contra a ameaça bolsonarista de transformar o Brasil, como ocorreu no Peru com Fujimori, numa nova ditadura. Qualquer um contra o perigo maior. Poderá ser Haddad, Ciro, Marina, Alckmin. 

Esperemos que, se não for Haddad o oponente do ultradireitista, a direção petista não cometa mais um erro, que seria o de se abster e garantir a vitória de Bolsonaro, para garantir uma confortável oposição. Oposição que não haverá, caso mergulhemos de novo na ditadura. 

4 comentários:

Henrique Nascimento disse...

Acredito que o Lula, se tivesse assumido em 2014, ele também teria chamado um sinônimo de Joaquim Levy, provalmente Henrique Meireles, ou mesmo um Armínio Fraga, com quem já havia flertado lá atrás no início do primeiro governo.

À diferença da Dilma, ele saberia como domar os exaltados do seu partido, convencer o "povo" e cono negociar com o Congresso.

Vandeco disse...


Dizem que o Lula não sabe ler nem escrever. No entanto, pensar e falar ele sabe. Mas, parece que se esqueceu disso, pois está destruindo sua biografia e levando junto também o seu, dele, partido. Para subir é preciso muito esforço e muita ajuda, mas para descer e cair basta um simples deslize ou empurrão.

celsolungaretti disse...

Henrique,

o Lula saberia que os parlamentares do PT não apoiariam as reformas trabalhista e previdenciária, pelo simples motivo de que poderiam ter seus nomes expostos, nas eleições seguintes, em listas de "traíras", com boa chance de não conseguirem reeleger-se. E essa gente defende, acima de tudo, a continuidade de seus privilégios.

Já a Dilma estava tão desesperada para consertar as lambanças cometidas no 1º mandato que se rendeu incondicionalmente ao neoliberalismo, sem levar em conta que o fogo amigo manietaria o Joaquim Levy. Incompetência acaba com qualquer político.

celsolungaretti disse...

Vandeco,

o Lula teve tanto êxito em afastar os que raciocinavam melhor, que agora sobrou apenas ele no pedaço para tomar decisões.

Como sempre foi mais um líder sindical do que um estrategista político, o resultado está aí: uma sucessão interminável de erros crassos.

O pior de todos foi permitir que a Dilma tentasse o 2º mandato em 2014. O partido está derretendo porque ele não fez valer suas prerrogativas. Nada deu certo desde então.

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