quinta-feira, 20 de setembro de 2018

ATÉ O NOAM CHOMSKY ESTÁ COBRANDO A AUTOCRÍTICA DO PT. QUEM AINDA FALTA?

"Se o PT reconquistar o poder político, (...) uma grande tarefa que deve enfrentar é de estabelecer uma espécie de comissão da verdade para olhar com honestidade para o que ocorreu. Olhar com franqueza para as oportunidades que se perderam. Isso teria um grande significado.

Eles tiveram tremendas oportunidades. Algumas foram usadas em benefício da população, outras foram perdidas. É preciso perguntar por que isso ocorreu, e fazer isso publicamente. E realizar reformas internas que impeçam que aconteça outra vez..."

A afirmação é do estadunidense Noam Chomsky, um dos acadêmicos de esquerda mais respeitados mundialmente, tido como o pai da linguística moderna e um dos principais expoentes da filosofia analítica. 

Próximo de completar 90 anos (no início de dezembro), ele concedeu longa entrevista à BBC, cuja íntegra pode ser acessada aqui. O destaque absoluto, claro, é ele ter vindo somar-se às muitas vozes da esquerda que clamam há tanto tempo por uma autocrítica do PT. 

O blog Náufrago da Utopia foi uma das primeiras dessas vozes, por meio de um post de 14 de maio de 2016, quando foi lançada a ideia de colaboradores e internautas em geral enviarem seus textos sobre a refundação da esquerda: 
"Um agudo processo de crítica e autocrítica hoje é simplesmente imperativo, pois a derrota que acabamos de sofrer foi, em muitos aspectos, pior ainda do que a capitulação sem luta de 1964... temos de discutir quais as novas estratégias e táticas a serem adotadas, para substituírem as que chegaram ao esgotamento na atual década".
A Lucy, no Brasil, certamente seria petista...
Eis algumas perguntas da entrevistadora Júlia Dias Carneiro a que Noam Chomski deu respostas interessantes:

Júlia  O senhor frequentemente elogia o período de crescimento e redução da pobreza na era Lula, mas seu governo incluiu práticas de corrupção, fisiologismo e toma-lá-dá-cá recorrentes na política brasileira, e que Lula antes condenava. Isso levou muitos a se desiludirem com o PT. Na sua visão, a inclusão social prevalece sobre esses problemas?

Chomsky — Houve isso e eu não justifico, não considero correto. Mas foi inevitável já que o PT tinha uma minoria no Congresso. Não poderiam operar sem fazer alianças.

O problema real foi outro. O problema real foi ter falhado em diversificar a economia. Naqueles anos, houve uma grande tentação em toda a América Latina de seguir a vocação tradicional de fornecer commodities a consumidores em outras partes do mundo, especialmente para a China, que se tornou uma grande compradora de soja, ferro. 

Manufaturados chineses baratos passaram a inundar o Brasil, inviabilizando a indústria de manufaturados local. Esse tipo de política não pode levar a um desenvolvimento de sucesso...

Mas essas conquistas começaram a entrar em declínio durante o governo do próprio PT.

Elas colapsaram quando a oportunidade fácil de produzir commodities para o que parecia ser um mercado insaciável se esgotou. E aí houve um grave problema. Que foi causado pela falta de diversificação. Mas a corrupção é real. É endêmica não apenas no Brasil, mas em todo o hemisfério.

Então, quando o senhor defende o PT, admite que houve corrupção?

Digo que houve conquistas significativas, mas houve erros. E que ele [Lula] agora foi condenado de uma maneira completamente desproporcional ao que fez ou deixou de fazer. Isso não é defender o PT, é descrever os fatos.

Embora Lula pareça ter se mantido afastado de corrupção pessoalmente, ele certamente tolerou muita corrupção no PT. Assim como o [Hugo] Chávez tolerou muita corrupção na PDVSA [a estatal de petróleo] na Venezuela. A corrupção no Brasil e em toda a América Latina é chocante, e isso já há muito tempo. É um problema sério, mas difícil de superar. Porque está entranhada no sistema eleitoral. É preciso desmantelar uma estrutura fortemente enraizada.

Bolsonaro costuma ser comparado a Donald Trump, às vezes chamado de Trump brasileiro. A comparação faz sentido?

Há semelhanças. Até onde percebo, Bolsonaro não parece ter uma política econômica própria. Mas há pessoas ao seu redor que definitivamente têm. Seu economista-chefe [Paulo Guedes] é um economista ultraliberal de Chicago. Ele representa grupos semelhantes àqueles para os quais Trump faz uma espécie de cortina de fumaça nos EUA.

O papel de Trump no sistema político econômico é duplo: o de manter a atenção da mídia constantemente focada no que ele faz ou deixa de fazer e sustentar o apoio de seu eleitorado ao aparentar fazer coisas para eles; mas, enquanto isso, dar cobertura para programas republicanos selvagens que estão sendo implementados por pessoas como [o presidente da Câmara dos Representantes] Paul Ryan e [o senador] Mitch McConnell (senador republicano).

Um bom exemplo é a maior conquista recente dos republicanos, a reforma. Foi um grande presente para o setor corporativo, para os ultra-ricos e para o setor imobiliário. Para o resto da população, o próprio Paul Ryan explicou os efeitos: a reforma cria um déficit enorme e por isso será preciso cortar investimentos sociais. Saúde, educação, vale-alimentação para crianças pobres, essas coisas irrelevantes.

Enquanto a mídia se concentra nas últimas mentiras ou no comportamento esquisito de Trump, esse tipo de coisa está acontecendo no background.

Com o Bolsonaro, imagino que poderíamos imaginar algo semelhante. Vai depender se ele tiver o mesmo talento de Trump, que está tendo uma atuação impressionante. Enquanto prejudica seu eleitorado de todas as maneiras possíveis, minando segurança social, direitos trabalhistas, ainda consegue se apresentar como seu defensor. E seus eleitores respondem não apenas com apoio, mas com veneração. 

Ótimo documentário no qual Chomsky disseca o colapso do american dream

5 comentários:

Henrique Nascimento disse...

Se eu fosse a repórter eu perguntaria ao Sr Chomsky i) se ele achava que outros políticos e donos de empreteiras também foram condenados "de uma forma completamente desproporcional" e ii) se ele achava que tinha alguma relação de um partido que outrora dizia-se ético (eu era novo mas lembro do fora FHC e mais tarde soube do fora Paulo de Tarso Venceslau) com o surgimento do mito fascista Bolsonaro.

Marcos Nunes Filho disse...

Eu fui apenas um simples militante do PT. Não tenho curso superior, não sou jornalista, não sou NINGUÉM, além de mero poeta (inédito). Mesmo assim, PARECE que fui o único petista no Brasil a fazer uma AUTOCRÍTICA do Lula, do partido e da militância e a "publicá-la" na internet, na forma de blog. Também PARECE que ninguém leu, pelo menos os textos das partes iniciais. A leitura da Parte 1 à Parte 28 não leva tanto tempo assim!... Mesmo considerando o meu despreparo intelectual, abordei no início questões de suma importância, jamais citadas, ou seja, os ERROS DE OMISSÃO. Para mim, o PT agora é apenas “História”, perdeu todo o conteúdo ideológico progressista de esquerda. Foi um tremendo FIASCO!... Até mesmo sua militância é incapaz de autocrítica: ela que se explique!...

http://ptcritica.blogspot.com/2016/05/parte-1.html

celsolungaretti disse...

Henrique,

no meio desses intelectuais de esquerda lá de fora que engolem todas as lorotas do PT, o Noam tem o mérito de haver reconhecido algumas obviedades. Atenuou-as, sem dúvida; mas, não veio nos impingir contos da carochinha, como os outros fazem.

Unknown disse...

Padim só escuta Andrade.
Padim diz a Beria "mate a mulher de Molotov". Beria não fez, mas disse que fez.
"Agora, prenda o marido!"
"Da,da, da padrinhosv".
Mas, padim morreu antes.
Beria e o fi de Padim rodaram no balseirovski.
No meio do pitiuvski.
Nikita matou os que foram carpir o padim.
Deu uma rasteiralaika e sentou na cadeira de Padim.
Depois disse que Padim não prestava.
Camarilhas...
Nojo!

celsolungaretti disse...

Marcos,

fizemos o que tínhamos de fazer. Mas, quase ninguém leu. E dos poucos que leram, menos ainda se deram conta da importância do que propúnhamos.

A tira do Schultz tem mesmo tudo a ver: os petistas de hoje possuem um talento especial para ignorarem os defeitos do partido.

Confesso que fiquei abalado. Em 1964 sofremos uma derrota terrível, mas reciclamos a esquerda nos anos seguintes e em 1968 já estávamos confrontando o inimigo sob perspectivas bem diferentes.

Agora, em 2016 sofremos uma derrota MUITO pior (porque sequer conseguimos opor uma mínima resistência) e, passados dois anos, continuamos com as mesmas perspectivas ultrapassadas, cometendo os mesmos erros e colecionando uma derrota atrás da outra.

O Haddad pode até ganhar a eleição, pois provavelmente terá como adversário no 2º turno a negação da civilização, o retrocesso à barbárie medieval. Mas, uma perspectiva de esquerda continuará inexistindo no Brasil. Será só mais do mesmo reformismo e da mesma conciliação de classe.

Tem dias que eu vejo o Brasil como uma batalha perdida. Hoje é um deles.

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