(continuação deste post)
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Sua imaginação voava alto. É uma graça, p. ex., a crônica (vide aqui) na qual ele propôs uma revolução diferente para o Brasil, uma revolução de costumes políticos, cujo hino fosse... La Cucaracha!
Assim como o discurso que ele se imaginou proferindo no STF (vide aqui), com direito a puxão nas orelhas dos meritíssimos:
Outra, a defesa da necessidade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, que lhe inspirou candentes catilinárias. E não só, pois numa delas (vide aqui) o Apollo revelou:
Botava tanta fé na força de suas palavras datilografadas na folha em branco, com assinatura no final, que nunca tive coragem de dizer-lhe que a quase totalidade dos parlamentares, juízes e membros do Executivo delega a subalternos a abertura da correspondência.
Estes raramente colocam na mesa do chefe as mensagens esperançosas ou aflitas de cidadãos para eles desconhecidos. Dão mais importância a um vereador de Santa Cruz de Minas (o menor município do Brasil) do que ao autor de um texto magistral como os do Apollo...
Muitas cartas ele remeteu na década passada, esperando conseguir que fosse rapidamente reconhecida minha condição de perseguido político durante a ditadura militar; e na década atual, para que parassem de boicotar, com manobras protelatórias, o recebimento de uma indenização retroativa que o ministro da Justiça me concedera (deveria ter sido paga em 60 dias e, 11 anos e meio depois, ainda não o foi).
Era amarga a decepção dele quando, a mando de ministros e até da presidente da República, algum burocrata insensível respondia com desconversa, saindo pela tangente e até fingindo não haver entendido direito o que estava bem claro na mensagem do Apollo. Eu, que dessa gente só esperava o pior, absorvia facilmente o golpe. Ele, que sempre esperava o melhor das pessoas, não se conformava ao ver-lhes a pior face: a verdadeira.
Também me comovia seu desencanto com os rumos do jornalismo, a ponto de haver dito certa vez que não lamentara tanto lhe terem impossibilitado a readmissão na Agência Estado após a morte do pai, pois não se identificava com a nova realidade das redações (em que os ganhos tecnológicos chegam junto com a perda do idealismo e o embotamento da solidariedade para com os indefesos).
Eis um trecho da pungente crônica (vide aqui) na qual lamentou o fim de uma de suas mais caras ilusões:
Mas, nas redações e na vida, tudo tem um fim. E eu temo que, se alongasse este tributo, haveria cada vez menos leitores a acompanhá-lo, salvo nossos contemporâneos, os idosos.
Pois o Apollo teve uma grandeza característica de outros tempos, quando os homens cordiais eram admirados e o mundo inteiro admirava nosso país; hoje, no Brasil das balas perdidas e das pessoas perdendo a cabeça por superfluidades, os Narcisos engendrados pela sociedade de consumo cada vez mais preferem viver só o presente, sem compromisso com o futuro de sua gente e achando tedioso o passado.
A palavra final só poderia pertencer ao Apollo. Fui buscá-la numa crônica simplesmente maravilhosa (vide aqui), em que ele fala de "uma florzinha roxinha meio azulada grudada no chão do meu portão" e de "uma passarinha mãezinha que recolhe migalhas de pão no chão e deposita no bico do filhote". Eis os parágrafos finais:
Sua imaginação voava alto. É uma graça, p. ex., a crônica (vide aqui) na qual ele propôs uma revolução diferente para o Brasil, uma revolução de costumes políticos, cujo hino fosse... La Cucaracha!
Assim como o discurso que ele se imaginou proferindo no STF (vide aqui), com direito a puxão nas orelhas dos meritíssimos:
"Ouçam o lamento de um povo, supremos ilibados juristas, o lamento de todo um povo, e derrubem já o foro privilegiado".Era uma das guerras santas do Apollo, que queria ver a igualdade de todos perante a lei prevalecer sobre o corporativismo dos altos serviçais da classe dominante.
Outra, a defesa da necessidade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, que lhe inspirou candentes catilinárias. E não só, pois numa delas (vide aqui) o Apollo revelou:
"Desde a traumatizante decisão do STF que derrubou a obrigatoriedade, venho manifestando em prosa e verso meu tormento com aquela postura cavernosa do tribunal maior do país.
Meus mais aflitivos lamentos em defesa da obrigatoriedade do diploma de jornalismo traduziram-se no envio de mais de 600 cartas, a cada um dos 80 senadores, 520 deputados federais e às Mesas Diretoras do Senado e da Câmara".Ele acreditava que mandar uma carta pelo correio impactava mais do que o envio de e-mails. Chegou até a escrever uma crônica (vide aqui) em louvor às cartas manuscritas de outrora.
Botava tanta fé na força de suas palavras datilografadas na folha em branco, com assinatura no final, que nunca tive coragem de dizer-lhe que a quase totalidade dos parlamentares, juízes e membros do Executivo delega a subalternos a abertura da correspondência.
Estes raramente colocam na mesa do chefe as mensagens esperançosas ou aflitas de cidadãos para eles desconhecidos. Dão mais importância a um vereador de Santa Cruz de Minas (o menor município do Brasil) do que ao autor de um texto magistral como os do Apollo...
Muitas cartas ele remeteu na década passada, esperando conseguir que fosse rapidamente reconhecida minha condição de perseguido político durante a ditadura militar; e na década atual, para que parassem de boicotar, com manobras protelatórias, o recebimento de uma indenização retroativa que o ministro da Justiça me concedera (deveria ter sido paga em 60 dias e, 11 anos e meio depois, ainda não o foi).
Era amarga a decepção dele quando, a mando de ministros e até da presidente da República, algum burocrata insensível respondia com desconversa, saindo pela tangente e até fingindo não haver entendido direito o que estava bem claro na mensagem do Apollo. Eu, que dessa gente só esperava o pior, absorvia facilmente o golpe. Ele, que sempre esperava o melhor das pessoas, não se conformava ao ver-lhes a pior face: a verdadeira.
Também me comovia seu desencanto com os rumos do jornalismo, a ponto de haver dito certa vez que não lamentara tanto lhe terem impossibilitado a readmissão na Agência Estado após a morte do pai, pois não se identificava com a nova realidade das redações (em que os ganhos tecnológicos chegam junto com a perda do idealismo e o embotamento da solidariedade para com os indefesos).
Eis um trecho da pungente crônica (vide aqui) na qual lamentou o fim de uma de suas mais caras ilusões:
"Eu acreditava ter a imprensa o poder de transformar a realidade. Tal era minha ingenuidade!
Oh, que saudade da minha infância querida e ingênua, do meu tempo das reportagens, editorias e fechamento de páginas na redação, em que me sentia um rei ao fazer o feijão com arroz que o patrão mandava.
Seis décadas depois, a constatação amarga e definitiva de que a humanidade (leia-se políticos) não presta. Jamais fui apresentado a nenhum dos dois honestos. É a confirmação acadêmica de que o exercício do jornalismo não muda a realidade. Dá vontade de desistir. Eu juro!"Muito eu ainda poderia escrever sobre o grande amigo e o jornalista por vocação e teimosia, que tantas barreiras transpôs para chegar aonde sonhara, sem, contudo, jamais obter reconhecimento à altura do seu enorme talento.
Mas, nas redações e na vida, tudo tem um fim. E eu temo que, se alongasse este tributo, haveria cada vez menos leitores a acompanhá-lo, salvo nossos contemporâneos, os idosos.
Pois o Apollo teve uma grandeza característica de outros tempos, quando os homens cordiais eram admirados e o mundo inteiro admirava nosso país; hoje, no Brasil das balas perdidas e das pessoas perdendo a cabeça por superfluidades, os Narcisos engendrados pela sociedade de consumo cada vez mais preferem viver só o presente, sem compromisso com o futuro de sua gente e achando tedioso o passado.
A palavra final só poderia pertencer ao Apollo. Fui buscá-la numa crônica simplesmente maravilhosa (vide aqui), em que ele fala de "uma florzinha roxinha meio azulada grudada no chão do meu portão" e de "uma passarinha mãezinha que recolhe migalhas de pão no chão e deposita no bico do filhote". Eis os parágrafos finais:
"Florzinha, pardalzinho, ouçam, eu também entro e saio da minha casa todo santo dia, e vai chegar um momento em que vou entrar e não vou voltar mais. A mando de um poder maior, chega também para mim o tempo de ir embora. Saio carregado por quatro mãos agarradas àquelas alças douradas, sagradas, que sustentam corpos sem vida.
Mas não vai terminar nunca a festa de cores e de vida intensa na companhia desses meus amiguinhos.
Quando eles voltarem amanhã e tornarem a encher de alegria meu velho coração, vou correndo fazer um pedido aos dois.
Pedir que supliquem ao poder maior para deixar-me encontrar com eles no outro lado da vida, em algum portão, alguma parede velha aconchegando uma flor roxinha-azulada-princesinha, alguma escada encurvada para mamãe passarinho subir..."
4 comentários:
Como ler essa crõnica e não pensar nos entes queridos que não mais se encontram nesse plano?!
Das pessoas mais importantes para mim, uns dois terços já se foram. Sobraram-me os ideais pelos quais vou continuar lutando até meu último dia e a vontade de, antes de sair de cena, ver minhas duas filhas encaminhadas na vida. A mais nova tem 10 anos.
Caro Celso,
Sou o Rafael, sobrinho-neto do Tio Apollo. Talvez você já tenho ouvido falar de mim uma ou duas vezes.
Eu e o Tio tínhamos uma relação extremamente próxima, rodeada do amor e da bondade que tão brilhantemente emanavam dele e que você tão bem descreveu neste tributo.
Para mim, ele foi um segundo pai e o avô que eu não tive. Um mestre, uma luz guia, um companheiro e um exemplo de vida. Aprendi mais com ele do que posso expressar com palavras (ah, se ao menos eu tivesse um milésimo do talento que ele possuía com as letras...).
Hoje, tento pôr em prática seus ensinamentos na maior extensão possível. Ele plantou essa semente em mim. Ouvi uma vez que as pessoas que amamos nunca morrem, pois, enquanto lembrarmos delas e seguirmos seus ensinamentos, elas estarão vivas dentro de cada pessoa que foram tocadas por seu amor. E o Tio tocou muitos.
Os que mereciam seu amor e também os que não mereciam.
Espero honrá-lo.
Ele é, foi e sempre será único. Um ser de luz. Ajudou absolutamente todos que passaram em sua vida, tendo estas pessoas pedido ajuda ou não. Nem preciso falar o quanto ajudou a família, incluindo a mim. Nunca vi o Tio se negar a fazer qualquer coisa por alguém, não importa quão fácil ou difícil esta coisa fosse. E sempre fazia com um sorriso. Lembro de algumas vezes em que me fez algum favor e, quando eu ia agradecer, ele me dizia que quem estava agradecido era ele, pois a situação tinha permitido que ele passasse mais tempo em minha companhia. Era um espírito evoluído. Não parecia ser desse mundo.
Quando ele se foi, senti que perdi uma das sustentações mais sólidas que davam base a quem eu sou e à minha vida. Nesse momento, me sinto como um cachorro perdido, cambaleando em frente, sem muita vontade ou certeza de onde estou indo. Sem mais ter uma das minhas referências de vida mais intensas.
Minha vida será sempre marcada por este dia 31 de julho de 2018. Vida com o Tio e vida sem o Tio.
Não poder ter me despedido dele, por estar em outro país e tudo ter acontecido tão rápido, me corrói.
Quero dizer que ele falava muito de você, sempre bem. Tanto é que, mesmo sem nunca ter te visto, te conheço. Ele demonstrava ter muita estima por você.
Peço desculpas pelo desabafo, mas o único objetivo deste comentário é te agradecer por esta homenagem, por ter escrito um texto tão bonito, emocionante e que retrata tão bem como o Tio era especial, bondoso, trabalhador, inteligente, amoroso e diferente de todos os outros.
Parabéns pelo texto e, mais uma vez, obrigado por abrir esse espaço para homenagear e mostrar ao mundo quem foi o Tio.
Um abraço.
Prezado Rafael,
os 30 anos de amizade com seu tio têm muito a ver com as afinidades existentes entre nós.
Refletindo hoje sobre isso, percebo que talvez a principal fosse ambos não termos o sucesso pessoal como grande objetivo na vida.
Ele veio de um ambiente muito pobre, conseguiu tornar-se jornalista, mas sempre considerou que deveria colocar sua nova posição a serviço da família e dos humildes. O jornalismo lhe dava as ferramentas para defender os injustiçados do dia a dia e ele sempre considerou que fazê-lo era sua obrigação moral.
Eu participei muito jovem da resistência à ditadura militar. Entrei aos 18 anos, logo depois da assinatura do AI-5, quando as chances de ser morto ou de ser preso e sofrer torturas terríveis eram muito maiores do que a chance de vitória. Estava ciente disto e acreditava verdadeiramente no lema da VPR: vencer ou morrer.
Perdi uns 20 conhecidos na luta, inclusive um amigo de infância e uma moça que, noutras circunstâncias, provavelmente teria se tornado minha mulher. Então, passei a ver-me como um sobrevivente, com uma dívida a pagar com relação aos companheiros que acreditavam nos mesmíssimos ideais e não estavam mais conosco.
Continuei defendendo os antigos ideais e aqueles que os expressavam, coloquei meus dons de jornalistas a serviço de causas justas e, ao meu modo, também sempre me preocupei com os humildes e indefesos.
Enfim, seu tio estava mais para um santo e eu sou um revolucionário. Mas, para além das aparências superficiais, havia muito em comum entre nós. Por isso eu o compreendia bem e por isso jamais poderia deixar de prestar-lhe o tributo que prestei.
Estarei sempre pronto para fazer o que puder por você e pela família do Apollo.
Abraços e boa sorte na sua vida!
Celso
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