EU JURO!
Minha irmã é adivinha. No dia em que ingressei na faculdade de jornalismo, com a idade de 68 anos, em 2004, depois de 40 anos de atividade na imprensa escrita, ela profetizou: quando você se formar, vai ser aplaudido. Desacreditei. Formei-me aos 71 anos. Estou com 81.
Uma multidão me aplaudiu no Anhembi, assim que terminei de ler o juramento do jornalista. Li alto, vagarosamente, fiz pose, o peito a bater pulsações de heroísmo. A voz saiu grave. Segurei lágrimas. A multidão assistia a outras formaturas. Silêncio rompido na explosão de palmas estrondosas. Minha bondosíssima irmã é adivinha.
Aos 40 anos de redação e rua, somem-se outros 20 na imprensa escrita... no papel das nuvens. Na blogosfera. Nesta, já como jornalista sem fins lucrativos, compus até agora perto de 200 textos, 201 com mais este, entre comentários, artigos, contos, crônicas, resenhas de livros de personalidades contemporâneas, literatura, poesia.
No Anhembi, jurei para aquela simpática multidão:
"Juro exercer a função de jornalista, assumindo o compromisso com a verdade e a informação. Atuarei dentro dos princípios universais de justiça e democracia, garantindo, principalmente, o direito do cidadão à informação. Buscarei o aprimoramento das relações humanas e sociais através da crítica e análise da sociedade, visando um futuro mais digno e mais justo para todos os cidadãos brasileiros".
A realidade não dá o que a imaginação promete.
Deslumbrado, nos verdes anos de jornalismo, a sonhar com um Brasil melhor, juro, eu considerava a imprensa a deusa tutelar da espécie humana e o jornalista, o defensor perpétuo da sociedade. Eu acreditava ter a imprensa o poder de transformar a realidade. Tal era minha ingenuidade!
Oh, que saudade da minha infância querida e ingênua, do meu tempo das reportagens, editorias e fechamento de páginas na redação, em que me sentia um rei ao fazer o feijão com arroz que o patrão mandava.
Seis décadas depois, as saudosas palmas de felicidade do Anhembi teimosamente ecoando na minha alma, a constatação amarga e definitiva de que a humanidade (leia-se políticos) não presta. Jamais fui apresentado a nenhum dos dois honestos. É a confirmação acadêmica de que o exercício do jornalismo não muda a realidade. Dá vontade de desistir. Eu juro!
Visão tormentosa dos meus dias de jornalista: os representantes do povo no governo afundam ainda mais o País no precipício em que ele já faz morada desde o berço.
Visão tormentosa dos meus dias de jornalista: os representantes do povo no governo afundam ainda mais o País no precipício em que ele já faz morada desde o berço.
Estou falando de 220 milhões de almas, habitantes de um território continental de 842 mil e 542 quilômetros quadrados, 7 mil e 367 quilômetros de lindamente traçado litoral. É o tal do gigantesco coração de mil cores, mostrado generosamente de lá de cima pelo Google Earth.
Em se plantando, dá.
Não nesta terra de povo religioso e homem gentil. O solo fértil da democracia, oportunidade final para uma vida de justiça e liberdade, eles, os políticos brasileiros, a corrompem com o lixo de suas constituições morais. Nada contra o lixo domiciliar.
Sigam-me e eu conto. Está no juramento.
Compromisso com a verdade e a informação: ideal vedado pela própria natureza manipuladora das consciências da imprensa e boa parcela do ser humano atuante no legislativo, executivo e judiciário, o todo assemelhando-se a uma sepultura, alva por fora e podre por dentro.
Defesa dos princípios universais de justiça e democracia: bate em ferro frio, jornalista, bate! A justiça é um bem caro e a ele apenas têm acesso os que possuem.
Bem-aventurados os que possuem, pois eles jamais verão o sol nascer quadrado.
"Compromisso com a verdade" |
(Assumo o ônus da prova. No caso do meu amigo jornalista Celso Lungaretti, a Justiça se chama Vingança. Ele vê negado faz 10 anos pela Advocacia Geral da União seu direito, assegurado unanimemente pelo STJ e pelo STF, por repetidas vezes, de receber indenização retroativa por sequelas de tortura barbara sofrida durante a ditadura militar).
O aprimoramento das relações humanas: utopia. Fardo pesado demais jogado nos ombros de um jornalista. Aquele homem, com sua inédita proposta de amor a aprimorar as relações humanas, foi torturado e morto. Não se cobra tal promessa de um jornalista.
Enfim, o compromisso juramentado dos pobres dos profissionais da imprensa, último parágrafo: visar um futuro mais digno e mais justo para todos os cidadãos brasileiros.
Juro com as mãos na Biblia: 60 anos de jornalismo depois, eu não sei como.
Longa-metragem de João Batista de Andrade sobre um mártir do jornalismo brasileiro
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