quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

A LIÇÃO QUE FICOU DA ADMINISTRAÇÃO POPULAR DE FORTALEZA: PELAS URNAS A CLASSE OPERÁRIA NÃO VAI AO PARAÍSO

NÃO TENHO SAUDADES, MAS CONFESSO QUE APRENDI

Era dia 17 de novembro de 1985 e terminava a apuração de votos (que naquele tempo era manual), confirmando os prognósticos das empresas especializadas: dera-se a primeira vitória de uma candidata do PT a um cargo executivo da importância da prefeitura de Fortaleza, quinta maior cidade do Brasil.

Uma multidão exultava diante do local de apuração, o Ginásio Paulo Sarasate. Tendo participado da coordenação da campanha (juntamente com Jorge Paiva, o coordenador geral, e outros menos votados, como o atual deputado federal José Guimarães, do PT), eu assistia àquela profusão de contentamento da multidão com um misto de alegria e preocupação. 

Lembro-me que estávamos em cima de uma Kombi, eu e o então deputado federal do PT José Genuíno (cearense radicado em São Paulo, que viera para o evento à última hora). Ele, percebendo minha alegria contida, que certamente transmitia certa dose de contrição, perguntou-me: você não está feliz?  Respondi-lhe que sim, mas também preocupado com o day after, pois aquela multidão estava se sentindo redimida e a nossa vitória não significava, obviamente, a redenção.
Na euforia da vitória; dias piores viriam.
Havíamos obtido a vitória eleitoral justamente em função do caos que marcara os governos de prefeitos nomeados por governadores que, por sua vez, eram escolhidos pela ditadura militar. Ainda por cima, as prefeituras daquela época não tinham autonomia financeira, pois esta só viria quando a Constituição de 1988 passasse a vigorar, no ano seguinte.    

No nosso caso particular, as dificuldades eram evidentes: não dispúnhamos de nenhum vereador do PT ou de qualquer partido de esquerda; nenhum deputado estadual; e nenhum deputado federal na bancada cearense. 

Eu viria a ser o secretário de Finanças, incumbido de administrar a falência da prefeitura de Fortaleza.

Os meus receios não tardaram a ser confirmados pelo desenrolar dos acontecimentos:
— com 15 dias de governo, as categorias profissionais que haviam conquistado o piso salarial correspondente (graças, em grande parte, à nossa luta) estavam prontas para cobrar a implementação de tais conquistas, embora o orçamento já fosse deficitário; 
Reunião com o secretariado: abacaxis para descascar
— a empresa de ônibus de propriedade da prefeitura exigia o aumento do preço das passagens, como forma de cobrir o déficit que vinha sendo subsidiado pela receita da própria prefeitura, cujas finanças estavam combalidas; 
— os empresários de ônibus, idem;  
— as empresas de coleta de lixo, pressionando ao máximo que fossem efetuados os pagamentos em atraso, deixavam, premeditadamente, de cumprir sua tarefa, de forma que o lixo se amontoava nas ruas, tornando insuportável o mau cheiro e o desconforto; 
— para completar o quadro, naquele início de ano vieram as chuvas particularmente e precocemente regulares, que aumentavam os buracos sem que as tradicionais verbas federais (era assim que funcionavam as prefeituras ao tempo da ditadura) chegassem. Era uma deliberada tentativa de fazer passar por ineficiente a administração popular recém-instalada. 
Em greve de fome contra o boicote do governo federal
As dificuldades administrativas tradicionais eram enormes e intermináveis. Ademais, a prefeita Maria Luíza Fontenele, além de ser a primeira mulher eleita para uma prefeitura de capital, pertencia à ala marxista do PT, que estava sofrendo um processo de perseguição interna (éramos adeptos do marxismo tradicional, do movimento operário, só posteriormente evoluindo para o marxismo esotérico da crítica ao valor/dissociação de gênero).

A dose era muito forte para o sistema, e até mesmo para o PT.

A ideia de assumir um cargo executivo na esfera política do capitalismo liberal burguês era e é um equívoco para quem se propõe a ser anticapitalista. 

Uma vez investido no poder, e sendo obrigado a conviver com todos os antagonismos sistêmicos institucionais decorrentes do imperativo de manutenção da ordem capitalista, um governo que possua norte revolucionário, ou mesmo reformista sério, passa a ter de administrar não somente a crise financeira do aparelho de Estado na atual fase de depressão econômica capitalista, como se vê obrigado a revogar as conquistas sociais adquiridas na fase de ascensão capitalista. 
Maria Luíza e D. Helder Câmara nas ruas de Fortaleza

Ou seja,  eram sapos e mais sapos a serem engolidos em nome da governabilidade capitalista. Pode?  

No caso da nossa administração popular de 1986/1988 em Fortaleza, os problemas se agravaram pelo fato de não aceitarmos a política de conciliação com os políticos tradicionais e com donos do PIB tupiniquim, o que nos colocou em rota de colisão com a descaracterização ideológica do petismo, já em curso (corrupção à parte, pois naquela época ela ainda não era tão visível).

Este foi o verdadeiro motivo da expulsão de Maria Luíza e seus apoiadores (inclusive eu, por ela escolhido para ser seu candidato à sucessão). 

De tudo ficou a lição não apenas da ingovernabilidade de qualquer governo que se proponha a ser pró-povo (a máquina estatal não foi concebida e aperfeiçoada para isto), bem como de quão incoerente é, para quem denuncia a falência vindoura do capitalismo, tentar administrá-lo em proveito desse mesmo capitalismo. 
Com Suplicy e Gilson Menezes
Tal foi, em linhas gerais, a trajetória que nos levou ao amadurecimento político e consequente opção pelo Marx esotérico, que se contrapõe em tudo ao Marx exotérico, do movimento operário, marcado pelo politicismo inconsequente. 

A concepção de luta social a partir da crítica da economia política e da dissociação de gênero difere completamente:
— dos métodos e objetivos teleológicos da luta eleitoral; 
— da luta pela inserção administrativa no aparelho de Estado; e 
— das concepções e objeto teleológico das atuais lutas do movimento sindical (movimento feminista do movimento dos sem-terra e dos sem-teto, etc).    
Estão equivocados os que defendem a candidatura do Lula como se fosse um ato de resistência anticapitalista. 

Destarte, não tenho saudades da nossa experiência da administração popular, mas confesso que aprendi com ela. (por Dalton Rosado)

PS: sugiro que leiam ou releiam o meu artigo sobre
o bitcoin, agora que começa a evidenciar-se que
o dito cujo, em essência, não passa da
abstração da abstração. 


2 comentários:

SF disse...

.
Impressionou-me a sua apreensão quando do lado "ganhador" da eleição.
Se bem que fundamentada em fatos objetivos, demonstra que você estava consciente que não existe "vitória" e em uma eleição, mas sim acréscimo de responsabilidade, a qual o homem consciente sente como pesar e não como alegria.

A frase "você não está feliz?" já deveria tê-lo a alertado da leviandade presente nas disputas eleitoreiras e nos tipos que as promovem.

Mas quando somos jovens temos um compromisso em mostrar a que viemos e o entorno nos contagia, mesmo que por algum tempo apenas.

Parecia estar fazendo o certo, porém via que enganara o povo dando-lhe falsas esperanças.

Demagogia é isso.

Se falassem a verdade não seriam eleitos.

E ser verdadeiro é um valor humano.

Por outro lado, atribui a política eleitoreira e ao poder burguês a causa dos males sociais, procurando demonstrar que (teleologicamente) as eleições visam perpetuar esses males, uma vez que sob a égide de um sistema essencialmente corrupto e mal.

Acresço que todos temos em algum momento de decidir entre o valor "Ser Verdadeiro" e a conveniência dos fatos ilusórios da política real.

Não ratificando um comportamento desnecessariamente inconveniente e desrespeitoso, ouso afirmar que em todas as esferas institucionais da sociedade (família, estado, associações, e que tais) somos chamados a viver a Verdade e sermos expulsos delas por termos sido verdadeiros, o mais das vezes.

Tranquilize-se. Essas feridas são medalhas de honra que só os justos carregam.

...

Ah! O Bitcoin...
Umas das consequências de morar num lugar retardado como o nosso é perder excelentes negócios.
Nunca vi uma bolha tão bolha como aquela.
Já pensou? Vender a descoberto a 18000 dólares e recomprar a 10000?
Como se diz no garimpo "eu teria bamburrado"!

Quanto ao Blockchaim continua de vento em popa.
A IBM lançou um programa de logística baseado nele.
Não sai nem entra um alfinete no sistema que o Block não certifique.

É por aí o futuro.

Unknown disse...

Chega a ser engraçado, como a galera é movida por um sentimento de rebanho. Mesmo com palavras bem empregadas, percebe-se que a mensagem não foi captada e o comentário sai mais do mesmo, dentro da lógica capitalista. Mas é isso mesmo, o espelho é quem mostrará.

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