Por João Pereira Coutinho |
"...em 2014, em carta para o New York Times, Dylan Farrow, a filha adotiva de Woody Allen, acusou o pai de a ter molestado sexualmente na infância.A história era conhecida desde 1992. Mas também era conhecido o veredito da justiça: Woody Allen estava inocente.
Pior: o irmão de Dylan acusou Mia Farrow, então em pleno divórcio litigioso com Woody, de ter manipulado a filha para que esta acusasse o pai desse repugnante crime.
Fim de história?
Longe disso: Hollywood descobriu agora que Woody Allen, 25 anos depois, tem lepra. Perdi a conta aos atores —passados e presentes— que rasgam as vestes em público e mostram arrependimento por terem trabalhado com ele.
Outros, preventivamente, declararam que jamais trabalharão com o diretor. Desse coro, Alec Baldwin foi uma exceção: depois de relembrar que Woody Allen foi ilibado das acusações, o ator declarou que ter trabalhado com ele foi das melhores coisas da sua carreira. (E foi, Alec.)
Gostariam que Allen passasse pelos mesmos apuros... |
Entenda, leitor: a questão não está em saber se o abuso de crianças é coisa séria. Claro que é. Mais: é um crime invulgarmente repugnante, que deve ser punido com uma dureza exemplar.
A questão é outra: será que devemos abandonar os princípios básicos de um Estado de Direito e linchar em público alguém que foi acusado por outro de uma conduta reprovável?
A questão é outra: será que devemos abandonar os princípios básicos de um Estado de Direito e linchar em público alguém que foi acusado por outro de uma conduta reprovável?
Cuidado com a resposta. Se ela é afirmativa, esse é um mundo em que eu não quero viver. Até porque eu conheço esse mundo: é o mundo típico dos regimes totalitários, que executavam dissidentes sem provas, sem julgamento, sem nada.
É um mundo destrutivo, sim. Mas também é um mundo autodestrutivo: faz parte da dinâmica totalitária devorar os seus próprios filhos.
Os jacobinos souberam disso durante o Terror da Revolução Francesa. Os bolcheviques também com as purgas de Stalin na década de 1930.
...do seu personagem em Um assaltante bem trapalhão. |
Por outras palavras: os carrascos de hoje podem ser facilmente as vítimas de amanhã. Basta que alguém, algures, siga os mesmos métodos duvidosos.
Tentar acabar com o abuso reinante na indústria de cinema é um objetivo meritório. Um objetivo que, convém lembrar, vem com anos de atraso, depois do secretismo covarde e provavelmente criminoso de muitos puritanos de agora.
Mas ao lado dessa luta ergue-se uma outra guilhotina: uma lâmina sinistra que cai sobre qualquer cabeça só porque alguém soltou um grito."
Por Celso Lungaretti |
Vi esta canalhice se voltar contra muita gente boa, começando pelo grande Monteiro Lobato, a quem iletrados tentaram inculpar pelos insultos racistas da personagem Emília contra a Tia Nastácia. Não tinham a mais remota noção da grandeza daquele a quem tentavam atingir, tanto como escritor quanto como guerreiro que travou o bom combate nos tempos sombrios de outra ditadura.
E o ridículo supremo foi quando militantes fanáticas do feminismo tentaram colar a etiqueta de estupro no fato de a atriz Maria Schneider ter aceitado fazer uma cena de sodomia simulada que não constava do roteiro da obra-prima O último tango em Paris, de Bernardo Bertolucci.
Seu estupro sem penetração faria a delícia do saudoso Sérgio Stanislaw Ponte Preta Porto, talvez até o convencesse a lançar um livro sobre o festival de besteiras que assola o mundo...
Por último, uma observação sobre vítima recente, o William Waack.
Salta aos olhos que o episódio foi uma armação, não havendo a mais remota base para qualificá-lo de racista apenas por conta de uma piada de mau gosto que fez no intervalo do trabalho e foi exumada um ano depois, com evidente má fé, pelos que queriam desqualificá-lo por outros motivos.
Salta aos olhos que o episódio foi uma armação, não havendo a mais remota base para qualificá-lo de racista apenas por conta de uma piada de mau gosto que fez no intervalo do trabalho e foi exumada um ano depois, com evidente má fé, pelos que queriam desqualificá-lo por outros motivos.
Devemos defender injustiçados a despeito do seu (mau ou duvidoso) caráter, para que a injustiça não prospere; tais linchamentos são nocivos e execráveis, devendo, portanto, ser incondicionalmente repudiados pelos justos.
Bertolucci, Schneider e Brando. Estuprada?! Falsa sério... |
Mas, a Globo procedeu da maneira mais abjeta com Waack e, mesmo assim, ele firmou um acordo podre, que vem cumprindo à risca, de passar uma borracha em cima da postura de quem, demitindo-o, avalizou a arapongagem, o roubo de uma gravação para fins crapulosos e o atentado contra sua reputação.
Só existe uma explicação possível e imaginável para ele não ter ido à luta contra a Globo, tanto na Justiça quanto nas entrevistas e nos artigos que escreve: é sonante e, certamente, possui muitos zeros.
Se Waack não chutar o pau da barraca, dando a público os termos de seu pacto com o diabo... quer dizer, com a Globo, eu continuarei defendendo-o da acusação que serviu como pretexto para seu apedrejamento, mas perderei o respeito por ele como cidadão e como ser humano.
Aos 16 anos assisti a uma peça sobre Galileu Galilei, encenada por um grupo teatral amador, cuja frase mais marcante nunca saiu da minha memória, inspirando-me até hoje:
"Há um mínimo de dignidade que não se pode negociar, nem mesmo em troca da liberdade, nem mesmo em troca do sol".
Muito menos em troca de uma mega-sena acumulada...
3 comentários:
Por isso que gosto tando dos seus textos como dos do Coutinho, mesmo com os dois tento visões de mundo tão diferentes: vocês, além de inteligentes, são honestos.
Comecei a pensar sobre isso mesmo antes de estourarem essas recentes denúncias em Hollywood, Celso. Simplesmente, não pode ser tolerado que apenas uma denúncia sirva pra arruinar a vida de alguém. Tentar argumentar essa questão básica com uma militante feminista padrão, mesmo que da maneira mais ponderada possível, é pedir pra criar uma inimizade. E, pra ser sincero, não vejo, no fundo, muita diferença entre um criminoso que assedia uma mulher pra esses linchadores metidos a justiceiros sociais. Todos igualmente escrotos.
É algo que me dá medo, a forma agressiva com que defendem posições que, no fundo, pouco têm a ver com nossos problemas graves. Às vezes fico com a impressão que eles sofreram uma lavagem cerebral semelhante à aplicada nos zumbis da Igreja Universal.
De 1968 não transcorreu meio século. Retrocedemos uns cinco séculos, para antes do iluminismo...
"De 1968 para cá" (desculpem minha distração)
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