sábado, 1 de outubro de 2016

SÓ EXISTE UMA OPÇÃO COERENTE PARA OS ESQUERDISTAS NESTE DOMINGO

Há exato meio século frequento rodas de esquerda. Jamais ouvi algum companheiro se referir ao nosso sistema político como democracia, pura e simplesmente. O complemento burguesa sempre foi obrigatório.

Porque, contrariando o significado expresso na origem grega da palavra, não se trata de um governo do povo, mas sim do enquadramento do povo no arcabouço institucional por meio do qual a classe dominante: 
  • faz prevalecer seus interesses próprios e impinge a ilusão de que eles coincidam com as necessidades da sociedade; 
  • defende e tenta eternizar o capitalismo, impingindo a ilusão de que ele seja insubstituível; 
  • defende e tenta eternizar a propriedade privada dos meios de produção, impingindo a ilusão de que ela seja condição sine qua non do dinamismo econômico; 
  • defende e tenta eternizar a exploração do homem pelo homem, impingindo a ilusão de que ela, tanto quanto a escravidão no passado, não seja uma afronta à dignidade do ser humano.
Nos pronunciamentos públicos, contudo, os principais representantes da esquerda brasileira passaram, farisaicamente, a tratar a democracia como se fosse algo a ser seguido, praticado e preservado. Já não a qualificam de burguesa. Já não afirmam que ela embute a dominação de classe. Nem sequer se identificam mais como revolucionários.

Assisti, estarrecido, a tal transição. Na eleição de 1982 para o governo dos estados, o Senado, a Câmara Federal e as assembleias legislativas, ainda estávamos submetidos à Lei Falcão, que limitava a divulgação nas rádios à leitura, por parte de um locutor, de um breve currículo de cada candidato, complementada nas tevês pela exibição de uma foto 3x4 do dito cujo.

Os petistas que haviam resistido à ditadura, dignamente incluíram nesses currículos sua condição de ex-presos políticos e, às vezes, também o porquê (quais atos ditos subversivos tinham praticado). Os adversários reagiram com zombarias do tipo "os candidatos do PT não têm currículos, têm fichas criminais".

A eleição direta seguinte foi em 1986, para os mesmos cargos e já sem as limitações impostas pela Lei Falcão. O PT, no primeiro dos muitos e muitos recuos que o desfiguraram, deixou de evidenciar a participação dos seus candidatos na luta contra a ditadura militar, antes escondendo-a, ao mesmo tempo em que começou a tentar enquadrar (ou expurgar) tendências de esquerda que existiam no seu seio, como a Convergência Socialista e o PRC. 

Quanto mais poder conquistava sob o capitalismo e sem confrontar o capitalismo, mais se definia como um partido de massas igualzinho aos outros, tendo como objetivo máximo a conquista de governos e de cadeiras no Legislativo; e não um partido revolucionário, que tem como objetivo máximo substituir a ganância, a competição zoológica e a aberrante desigualdade capitalistas pela cooperação solidária dos indivíduos para a promoção do bem comum numa sociedade regida pelo igualitarismo.

Ao contrário do simplismo demagógico de Reinaldo Azevedo (segundo quem, por não aceitar seu impedimento, Dilma Rousseff estaria moralmente obrigada a retomar a luta armada), os revolucionários não oscilamos entre dois polos excludentes. 
Travamos todas as lutas econômicas, políticas e sociais cujos motivos sejam justos, mas sempre encarando-as como acumulação de forças para a ruptura decisiva, sem a qual toda vitória parcial será efêmera. [É, por sinal, o que estamos presenciando agora, com as conquistas dos governos de Lula desmanchando no ar e os novos remediados sendo reconduzidos à velha pindaíba.]

Ao longo de três mandatos presidenciais e um terço, o PT comprovou cabalmente que as ilusões eleitorais não nos levam aonde precisamos urgentemente chegar,  nestes tempos em que o capitalismo se torna cada vez mais devastador em termos econômicos e ambientais, ameaçando inclusive a sobrevivência da espécie humana.

Se no século passado (e principalmente na Europa) ainda fazia sentido a esquerda participar de governos e parlamentos, desde que não superestimasse sua relevância, hoje salta aos olhos que o poder político se tornou um mero apêndice do poder econômico, servindo apenas para esconder do povo qual a verdadeira origem dos seus infortúnios. 

Então, nem sequer utilidade tática têm mais para nós. Há vida fora de palácios do governo e das sedes do Legislativo. É nos locais de trabalho, nas escolas, nas ruas, campos e construções, que a esquerda a tem de ir buscar, voltando a fazer o trabalho de formiguinha de outrora, até readquirir forças para voos maiores (e melhores!).

Neste momento de extremo desencanto com a política oficial e os políticos, chega a ser hipócrita a presença do PT e dos partidos que permanecerem fiéis a Dilma Rousseff nas eleições deste domingo. Afinal, não cansaram de esgoelar acusações de golpe, aqui e lá fora? 

Mas, se a democracia burguesa brasileira for, ademais, golpista, de que lhes adiantará conquistarem cadeiras que poderão ser retiradas de forma escusa a qualquer momento? Parece que, além das bandeiras revolucionárias, essa gente deixou para trás também o raciocínio dialético, não conseguindo mais enxergar certas contradições gritantes nas suas posturas...

O voto coerente, neste domingo e provavelmente em todas as vezes daqui para a frente, será o voto nulo. Isto, claro, supondo-se que os eleitores prefiram escapar das multas, sanções e amolações autoritariamente impostas a quem deixa de comparecer aos locais de votação.

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