sábado, 29 de outubro de 2016

OS MÃOS SUJAS CONTRA-ATACAM

Por Demétrio Magnoli
GRITO DE LULISTAS NA INTERNET GANHOU ADESÃO DE RENAN CALHEIROS
A revista dirigida por um jornalista que bajulou Emílio Médici e a máquina de tortura da Oban é o lugar apropriado ao elogio da corrupção no Brasil de hoje. O efêmero ministro da Justiça de Dilma, Eugênio Aragão, elevado ao posto para frear as investigações judiciais que se acercavam de Lula, prossegue sua cruzada: a corrupção é positiva, "tolerável", pois "serve como uma graxa na engrenagem" da economia, declarou em entrevista à Carta Capital. A opinião do ex-ministro pode ser ignorada sem prejuízo de ninguém. Mais grave é a ativa busca, por influentes atores políticos, de instrumentos de contenção da Lava Jato.

Na Itália, a Operação Mãos Limpas destruiu a Democracia-Cristã e o Partido Socialista, antes de derrubar o primeiro governo Berlusconi, em 1994. Contudo, entre 1996 e 2000, sob gabinetes liderados pelo Partido Democrático da Esquerda, organizou-se um extenso arco de deputados de direita e esquerda devotado a sabotar a operação judicial. Então, votaram-se leis para retardar processos e antecipar prescrições. Não chegamos lá, mas multiplicam-se os sinais de que a elite política organiza-se para sabotar a Lava Jato.

Uma articulação na Câmara tentou avançar um projeto, por enquanto congelado, de anistia do caixa 2 partidário. Renan Calheiros, figura dotada de curiosos poderes de sobrevivência, patrocina o projeto de lei sobre abuso de autoridade que, mesmo com méritos intrínsecos, funcionaria como ponto de ancoragem para iniciativas legislativas destinadas a dificultar as operações anticorrupção. Gilmar Mendes, um ministro que fala demais, intensifica suas reclamações contra a onda de prisões preventivas de réus e investigados. Na imprensa e nas zonas francas da internet, lulistas fanáticos encontram-se com ferrenhos antilulistas num estranho consenso sobre alegados desvios da Lava Jato.
Renan Calheiros e seus "curiosos poderes de sobrevivência"

Sergio Moro comete erros, assim como os procuradores da força-tarefa. O juiz tende a expandir em demasia a prerrogativa de decretação de prisões cautelares. Às vezes, enfeitiçados pelos holofotes, os procuradores estendem-se em discursos recheados de conjecturas. A crítica a um e outros é legítima —e, mesmo quando equivocada, faz parte da democracia. Mas o corretivo é inerente ao sistema de justiça: encontra-se na revisão judicial, em instâncias superiores. O habeas corpus está à disposição, dispensando a edição de leis e a fabricação de correntes de opinião destinadas a questionar a legitimidade das investigações.

Quando termina a Lava Jato? A pergunta circula, tangível, em conclaves de políticos e empresários, inclusive entre gente que nada deve. Argumenta-se em torno das necessidades de restabelecer a estabilidade política e econômica, de nutrir o embrião da retomada dos investimentos, de preservar o governo Temer e o programa de resgate fiscal. No fundo, são ecos involuntários de Aragão, o Breve, e de sua graxa na engrenagem, uma expressão empregada mil vezes, desde a ditadura militar, pelos nacionalistas de araque na defesa das empresas campeãs nacionais.

Há tempos, Lula acusa Moro de promover uma caçada judicial. Agora, diante de três juízes diferentes, um deles do STF, que o declararam réu, estará pronto a lançar uma acusação geral contra o Judiciário? Estado de exceção!, exclamam ridiculamente pistoleiros lulistas na internet, num grito que ganhou a previsível adesão de Calheiros e tem o potencial de inspirar figurões do governo Temer e cercanias. Diante disso, é imperativo recordar a lição italiana: a interrupção da Mãos Limpas abriu caminho para a década de Berlusconi, a partir de 2001, e a recriação das redes de negócios que asfixiaram a capacidade do Estado de identificar o interesse público.

É hora de destruição criativa. Que caiam todos os culpados, sem distinções partidárias. A graxa na engrenagem é a própria Lava Jato.
. 
Pitaco do editor
MINO CARTA ENGAJA SUA REVISTA NUMA MÁ CAUSA... DE NOVO!!!

Primeiramente, um esclarecimento. A farpa no parágrafo inicial do artigo de Demétrio Magnoli se refere aos editoriais que Mino Carta escrevia durante os anos de chumbo, assinando-os com suas iniciais, na condição de diretor de redação da revista veja.

No da edição de 1º de abril de 1970, p. ex., MC assoprou junto com os milicos as seis velinhas do bolo de aniversário do golpe, fazendo afirmações como estas:
"Propostos como solução natural para recompor a situação turbulenta do Brasil de João Goulart, os militares surgiram como o único antídoto de seguro efeito contra a subversão e a corrupção... 
Ontem Médici, hoje os corruptos.
Mas, assumido o poder, com a relutância de quem cultiva tradições e vocações legalistas, eles tiveram de admitir a sua condição de alternativa única. E, enquanto cuidavam de pôr a casa em ordem, tiveram de começar a preparar o país, a pátria amada, para sair da sua humilhante condição de subdesenvolvido. Perceberam que havia outras tarefas, além do combate à subversão e à corrupção --e pensaram no futuro"
Quanto à CartaCapital estar empenhada em outra má causa a desqualificação da Operação Lava-Jato, isto não causa a mínima surpresa para quem ainda se lembra da enxurrada de textos inquisitoriais e panfletários  que tal revista publicou no auge do Caso Battisti, às vezes mais de um por edição, movendo céus e terras para que o Brasil entregasse a Silvio Berlusconi o troféu que ele tanto almejava: uma cabeça de esquerdista para empalhar e pendurar na sala de orgias. Tomara que a nova cruzada indigna da CartaCapital tenha o mesmo desfecho da anterior, terminando num retumbante fracasso!

De resto, a bizarra aliança entre os mais ferrenhos petistas e os mais empedernidos reacionários foi também o foco de meu artigo Esquerda, centro e direita se unem contra Moro

Por tal caminho o PT, além de não conseguir salvar Lula, desmoralizará ainda mais a esquerda; já a deixou em frangalhos  no presente e parece querer destruir também o seu futuro. 

Revolucionários se regem por princípios, não pelo prosaico utilitarismo (o inimigo do meu inimigo é meu amigo). E podem considerar inócua a luta contra a corrupção enquanto subsistir o capitalismo, mas daí a somarem forças com os corruptos vai uma estratosférica diferença...

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