quarta-feira, 22 de julho de 2015

COMO DELFIM NETTO EXPLICA O FRACASSO DO ARROCHO FISCAL DO LEVY

Parte dos leitores deste blogue resiste à reprodução de textos cujos autores sejam assumidamente de direita ou tidos como tais. 

É uma prática obscurantista, a de tratá-los como se fossem hereges da Idade Média capazes de contaminar as almas puras, a serem silenciados e nunca ouvidos. Isto é típico de quem não confia na firmeza das próprias convicções e na sua capacidade de filtrar informações, separando o joio do trigo.

Eu passei a minha vida adulta inteira buscando informações de todas as fontes e de todas as tendências, para interpretá-las à minha maneira. Continuarei agindo assim.

P. ex., sempre sustentei que os signatários do AI-5, por terem retirado a coleira dos pitbulls do arbítrio, eram tão culpados pelas atrocidades da ditadura militar quanto a corja sanguinária e obtusa dos porões, devendo ser igualmente responsabilizados pelos crimes cometidos. 

Nunca vi sentido nenhum em lutarmos tanto para colocar o Brilhante Ustra e o Curió atrás das grades, mas não o Delfim Netto e o Jarbas Passarinho. Aliás, enojam-me muito mais os civilizados que ordenaram as carnificinas do que os primatas que as perpetraram.

O que não me impede de reconhecer em Delfim Netto um economista que domina seu ofício, embora eu discorde totalmente do tipo de economia e de sociedade que ele se empenha em edificar. 

Isto fica claro na sua coluna desta 4ª feira (22), É a hora. A análise que faz do fracasso do ajuste fiscal do Joaquim Levy é acurada, flagrando bem o pandemônio que se estabeleceu em Brasília a partir da reeleição de uma presidenta fraca em quaisquer circunstâncias e muito mais danosa no momento agudo que atravessamos.

Assim como o Delfim, eu vejo as políticas de austeridade como necessárias para manterem a engrenagem capitalista funcionando... com a diferença de que desconheço qualquer mandamento divino que nos obrigue a continuarmos sendo triturados pela dita cuja. 

O capitalismo é um produto histórico e já esgotou seu papel positivo; terá, cada vez mais, uma sobrevida perversa, perniciosa e destrutiva. Precisa ir o quanto antes para a lixeira da História, como já o foram a escravidão e o feudalismo, pois está fedendo.  

Então vale a pena, sim, lermos a crônica delfiniana do malogro do arrocho fiscal, pois nos dá uma boa noção do clima de apertem os cintos, a pilota sumiu! hoje reinante  nos podres Poderes. 

Mas, sem perdermos de vista que foi ótimo, para o Brasil, o arrocho haver dado com os burros n'água. Assim, se tivermos sorte, trilharemos outros caminhos, unindo-nos a outros países desgraçados pelo capitalismo na busca de uma alternativa à exploração do homem pelo homem. Pois as políticas de austeridade salvam bancos destruindo nações, como ora se constata gritantemente na Grécia.

Eis os trechos aproveitáveis da coluna do Delfim:

O Poder Executivo fez uma conversão para melhor na política econômica. Entretanto, não foi expressamente reconhecida e explicada [a razão da mudança, efetuada] para a necessária correção do oportunismo eleitoral que o manteve no poder. Foi, consequentemente, interpretado como uma traição aos seus eleitores.

Eleito com a afirmação de que tudo estava em ordem com a promessa de que a prodigalidade (criticada por seus opositores) era correta e tinha espaço para continuar, perdeu completamente sua credibilidade quando os resultados de 2014 revelaram o desastre: queda do PIB per capita da ordem de 0,7%; dramática redução dos investimentos; inflação represada que ajudou a destruir os setores de energia e industrial; deficit em conta corrente de US$ 105 bilhões (4,4% do PIB). E, pior do que isso, deficit fiscal de 6,2% do PIB (contra 3,1% em 2013) e aumento de 6% na relação dívida bruta/PIB, com um resultado primário negativo de 0,6% do PIB (contra um positivo de 1,8% em 2013).

Incapaz de metabolizar sua própria herança, o Executivo perdeu a iniciativa e enviou ao Congresso um razoável "ajuste fiscal", mas não conseguiu transmitir a ideia de que ele era o primeiro passo para a "volta por cima" do crescimento.

O Legislativo, por sua vez, adquiriu um novo e mais ágil protagonismo, importante para a consolidação de sua harmoniosa relação com o Executivo, fundamental para a consolidação do processo democrático. Era de se esperar, portanto, um debate sério, profundo, honesto e com senso de urgência do projeto de "ajuste fiscal" que recebeu.

Nada disso! A gigantesca "base" quantitativa do governo apoiada no seu partido, o PT, aproveitou a dramática redução de seu suporte popular para chantageá-lo com as práticas conhecidas. Desidratou o "ajuste fiscal" que foi aprovado a "fórceps". Devolveu-o na forma de um aleijão, não sem antes infestá-lo de carrapatos.

Talvez não seja verdade, mas é difícil rejeitar a hipótese de que, diante da perda de confiança da sociedade no Executivo, somada à enorme desarrumação política do Legislativo, o Judiciário tenha cometido o pecado venial do oportunismo e, por um instante, constituiu-se no sindicato de seus ilustres membros. Eles podem até ter alguma razão, mas, convenhamos, é preciso tirar da água quem está se afogando, não afundá-lo ainda mais.

5 comentários:

Filipe Santos disse...

Celso, se o socialismo não deu certo e o capitalismo também não, o que nos resta?

celsolungaretti disse...

Só posso responder como marxista: o capitalismo cumpriu uma etapa necessária do desenvolvimento das forças produtivas, mas agora suas contradições insolúveis o impedem de continuar desenvolvendo-as. Por que? Porque, para funcionar plenamente, precisaria de que os itens produzidos tivessem quem os consumisse.

Mas, a existência do lucro implica a desigualdade, o fato de que nem todos os possíveis consumidores terão como adquirir os produtos, enquanto outros possuirão recursos demais e os esbanjarão em suntuosidades.

Para libertar as forças produtivas, é preciso que a produção seja direcionada para o atendimento das necessidades dos consumidores, não para a realização do lucro.

Enfim, o capitalismo estagnou e se tornou um obstáculo ao progresso da humanidade.

Quanto ao socialismo, como explico neste texto (http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2015/07/o-muro-caiu-chavez-morreu-os-eua.html), jamais foi testado de acordo com a concepção original de Marx (e pode-se dizer o mesmo do anarquismo de Proudhon): em escala internacional e alavancado pelas nações mais prósperas.

A tentativa de implantá-lo em nações isoladas e atrasadas fracassou inteiramente; tais países não deslancharam economicamente e, ainda por cima, tornaram-se ditaduras de partido único. O que nelas se estabeleceu foi uma caricatura do socialismo.

Eu acredito que a terrível crise econômica do capitalismo e o desequilíbrio ecológico que ele está provocando acabarão por forçar a humanidade a buscar uma saída coletiva para as ameaças hoje enfrentadas; e que por aí acabará se chegando à revolução internacional que era a proposta inicial de marxistas e anarquistas. Nunca deveria ter sido "flexibilizada".

Anônimo disse...

o fim do capitalismo está próximo..só que me lembro já teve decretada sua "crise final" diversas vezes nos últimos anos...Só o Michael Moore já acabou com ele uma meia duzia de vezes.
É mais ou menos como dizia Mark Twain: parar de fumar é fácil...eu mesmo já parei varias vezes.

Paulo L. Reis disse...

Está a venda, reeditado, o livro "O Retrato", de Oswaldo Peralva que fez parte do Comitê Central do Partido Comunista e esteve em Moscou em missão do partido.

Já o li em edição antiga. É uma oportunidade para se conhecer antigos militantes do Partidão.

Um desses figurões foi Mauricio Grabois. Segundo o livro, um stalinista empedernido, arrivista, e, que, inexplicavelmente, escondia sua ascendência judaica. E nesse arrivismo, um grande puxa-saco de quem estava na direção, repetindo até os bordões do chefe.

O surpreendente é que esse medíocre, mais tarde, foi o "coordenador" e "estrategista" da Guerrilha do Araguaia.

Mais surpreendente ainda é que uma "fundação" de um partido de esquerda [enfiado até ao pescoço com o "pragmatismo político" do PT] leva seu nome.

celsolungaretti disse...

Paulo,

você quer queimar o meu filme com o PCdoB?

Democraticamente, coloquei seu desabafo contra o Grabois no ar, pois sempre detestei qualquer tipo de censura. Mas, não vou me manifestar sobre uma questão que jamais aprofundei.

Li "O Retrato" lá por 1968. Não me lembro de quase nada, salvo de uma acusação do Peralva que me deixou muito chocado, na inocência dos meus 17 anos: a de que as famosas "cadernetas do Prestes" não foram esquecidas, mas sim deixadas de propósito num aparelho abandonado para caírem nas mãos da repressão. Segundo o Peralva, só incriminavam comunistas adversários da facção do Prestes.

Nunca consegui saber se isto era verdade ou não. Mas, não pode ser descartado tão facilmente, pois o PCB publicava no seu jornal os NOMES REAIS dos militantes expulsos, não só os que haviam pisado na bola, mas também os que haviam travado luta política e perdido.
Ou seja, apontava os dissidentes para a repressão.

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