sexta-feira, 29 de junho de 2012

GRANDE CAMPEÃO ENSAIA UM MAGNÍFICO CANTO DO CISNE

Se alguns leitores deste blogue ficam escandalizados quando eu escrevo sobre o futebol, por eles tido como o  ópio do povo,  o que dirão ao encontrarem aqui algumas mal traçadas linhas sobre o  elitista  tênis?

Mas, nunca nego ou escondo minhas devoções e predileções. Jamais submeterei meus temas a triagens ideológicas,  submetendo-me a modismos e patrulhamentos.

Os pernósticos cricris que passam a vida procurando pêlo em ovo podem produzir verdadeiros tratados sobre a existência de implicações racistas na obra de Monteiro Lobato, que eu continuarei rindo na cara deles. 

Sou fiel ao primeiro autor a me estimular o espírito crítico, que fez uma obra grandiosa e,  last but not least, confrontou corajosamente os poderosos do seu tempo; não aos aprendizes de inquisidores que pensam ser de esquerda ao tentarem nos impor index.

Hoje é um dia em que não encontrei nada que me inspirasse em termos de  assuntos sérios. Gostaria de acreditar que ainda é possível fazer algo contra o golpe paraguaio, como os companheiros que articulam reuniões públicas, protestos e corrente virtuais, mas sei que o  impeachment-relâmpago  é fato consumado, só nos restando tomar precauções contra as viradas de mesa vindouras. Depois de Honduras não o fizemos e fomos surpreendidos pela segunda vez. Quantas mais?!

Enfim, apeteceu-me enfocar o tênis, apenas e tão somente porque Roger Federer tem no torneio de Wimbledon uma chance única, imperdível, de fechar sua trajetória com um canto do cisne magnífico.
* * *
Afora o futebol, único esporte coletivo que sempre me atraiu (a outros, como o vôlei e o basquete, eu só assisto nos grandes momentos), acompanhei com atenção o boxe e o xadrez, no passado; e até hoje me ligo no automobilismo e no tênis.

Refletindo um pouco sobre essas paixões, percebi que os quatro têm em comum colocarem o indivíduo diante de desafios extremos, andando no fio da navalha. São esportes em que só é grande quem alia uma vontade sobre-humana a um autocontrole inacessível aos comuns mortais.

No boxe, todos lembram a técnica refinadíssima de um Muhammad Ali, mas ele era muito mais do que isso. Tinha dons de grande estrategista, era como se combinasse os papéis de pugilista e de técnico.

Foi assim que ele venceu o invencível George Foreman, na maior luta de todos os tempos. Boxeou francamente contra ele no primeiro assalto e percebeu que jamais conseguiria a vitória lutando de igual para igual. A força descomunal do lutador mais jovem prevaleceria.

Então, adotou a postura que qualquer pugilista comum consideraria suicida diante da enorme potência dos golpes de Foreman: deixou-se ficar encostado nas cordas, recebendo o bombardeio e aparando-o com sua guarda.

Alguns obuses atingiam o alvo de raspão, outros se chocavam com os braços de Ali. Nenhum o abalou de verdade. E Foreman, acostumado a nocautes rápidos, foi se cansando.

No quinto assalto, o Ali aparentemente apático, que só se defendia, mostrou que era, isto sim, um tigre se preparando para dar o bote: com um contra-ataque fulminante, quase nocauteou Foreman.

Depois de mais dois rounds letárgicos, foi o que acabou acontecendo. Ali novamente surpreendeu Foreman e, com uma sequência de golpes cuja rapidez era inimaginável àquela altura de uma luta tão exaustiva, metralhou a cabeça de Foreman até fazer o gigante desabar em câmara lenta no ringue.

A coragem que deu a vitória a Ali nessa luta foi a mesma que o manteve no ringue até o fim de uma luta na qual teve seu maxilar fraturado no 2º round, contra Ken Norton.

O castigo que recebeu de Foreman foi tão terrível que, depois da vitória consumada, ele teve até um breve desmaio (que poucos perceberam) durante as comemorações. Até então, entretanto, a adrenalina o mativera em pé.

No xadrez também a pressão moral que um campeão suporta é devastadora, tendo de refletir sobre infinitas combinações enquanto o relógio o acossa.

É simplesmente inacreditável que o jovem desafiante Garry Kasparov tenha aguentado umas 20 partidas contra o campeão Anapoly Karpov, com 5x1 contra e dependendo só de uma derrota mais para perder o match, sem cometer falha nenhuma.

Forçou empate após empate, até que foi o veterano quem desabou: perdeu duas vezes seguidas e perderia as três restantes, se o match não tivesse sido anulado por "desumanidade" das regras (exigiam seis vitórias, pouco importando quantas partidas fossem necessárias para um deles alcançar tal total).

O socorro suspeito do presidente filipino da Federação Internacional de Xadrez não mudou o que já se decidira no tabuleiro. A coroa pertencia a Kasparov, que cumprira seu rito de passagem durante aquele torneio e dele saíra como homem e esportista superior: fulminou Karpov quando o match, zerado, foi disputado de novo.

No automobilismo, Schumacher não conquistou sete Mundiais de Fórmula 1 por acaso. Conseguiu aliar o senso estratégico de um Prost com o arrojo de um Senna (só o utilizando, entretanto, quando estritamente necessário, não se vexando em vencer corridas só na estratégia de troca de pneus, nas vezes em que isto bastava).

E Federer? Além de ser o mais completo tenista da História, "bom" ou "ótimo" em todos os fundamentos, ele já foi capaz de reerguer-se uma vez depois que derrubado do pedestal por Rafael Nadal e ameaça repetir o feito agora.

Acostumado ao predomínio absoluto, a emergência de um verdadeiro rival o desconcertou durante alguns meses, no segundo semestre de 2008.

Mas, nas férias de fim de ano, conseguiu colocar a cabeça em ordem; e encontrou ânimo para dar a volta por cima, vencendo o desafio de retomar sua coroa.

Para sua surpresa, acabou sendo bem mais fácil do que tudo levava a crer: na verdade, Nadal forçara a natureza para derrotar o titã. Exigira mais do seu corpo do que ele era capaz. Só assim, com muita transpiração, conseguira sobrepujar a inspiração de Federer.

O preço acabou sendo alto: depois de uma temporada consagradora, foi fulminado por uma contusão no joelho.

E Federer, que sempre mantivera o sacrifício exigido de seus músculos no limite do razoável, voltou ao topo por uns tempos.

Os jovens contra-atacaram: não só Nadal o desalojou de novo, como Novak Djokovic veio numa arrancada fulminante e superou a ambos. Federer chegou até mesmo a ceder a terceira posição no ranking, esporadicamente, a Andy Murray.

Não ganha um torneio de grand slam (os quatro principais do tênis: Wimbledon, Rolland Garros, Aberto da Austrália, US Open) desde o início de 2010.

Rico, respeitado e aclamado, feliz no casamento, de bem com a vida, pai coruja de duas gêmeas, tudo levava a crer que se curvaria à evidência dos fatos, pendurando a raquete como o maior de todos os tempos.

Mas, perseverou. E não como coadjuvante, o papel que Schumacher vem desempenhando estoicamente desde sua volta às pistas. Reciclou seu jogo, aperfeiçoou alguns golpes, melhorou as estratégias.

Foi buscar novas armas, já que as antigas tinham sido alcançadas pelos rivais. Seu saque, p. ex., agora é muito mais poderoso, abrindo caminho para vitórias rápidas contra os adversários mais fracos --dada a importância, no caso de um veterano, de guardar energias para enfrentar os mais fortes.

Então, desde o semestre passado, ele vem pouco a pouco se reaproximando do topo, armando o bote. E, agora, pode conseguir este feito que parecia impossível para um tenista  com mais de 30  (vai completar 31 anos em agosto), dependendo de sua colocação e da de Djokovic no torneio de Wimbledon, em curso; se for campeão, p. ex., ele voltará ao topo do ranking, além de igualar o recorde de mais semanas de permanência como o nº 1.

* * *

Como todo ser humano, admiro quem me inspira. Várias vezes meu autocontrole foi testado no limite extremo e, levando em conta a diferente magnitude dos desafios enfrentados, creio não ter ficado tão atrás de Schumacher, Kasparov e Federer. Também já ganhei partidas que pareciam totalmente perdidas, nas batalhas da vida.

E tenho, confesso, uma satisfação um tanto egoísta em presenciar os feitos dos maiores de todos os tempos. Pois, é sempre frustrante termos de ouvir falarem maravilhas sobre grandes nomes do passado, como se nada acontecesse de relevante no presente que vivemos.

Não questiono nem duvido que Leônidas da Silva, Fangio, Joe Louis e Capablanca tenham sido esportistas grandiosos.

Mas, em vez de ficar venerando quem nem sequer conheci, aprecio mais ter visto Pelé, Schumacher e Muhammad Ali superarem nitidamente os três primeiros; e saber que Kasparov, no mínimo, merece figurar ao lado do quarto, no panteão dos deuses do esporte.

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