sábado, 31 de dezembro de 2011

...E ELES MORDERAM O PÓ DA DERROTA!

Há exatamente um ano foi tomada uma decisão histórica, que tornou o Brasil exemplo para o mundo: rejeitando fortíssimas pressões de um país do primeiro mundo e dos seus serviçais tupiniquins, com especial destaque para uma imprensa que se revelou canalha como nunca, nosso presidente evitou a repetição de episódios deploráveis como os de Sacco e Vanzetti, Dreyfus e Olga Benário.

Porque se trata de um acontecimento do qual toda a esquerda brasileira deveria orgulhar-se --e muito!--, faço questão de republicar o artigo que divulguei em 31/12/2010, imediatamente após o anúncio da decisão presidencial --no qual antecipei, inclusive, que os linchadores togados ainda tentariam virar a mesa, apenas para sofrerem nova e acachapante derrota.

LULA DECIDIU: BATTISTI FICA!

Dignamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a palavra final do Brasil a respeito da pretensão do Governo Berlusconi, de obter a cabeça do escritor e perseguido político Cesare Battisti para exibi-la como um troféu do suposto triunfo da mais retrógrada e intolerante direita européia sobre os ideais de 1968: o pedido de extradição está definitivamente negado.

Battisti morará e vai escrever seus livros no território brasileiro, a salvo da  vendetta  neofascista.

O que resta, doravante, é um exercício de  jus sperniandi  por parte do presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, que precisa de mais algumas semanas para digerir a devastadora derrota pessoal que acaba de sofrer. E é apenas isto que terá.

No fundo, o Caso Battisti só está prestes a completar quatro anos porque, desde o primeiro momento, o STF tem agido como um Poder alinhado com um governo estrangeiro, a golpear instituições e tradições brasileiras.

Por que ordenou a prisão de Battisti em fevereiro de 2007, se era um homem que levava existência pacata, honesta e produtiva há quase três décadas? Não seria suficiente a liberdade vigiada?

A detenção já não se constituiu num prejulgamento, além de uma tentativa de influenciar o julgamento propriamente dito com a produção e farta difusão de imagens negativas?

Por que a exibição de algemas choca tanto o ministro Gilmar Mendes quando o algemado é suspeito de estar praticando crimes financeiros aqui e agora, mas nem um pouco quando se trata de um acusado de haver cometido crimes políticos em outro país, no longínquo final da década de 1970?

A GUERRILHA JUDICIAL DA DUPLA DIREITISTA

Se dúvidas havia quanto à necessidade de manter Battisti preso, deixaram totalmente de existir em janeiro de 2009, no exato momento em que o ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu-lhe refúgio humanitário.

Pela Lei do Refúgio e pela jurisprudência consolidada em vários casos, só restava ao STF arquivar o pedido berlusconiano, como arquivara outros, idênticos, no passado.

Mas, na condição de homens de direita que são e sempre evidenciaram ser, o então presidente do Supremo Gilmar Mendes e o relator Cezar Peluso resolveram subverter o Direito, lançando uma espécie de guerrilha judicial contra o Estado brasileiro:
  • não encerrando o processo nem libertando Battisti, como deveriam ter feito;
  • permanecendo surdos aos muitos e fundados pedidos de libertação do escritor, nem que fosse para aguardar sob vigilância a pantomima que os dois preparavam com lentidão exasperante;
  • tudo fazendo para que o Supremo, numa das decisões mais infelizes e grosseiras de sua História, revogasse, na prática, a Lei do Refúgio, o que (legislar) não é, nunca foi nem jamais será  atribuição do STF; e
  • linchando Battisti, ao julgar seu caso com base não num relatório, mas num panfleto, uma peça da mais gritante e escancarada tendenciosidade.
Jamais eu vira, numa vida inteira de participação em lutas sociais e exercício do jornalismo, o relator de um caso polêmico encampar TODOS os argumentos de uma parte e NENHUM da outra. Mais unilateral, impossível.

Mesmo assim, a escalada de arbitrariedades foi detida quando um dos ministros que até então sustentatva a frágil maioria de 5x4 recuou, horrorizado, ante a tentativa de usurpar-se do presidente da República a prerrogativa de dar a palavra final no caso.

O que não impediu Mendes e Peluso de, após o fim do julgamento, ainda darem um jeito de reabri-lo para alterar o já decidido, numa manobra sem precedentes nos anais do STF, como notou o ministro Marco Aurélio de Mello: a pretexto de esclarecer um voto, enxertaram um condicionamento.

ITALIANOS TRAMARAM ASSASSINATO DE BATTISTI

Mas, obrigando Lula a ater-se aos termos do tratado de extradição entre Brasil e Itália, não lhe criaram real embaraço.

Pois, se o fundado temor de que o extraditado venha a sofrer "atos de perseguição e discriminação" é motivo suficiente para deixar de entregá-lo ao solicitante, não há mais o que discutirmos:
  • é público e notório que o Serviço Secreto Italiano tramou com mercenários o assassinato de Battisti na América do Sul, só não levando o plano adiante por divergência quanto ao preço do  serviço;
  • autoridades e entidades italianas estão, desde fevereiro/2009, dando as mais despropositadas e furibundas declarações a respeito de Battisti, incluindo ameaças de retaliação ao Brasil, promessa de vingança de uma associação de carcereiros e a bizarra confissão do então ministro da Justiça Clemente Mastella, ao reconhecer que a promessa de reduzir a pena de Battisti, de prisão perpétua para o máximo que a legislação brasileira permite (30 anos) estava sendo feita de má fé, só para nos iludir.
Tal incontinência verbal, aliás, veio ao encontro do que o principal jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, já alertara: a Itália não dispõe de nenhum instrumento jurídico que lhe permita adequar sua sentença à exigência brasileira. Recorre a subterfúgios espúrios, simplesmente.

Só não sei como qualificar a    de juristas brasileiros que supostamente ignoram aquilo que tinham a obrigação de saber, pois foi noticiado pela própria imprensa italiana.

É simplesmente inegável e insofismável, salta aos olhos e clama aos céus, que Battisti não só vai ser perseguido e discriminado, como correrá enorme perigo de vida caso seja despachado para a Itália.

AUTORIDADE PRESIDENCIAL EM XEQUE

Se Cezar Peluso quiser apenas dividir a responsabilidade pelo arquivamento do pedido italiano com o restante dos ministros, isto já deporá contra ele, pois a característica mais marcante de sua gestão está sendo exatamente a paralisia do Supremo.

Pior: caso, como faz supor a indicação de Gilmar Mendes para relator, o que ele pretenda é questionar a decisão do presidente da República, aí entraremos num terreno perigosíssimo.

O Supremo já decidiu que cabe ao presidente da República o papel de última instância, respeitando os termos do tratado de extradição Brasil-Itália.

Foi o que Lula fez, utilizando argumentação cabível e consistente, como condutor que é da política externa brasileira e contando com as informações privilegiadas (muitas das quais sigilosas) de que dispõe exatamente por exercer tal função.

Se o STF se dispuser a esmiuçar os elementos de convicção de um presidente, este será obrigado a revelar aquilo que tem por obrigação guardar para si, o que poderá gerar graves transtornos e prejuízos para o Brasil, conflitos internacionais e até guerras.

Então, há um limite para a invasão das prerrogativas presidenciais por parte do STF. E este limite será ultrapassado se o Supremo se meter a destrinchar esta decisão do Executivo, respaldada num parecer tecnicamente inatacável da Advocacia Geral da União e que, ao próprio senso comum, evidencia-se como o chamado  óbvio ululante.

Até o  sujeito da esquina -- aquele personagem ao qual o ministro Gilmar Mendes se referiu como se fosse o cocô do cavalo do bandido -- percebe que Cesare Battisti não terá seus direitos respeitados na Itália.

É um país:
  • que fechou os olhos a torturas e maus tratos durante os  anos de chumbo;
  • que fez, então, leis retroagirem para abarcar fatos ocorridos antes de sua promulgação.
  • que admitiu estender prisões preventivas (ou seja, de meros suspeitos que ainda não haviam recebido sentença nenhuma) por mais de dez anos;
  • que julgou réus ausentes, aceitando que fossem representados por advogados munidos de procurações forjadas e não voltando atrás quando a falsificação ficou indiscutivelmente provada;
  • que tramou atentado pessoal contra Battisti e moveu-lhe uma campanha de difamação tão falaciosa quanto enormemente dispendiosa.
NOVA FORMA DE GOLPISMO EM EMBRIÃO?

Aliás, pateticamente, o governo italiano acaba de afirmar em nota oficial que "o presidente Lula deveria explicar tal escolha não apenas ao governo, mas a todos os italianos e, em particular, às famílias das vítimas e a um homem reduzido a viver em uma cadeira de rodas".
Trata-se de uma óbvia alusão a Alberto Torregiani, que, autor de um livro que o projetou como vítima profissional,  é pertencente a um agrupamento assumidamente neofascista, tem ambições políticas e já admitiu que Battisti não estava entre os assassinos do seu pai Pierluigi Torregiani, conforme declarou em 30/01/2009 à Agência Ansa (vide aqui ):
"Torregiani revelou que Battisti não participou da ação que culminou no assassinato de seu pai porque havia ido à localidade de Mestre, onde teria matado o açougueiro Lino Sabbadin. 'Está tudo nos autos do processo', explicou".
 Mas, demagogias, mentiras, ameaças, bravatas e  buffonatas  italianas à parte, permanece o fato de que a dupla reacionária do STF parece querer colocar o Supremo no papel de uma corte internacional  que estivesse julgando uma pendência entre o Brasil e a Itália, e não como um Poder brasileiro obrigado a respeitar as decisões tecnicamente consistentes de outro Poder.

Francamente, acredito que ficará falando sozinha, com os demais ministros não a acompanhando nessa aventura insensata e potencialmente catastrófica para nossa democracia.

Mesmo assim, cabe a todos os cidadãos brasileiros avessos ao totalitarismo, imbuídos de espírito da justiça e ciosos da soberania nacional manterem-se alerta contra o linchamento de Battisti e vigilantes contra essa nova forma de golpismo que habita os sonhos da direita inconformada com a hegemonia petista: a ditadura judicial.

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